segunda-feira, 8 de abril de 2019

Nem tudo o que luz é ouro


É o que denota a irritação de Salles da Fonseca – como, de resto, aconteceria com qualquer turista, que, indo entusiasmado conhecer sítios do seu interesse, para cujo efeito pagou bem, de repente se sente paralisado no seu entusiasmo viageiro, ao confrontar-se com a avidez malandra de gente mísera e sem quaisquer princípios de ética, habituada já por longa tradição a comerciar através de truques ou malabarismos fraudulentos, como também fazem os ciganos - reais ou metafóricos - perante a passividade permissiva do seu governo astuto. Mas tudo isso serviu para partilhar connosco, generosamente, as suas experiências viageiras, e passámos horas de encanto - sem os incómodos das deslocações, incompatíveis com a nossa idade e com a nossa bolsa - a consultar as fotos e as histórias que a Internet nos conta, sobre Petra.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 08.04.19
PETREFICADOS
Chegados à placa toponímica de Petra, logo começámos a descer por uma estrada em rampa sinuosa através de filas de casas em socalco que nem percebi bem como lá se chega se se for com pressa. Mas como não vi ninguém apressado, pode ser que esse não seja um problema.
E descemos, descemos… até que demos com um parque de estacionamento de autocarros de turismo completamente apinhado. Mas, lá estava outro socalco logo ali por baixo com mais lugares de estacionamento, desta vez disponíveis.
O hotel onde haveríamos de almoçar era no socalco por baixo deste local de estacionamento e a entrada do sítio arqueológico era por baixo da entrada do hotel.
Até ali, tudo funcionava a descer mas o pior seria na volta em que tudo funcionaria a subir.
O já «famoso» guia disse-nos que poderíamos alugar uma charrete ou um cavalo para descermos até aos locais a visitar e que, de preferência, deveríamos estabelecer logo o preço para o regresso, na subida. Que seriam cerca de dois quilómetros em cada sentido, o que corresponderia a € 40,00.
Se o cavalo era hipótese do meu agrado, já o mesmo não disseram os outros membros do meu grupo: a minha mulher que, sabendo montar, não o pode fazer por causa de um problema nas costas, o outro casal porque nunca montou a cavalo na vida. A charrete seria a solução. Mas não foi porque um jordano de ar rude e «dono» daquele negócio rugiu para o nosso «famoso» que já não havia charretes disponíveis, que teríamos que descer a pé e contratar lá em baixo quem nos trouxesse para cima.
Pelo mapa do campo arqueológico ficámos então a saber que a distância completa a descer (e, depois, a subir) não eram dois quilómetros mas quase oito. E descemos… mas chegámos todos lá a baixo em boas condições para sermos lançados ao guano. Depois de não sei quantos dias de inactividade no barco, descer custa quase tanto como subir porque, apesar de os músculos serem outros, também estão habituados a não fazer nada e queixam-se amargamente. E o cansaço era tanto que a minha mulher e eu decidimos que dávamos uma vista de olhos na primeira fase, a da fachada do «Tesouro» e trataríamos de contratar a tal charrete que nos levasse até lá a cima. Quanto ao resto, haveríamos de voltar a ver na Internet, agora que tínhamos uma noção do local e da dimensão fantástica de tudo aquilo.
Então, vendo por ali uma charrete vazia, logo tratámos de a contratar mas o timpanas viu que estávamos derreados e explorou a situação de um modo que se assemelhou à diplomacia dos piratas do Mar Vermelho: o preço da subida seria, afinal, igual ao que o «famoso» nos tinha dito que correspondia à ida e volta, € 40,00. Tudo bem, nem discutimos. O que nos chocou mais foi, contudo, o facto de a charrete ao lado desta que arrematáramos estar já contratada por alguém que pagara na origem, lá em cima, a descida e a subida e cujo timpanas, vendo que por ali havia outras situações de grande exaustão, fechou outro negócio por € 100,00 só pela subida deixando o cliente inicial sem outra solução que não fosse perder o dinheiro que já pagara e subir a pé.
Mas o que mais me chocou ainda estava para vir: a nossa exaustão não foi nada em comparação com a dos cavalos das charretes quando chegavam lá a cima em haustos de grande aflição e um deles, cheio de «cornage», ouvia-se à distância. Um verdadeiro crime cuja cessação deveríamos promover com a maior urgência. Um Governo que permite tal «cartão de visita», presta um muito mau serviço ao prestígio da sua Nação. Só animais tão voluntariosos e generosos como os cavalos é que se submetem a tal situação e o bicho homem, selvático, explora-os ignobilmente até à exaustão. Um verdadeiro crime!
Zangados com tudo aquilo, arrastámo-nos até ao hotel para o almoço. Tudo bem, mas cada pessoa só tinha direito a um copo de água. Se quisesse outro, tinha que comprar uma garrafa de litro e meio que eles vendiam ao preço de quem a tinha ido buscar às neves eternas do Kilimanjaro mas se quisesse álcool, então teria que pagar uma bula salvadora do crime de lesa não sei quem.
Um amigo meu diz-me que gosta muito da Jordânia porque conhece lá muita gente muito civilizada. Pena eu não ter conhecido essa elite e me ter limitado a esta ralé do mais vil com que alguma vez me cruzei. E eu até já conheço um bocado do mundo - mas tão reles como isto, nunca tinha visto.
(continua)
3 COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca 08.04.2019 12:17 Caro Henrique: Tenho lido com muito interesse (e em silêncio) as tuas crónicas, mas esta fez-me quebrar o silêncio e dizer-te que me entristeceu tanto que antes não a tivesse lido. Um dos livros que me viu crescer foi “Homens e bichos”, de Axel Munthe, onde consta a famosa frase “Quanto mais conheço os homens mais gosto dos animais” e é bem certo. Não poderias fazer chegar a tua crónica ao Consulado da Jordânia, já que não existe, segundo o Google, Embaixada? O Cônsul até é português, segundo a mesma fonte… Abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 08.04.2019 12:18: Assim farei. Obrigado pela sugestão.
Henrique Salles da Fonseca 08.04.2019 12:19 Obrigado por mais este testemunho. Abençoada Europa apesar de todos os seus defeitos. Um abraço, Bartolomeu Costa Cabral

