quarta-feira, 17 de abril de 2019

O poder está nas leis



Um artigo do advogado Pedro Barros Ferreira que me parece dar no vinte a respeito das nossas manhas de fabricação de leis como pretexto para deixar de cumprir o recto caminho que uma norma menos labiríntica imporia menos astuciosamente. O mesmo acontece no ensino, ao exigir profusas reuniões dos professores para análise de leis ministeriais com a sua terminologia própria de um psitacismo mistificatório assustador e vão, no excesso de tempo tomado com tais práticas impeditivas de uma maior centralidade nas matérias programáticas de cada ramo de estudo. Ou as avaliações-robot dos alunos, que, à nota quantitativa, acrescentavam – não sei se ainda se mantém a moda - inúmeros dados psicológicos e comportamentais pré-fabricados de modo estandardizado, a que um professor desejoso de cumprir honestamente os seus programas docentes não poderá responder cabalmente, ainda que só por meio de cruzinhas, tantos são os alunos sobre que tem de se debruçar em cada ano escolar. Mais do que centrar-se numa orientação formativa ou informativa, que contribua para um real esclarecimento e educação, o ensino, tem-se visto, é, assim, uma fábrica de indisciplina e delinquência, que tem conduzido às torpezas sociais de um mundo adulto de atropelamento de normas e ruído qb.

Metternich e o familygate
OBSERVADOR, 14/4/2019
Mais leis? Valha-me Deus! Já estou a ver a discussão em comissão e em plenário, as audições às Ordens e aos Provedores (não esquecendo sindicatos), as alterações que o Constitucional vai mandar fazer.
O Príncipe Metternich, estadista austríaco, escreveu o seguinte há quase 200 anos: “O objecto, alvo de legislação em excesso, transforma-se no contrário daquilo que se pretendia evitar” (minha tradução).
Olhando-se para o quadro jurídico português, em particular no que às matérias de corrupção diz respeito, só podemos concluir que ninguém liga peva ao Príncipe. É que são tantas as leis que ninguém se entende. Quem fica a ganhar? O infractor é claro. E alguns advogados.
Lembrei-me da frase acima escrita, por ter ouvido – com espanto – que o nosso Presidente da República, logo secundado pelos infractores, entende que se devem efectuar alterações à lei que estabelece as regras de nomeação para cargos governamentais.
Mais leis? Valha-me Deus! Já estou a ver a discussão em comissão e em plenário, as audições às Ordens e aos Provedores (não esquecendo sindicatos), as alterações que o Constitucional vai mandar fazer, etc., etc. E para quê? Para que as mesmas pessoas que agora demonstram não ter vergonha na cara, poderem afirmar que cumprem a lei?! Para que dois ou três escritórios de advogados de Lisboa (aqueles que conseguem ter meia dúzia de funcionários a estudar em exclusivo a matéria em questão) aumentarem a sua facturação? É que, como é bom de ver, a discussão vai passar a ser técnica, discutindo-se as linhas de parentesco, as consanguinidades, os casamentos e as uniões de facto, os filhos adoptivos ou naturais (será que um filho em barriga de aluguer cai nas impossibilidades?). Ou seja, a costumeira salganhada, que vai dar a hipótese – aos mesmos do costume – em irem à televisão expor os seus doutos conhecimentos sobre a matéria.
Já todos vimos este filme e é mau. No tema corrupção, no tema enriquecimento ilícito, na fraude financeira, no colarinho branco em geral. Lembremo-nos que, para provar a corrupção tem que existir corruptor, corrompido e contrapartida. Não era mais simples que fosse apenas penalizado o corrompido? É que a responsabilidade última é a de quem aceitou o favor ou o dinheiro. Quem merece estar preso? O sucateiro ou o Vara? Eu não tenho dúvidas. Claro que a simplicidade não ajuda o infractor. Com a complexidade existente os processos arrastam-se anos sem fim, os causídicos amealham e os criminosos riem-se. Quem fica a chorar? Os do costume. Aqueles que pagam.
Mas voltemos ao famigerado familygate. Como de costume, a culpa já é do mensageiro. Em vez de se aplaudir o jornalismo de investigação, que, corajosamente, expõe este escândalo, rebaixa-se o tema para o nível da má-língua, da coscuvilhice. Não, não é. É um tema de enorme importância, que não deve – não pode – ser deixado cair no esquecimento. No entanto, a mesma imprensa que tem denunciado esta vergonha, sente-se “obrigada” a falar de casos do passado. Mas essa é uma armadilha, para que, ao preocuparmo-nos com o passado, desculpabilizemos o presente. Mas então uma coisa desculpa a outra? A quem interessa passar a ideia de um quasi direito consuetudinário, nesta matéria?! Aos infractores do presente, digo eu.
A questão é política e é pública. É política porque se os comunistas e trotskistas, parceiros do PS, tivessem um pingo de vergonha – está á vista que não têm – retiravam a dita confiança ao governo. E é pública, no sentido em que é preciso que o público continue a ser devidamente informado sobre o carácter de quem os governa, afim de, quando chamado a votar, decida não só por ter passes mais baratos, mas também por conhecer a verdade.
Lembrem-se, sff, do Metternich.
Advogado

