Um artigo do advogado Pedro Barros Ferreira que me parece dar no vinte a respeito das nossas
manhas de fabricação de leis como pretexto para deixar de cumprir o recto
caminho que uma norma menos labiríntica imporia menos astuciosamente. O mesmo
acontece no ensino, ao exigir profusas reuniões dos professores para análise de
leis ministeriais com a sua terminologia própria de um psitacismo mistificatório
assustador e vão, no excesso de tempo tomado com tais práticas impeditivas de
uma maior centralidade nas matérias programáticas de cada ramo de estudo. Ou as
avaliações-robot dos alunos, que, à nota quantitativa, acrescentavam – não sei
se ainda se mantém a moda - inúmeros dados psicológicos e comportamentais pré-fabricados
de modo estandardizado, a que um professor desejoso de cumprir honestamente os
seus programas docentes não poderá responder cabalmente, ainda que só por meio
de cruzinhas, tantos são os alunos sobre que tem de se debruçar em cada ano
escolar. Mais do que centrar-se numa orientação formativa ou informativa, que
contribua para um real esclarecimento e educação, o ensino, tem-se visto, é,
assim, uma fábrica de indisciplina e delinquência, que tem conduzido às
torpezas sociais de um mundo adulto de atropelamento de normas e ruído qb.
Metternich e o familygate
OBSERVADOR, 14/4/2019
Mais leis? Valha-me Deus! Já
estou a ver a discussão em comissão e em plenário, as audições às Ordens e aos
Provedores (não esquecendo sindicatos), as alterações que o Constitucional vai
mandar fazer.
O
Príncipe Metternich, estadista austríaco, escreveu o seguinte há quase 200
anos: “O objecto, alvo de legislação em excesso,
transforma-se no contrário daquilo que se pretendia evitar” (minha tradução).
Olhando-se
para o quadro jurídico português, em particular no que às matérias de corrupção
diz respeito, só podemos concluir que ninguém liga peva ao Príncipe. É que são
tantas as leis que ninguém se entende. Quem fica a ganhar? O infractor é claro.
E alguns advogados.
Lembrei-me
da frase acima escrita, por ter ouvido – com espanto – que o nosso Presidente
da República, logo secundado pelos infractores, entende que se devem efectuar
alterações à lei que estabelece as regras de nomeação para cargos
governamentais.
Mais
leis? Valha-me Deus! Já estou a ver a discussão em comissão e em plenário, as
audições às Ordens e aos Provedores (não esquecendo sindicatos), as alterações
que o Constitucional vai mandar fazer, etc., etc. E para quê? Para que as
mesmas pessoas que agora demonstram não ter vergonha na cara, poderem afirmar
que cumprem a lei?! Para que dois ou três escritórios de advogados de Lisboa
(aqueles que conseguem ter meia dúzia de funcionários a estudar em exclusivo a
matéria em questão) aumentarem a sua facturação? É que, como é bom de ver, a
discussão vai passar a ser técnica, discutindo-se as linhas de parentesco, as
consanguinidades, os casamentos e as uniões de facto, os filhos adoptivos ou
naturais (será que um filho em barriga de aluguer cai nas impossibilidades?).
Ou seja, a costumeira salganhada, que vai dar a hipótese – aos mesmos do
costume – em irem à televisão expor os seus doutos conhecimentos sobre a
matéria.
Já todos vimos este filme e é mau. No tema corrupção, no tema
enriquecimento ilícito, na fraude financeira, no colarinho branco em geral.
Lembremo-nos que, para provar a corrupção tem que existir corruptor, corrompido
e contrapartida. Não era mais simples que fosse apenas penalizado o corrompido?
É que a responsabilidade última é a de quem aceitou o favor ou o dinheiro. Quem
merece estar preso? O sucateiro ou o Vara? Eu não tenho dúvidas. Claro que a
simplicidade não ajuda o infractor. Com a complexidade existente os processos
arrastam-se anos sem fim, os causídicos amealham e os criminosos riem-se. Quem
fica a chorar? Os do costume. Aqueles que pagam.
Mas voltemos ao famigerado familygate.