 Adriano Lima  08.04.2019  14:35: Pelo que foi anteriormente anunciado, eu já estava a contar com este cenário, mas não esperava tanto. O estranho é não haver fiscais do Estado presentes no lugar para evitar estes desmandos que, de facto, só podem prejudicar o negócio. Tratando-se de uma atracção turística deste quilate, não se percebe semelhante "distracção". Justificam-se denúncias individuais, é verdade, mas também não entendo como as coisas chegaram a este ponto sem que as empresas de turismo estrangeiras tenham saído do seu mutismo. A não ser que aquelas "petras" sejam tão duras, mas tão duras, que não surte efeito o provérbio: "água mole em pedra dura tanto bate até que fura". Há um ano, fomos a Piódão, aldeia típica em lugar de difícil acesso que nunca tínhamos visitado. Para quem vive em Tomar ou ainda mais longe, a viagem é longa e penosa. Não tanto pela distância mas pelas estradas estreitas e longamente sinuosas que se tem de percorrer em grande parte do percurso. Mas o pior foi que o GPS enfiou-nos pela pior alternativa rodoviária para lá chegar, momentos antes de Pampilhosa da Serra, isto porque a ligação com o satélite sofrera uma interrupção e quando foi retomada o critério para o ajustamento/correcção do percurso não foi o melhor. O problema principal é que a minha mulher tem um medo tremendo das alturas, autêntico pânico, pelo que, além do cuidado permanente que eu tinha de dar à condução, tinha ainda de a ir mantendo sob vigilância e controlo. Chegados a Piódão, verificámos que a aldeia é de facto linda no seu tipicismo mas que talvez não se justificasse tanta maçada para a visitar. A compensação é que não há lá o tipo de exploração ao visitante que há em Petra, sendo o principal problema a dificuldade de estacionar porque aquilo fica também num "buraco", mas não tanto como no jordano. Ciente ainda de que tínhamos de fazer a viagem de retorno, mas que foi feita por uma alternativa melhor (via Coimbra), eu e a minha mulher convergimos na seguinte opinião: futuramente, se quisermos rever Piódão, mais vale adquirir um postal e contemplar as vistas do lugar sentados num sofá. Receio que em relação a Petra venhamos a optar pela mesma solução, ah-ah-ah.


NOTAS DE APOIO
Petra e os encantos de uma cidade perdida (< MUNDO – SAPO VIAGENS)
Premiada com o título de Maravilha do Mundo, a cidade antiga de Petra é a maior atracção turística da Jordânia e a mais visitada do país. Explorar Petra faz parte dos sonhos de todos os viajantes. A região de Petra é povoada desde a pré-história, mas foram os Nabateus, povo originário do nordeste da Arábia, que construíram a cidade cujas ruínas atraem hoje turistas de todo o mundo. Os Nabateus, povos árabes nómadas, cujo êxito assentava no aproveitamento, controle e conservação da água, bem precioso neste terreno desértico, terão criado uma cidade império no actual território da Jordânia, três séculos antes de Cristo. Chamaram-lhe Raqmu. A cidade perdurou no tempo, mas o seu nome passou a ser Petra. O seu legado ainda hoje pode ser observado quando se entra nas ruínas da cidade de Petra, em que se seguem os canais de água nas paredes da garganta, designada por Siq. Esta entrada em Petra através do Siq é triunfal, e no final da garganta, tem-se a visão mais clássica de Petra, o chamado Tesouro, pois pensava-se que albergava um tesouro de um faraó egípcio.
O momento em que a fachada do monumento de Petra surge, na sua tonalidade rosa e castanha, por uma abertura nas escuras e apertadas paredes do Siq, é aquele que a maior parte dos turistas retém como principal recordação de Petra. Daí que seja conhecido por muitos como a Cidade Rosa.
Os Cruzados passaram por aqui no século XII, assim como os Romanos, os Cristãos e os Árabes, sendo esta mistura de povos e culturas bem evidente na abundância de estilos arquitectónicos que se podem admirar nas ruínas de Petra.
Mas Petra é muito mais do que essa imagem clássica. Petra é uma cidade inteira, que abrangia uma área considerável em terreno montanhoso e desértico. Uma cidade com legado cristão, árabe e romano. Com ruínas romanas no seio de edíficios Nabateus e com uma profusão arquitectónica difícil de igualar.