COMENTÁRIOS
Ana Maia: Muito bem exposto.
Rui Kissol: Congratulações pelo sintético e esclarecedor artigo! Tal qual o discernimento do Príncipe Metternich, igualmente o romano Tácito havia observado a ilusão das quantidades das Leis: >  "Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis", Tácito.
ALBERICO LOPES > Rui Kissol : Parabéns!
Alice Dias: Marcelo, o irrequieto presidente, que à  semelhança do Wally, está em toda a parte, fez uma cábula e enviou-a ao governo. Uma dica para o governo fazer uma lei. Marcelo o Legislador. Sr. advogado parabéns pelo seu artigo.
Stra. Anabela Faísca: Boa, excesso de leis para bloquear a lei. O manhoso PR também se deve ter lembrado de Metternich. De Pedrógão, a Tancos e ao familygate para falar dos mais graves, é tudo um “vamos averiguar, vamos ver…”. Tem fechado os olhos a barbaridades tamanhas e agora a desculpa é não haver legislação? O nepotismo alguma vez foi aceite? Não se sabe que esse é um mecanismo básico das ditaduras, substituindo-se a obediência à lei pela fidelidade aos membros da “família”? Ora, o PR, conhecendo-se bem, não teria feito melhor em ficar-se pelos comentários na TVI?  Esse seria o grande serviço, porque embora fosse também mau, pelo menos não tinha estas proporções.
victor guerra: Parece que o homem de Belém exige que não se nomeie alguém com parentesco até ao 6ºgrau,vai  ser  necessária análise de DNA Parece que Marcelo exige que não se nomeie ninguém, com parentesco até ao  6ºgrau. Deve passar a ser necessária a análise de DNA,.neste circo de palhaços
Ramiro Araújo: Metternich versus D. Corleone: É preciso que algo pareça que muda para que tudo fique na mesma (ou se possível mais favorável à famiglia...) 
Mancate Fdx2 d: Percebo o ponto e sim é facto que entre o passado e o presente o argumento dos infractores (tá fofo) possa evoluir em detrimento da justiça, da equidade e da ética. Mas em vez de se alinharem notícias de corrupção com sensacionalismo habitual, porque não programas com jornalismo sério de responsabilidade dos intervenientes em vez das tinas da malveira e os calcitrins, ou os prós e contras de acampamentos do BE? É um pouco esquizofrénico querer um País com opinião crítica e expressão de voto com tantos fadistas a chorar pelo leite derramado. Música de fundo sempre ajudou dramas. Intelectualidades desta nação nem se atrevem. Com a Lusa a enriquecer com comunicados relâmpago da galinha da vizinha a criar leis de pacotes instantâneos, correios da manhã a fazer especiais para a telepizza... Jornalismo de investigação para as massas? Estações televisivas com integridade para tal? Enquanto a dona maria deixar a televisão ligada enquanto passa a ferro e o timesharing ser inflacionado para produtos como bálsamo de cavalo... Lisboa vai continuar a ser o 1º destino turístico do século XXI.. O entretenimento é total. A banda passa e a festa continua.

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