Como de costume, a culpa já é do mensageiro. Em vez de se aplaudir o jornalismo de investigação, que, corajosamente,
expõe este escândalo, rebaixa-se o tema para o nível da má-língua, da
coscuvilhice. Não, não é. É um tema de enorme importância, que não deve – não
pode – ser deixado cair no esquecimento. No entanto, a mesma imprensa que tem
denunciado esta vergonha, sente-se “obrigada” a falar de casos do passado. Mas
essa é uma armadilha, para que, ao preocuparmo-nos com o passado,
desculpabilizemos o presente. Mas então uma coisa desculpa a outra? A quem
interessa passar a ideia de um quasi direito consuetudinário, nesta
matéria?! Aos infractores do presente, digo eu.
A questão é política e é pública. É política porque se os comunistas e trotskistas,
parceiros do PS, tivessem um pingo de vergonha – está á vista que não têm –
retiravam a dita confiança ao governo. E é pública, no sentido em que é preciso
que o público continue a ser devidamente informado sobre o carácter de quem os
governa, afim de, quando chamado a votar, decida não só por ter passes mais
baratos, mas também por conhecer a verdade.
Lembrem-se,
sff, do Metternich.
Advogado
COMENTÁRIOS
Ana Maia: Muito bem exposto.
Rui Kissol: Congratulações pelo sintético e esclarecedor artigo! Tal qual o discernimento do Príncipe Metternich,
igualmente o romano Tácito havia observado a ilusão das quantidades das Leis: > "Quanto mais corrupto o Estado,
maior o número de leis", Tácito.
Alice Dias: Marcelo, o irrequieto presidente, que à semelhança do Wally, está em
toda a parte, fez uma cábula e enviou-a ao governo. Uma dica para o governo
fazer uma lei. Marcelo o Legislador. Sr.
advogado parabéns pelo seu artigo.
Stra. Anabela Faísca: Boa, excesso de leis para bloquear a lei. O manhoso PR também se
deve ter lembrado de Metternich. De
Pedrógão, a Tancos e ao familygate para falar dos mais graves, é tudo um “vamos
averiguar, vamos ver…”. Tem fechado os olhos a barbaridades tamanhas e agora a
desculpa é não haver legislação? O nepotismo alguma vez foi aceite? Não se sabe
que esse é um mecanismo básico das ditaduras, substituindo-se a obediência à
lei pela fidelidade aos membros da “família”? Ora, o PR, conhecendo-se bem, não
teria feito melhor em ficar-se pelos comentários na TVI? Esse seria o
grande serviço, porque embora fosse também mau, pelo menos não tinha estas
proporções.
victor guerra: Parece que o homem de Belém exige que não se nomeie alguém com parentesco
até ao 6ºgrau,vai ser necessária
análise de DNA Parece que Marcelo exige que não se nomeie ninguém, com
parentesco até ao 6ºgrau. Deve passar a ser necessária a análise de
DNA,.neste circo de palhaços
Ramiro Araújo: Metternich versus D. Corleone: É preciso que algo pareça que
muda para que tudo fique na mesma (ou se possível mais favorável à famiglia...)
Mancate Fdx2 d: Percebo
o ponto e sim é facto que entre o passado e o presente o argumento dos
infractores (tá fofo) possa evoluir em detrimento da justiça, da equidade e da
ética. Mas em vez de se alinharem notícias de corrupção com sensacionalismo
habitual, porque não programas com jornalismo sério de responsabilidade dos
intervenientes em vez das tinas da malveira e os calcitrins, ou os prós e
contras de acampamentos do BE? É um pouco esquizofrénico querer um País com
opinião crítica e expressão de voto com tantos fadistas a chorar pelo leite
derramado. Música de fundo sempre ajudou dramas. Intelectualidades desta nação
nem se atrevem. Com a Lusa a enriquecer com comunicados relâmpago da galinha da
vizinha a criar leis de pacotes instantâneos, correios da manhã a fazer
especiais para a telepizza... Jornalismo de investigação para as massas?
Estações televisivas com integridade para tal? Enquanto a dona maria deixar a
televisão ligada enquanto passa a ferro e o timesharing ser inflacionado para
produtos como bálsamo de cavalo... Lisboa vai continuar a ser o 1º destino turístico
do século XXI.. O entretenimento é total. A banda passa e a festa continua.
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