História (Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre).
A região onde se encontra Petra foi ocupada por volta do ano 1 200 a.C. pela tribo dos edomitas, recebendo o nome de Edom. Como a cidade se situava perto do monte Hor, é muito possível que os horitas, um povo mencionado na Bíblia (Gênesis 14:6, 36:20, Deuteronómio 2:12), habitassem essa região ainda antes da chegada dos edomitas. A região sofreu numerosas incursões por parte das tribos israelitas, mas permaneceu sob domínio edomita até à anexação pelo Império Aqueménida. A cidade de Petra era denominada Sela em edomita, nome que significa "pedra", "penhasco" ou "rocha" nessa língua; o nome grego πέτρα - Pétra e latino Petra - pedra, penhasco, é a tradução da palavra edomita. O nome árabe Al-Bitrā ou Al-Batrā é a arabização do seu nome grego e latino.  Importante rota comercial entre a península Arábica e Damasco (Síria) durante o século VI a.C., Edom foi colonizada pelos nabateus (uma das tribos árabes), o que forçou os edomitas a mudarem-se para o sul da Palestina, que passou a ter o nome de Idumeia, nome derivado dos idumeus ou edomitas.

Fundação: O ano 312 a.C. é apontado como data do estabelecimento dos Nabateus no enclave de Petra e da nomeação desta como sua capital

Época romana Entre os anos 64 e 63 a.C., os territórios nabateus foram conquistados pelo general Pompeu e anexados ao Império Romano, na sua campanha para reconquistar as cidades tomadas pelos Hebreus. Contudo, após a vitória, Roma concedeu relativa autonomia a Petra e aos nabateus, sendo as suas únicas obrigações o pagamento de impostos e a defesa das fronteiras das tribos do deserto.

No entanto, em 106 d.C., Trajano retirou-lhes este estatuto, convertendo Petra e Nabateia em províncias sob o controlo directo de Roma (Arábia Pétrea). Adriano, seu sucessor, rebaptizou-a de Adriana Pétrea (Hadriana Petrae), em honra de si próprio.

Época bizantina: O domínio do Império Romano, com uma forte pressão económica, gradualmente fez com que o comércio dos nabateus entrasse em declínio. No século III, Petra já não estava mais nas rotas comerciais, e sua economia ficava cada vez mais decadente. Em 324, Constantino fundou o Império Bizantino, com capital em Constantinopla (actual Istambul). Um bispado instalou-se na cidade durante esse período, utilizando como catedral um templo afastado da cidade, que ficou conhecido como o Monastério Al-Deir. Sob o domínio de Constantino, Petra passou por um período mais próspero até o ano de 363, quando um terramoto destruiu quase metade da cidade, o terramoto na Galileia em 363. Contudo a cidade não desapareceu. Depois deste sismo, muitos dos edifícios "antigos" foram derrubados e reutilizados para a construção de novos, em particular igrejas e edifícios públicos.

Em 551, um segundo terramoto, mais grave que o anterior, o terramoto em Beirute em 551, destruiu a cidade quase por completo. Petra não conseguiu recuperar desta catástrofe, pois a mudança nas rotas comerciais diminuíram o interesse de entreposto comercial da cidade.

As ruínas de Petra foram objecto de curiosidade a partir da Idade Média, atraindo visitantes como o sultão Baibars do Egipto, no princípio do século XIII. O primeiro europeu a descobrir as ruínas de Petra foi Johann Ludwig Burckhardt (1812), tendo o primeiro estudo arqueológico científico sido empreendido por Ernst Brünnow e Alfred von Domaszewski, publicado na sua obra Die Provincia Arabia (1904). O nome Petra vem do grego e significa rocha. Pois quando os primeiros nativos chegaram lá, viram muitas pedras e rochas e, então surgiu a ideia de colocar o nome Petra e traduzido basicamente A cidade das rochas.

Património: A 6 de dezembro de 1985, Petra foi reconhecida como Património da Humanidade pela UNESCO. Em 2004, o governo jordaniano estabeleceu um contrato com uma empresa inglesa para construir uma autoestrada que levasse a Petra tanto estudiosos como turistas. A 7 de julho de 2007, foi eleita em Lisboa, no Estádio da Luz uma das Novas sete maravilhas do mundo.


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