Sim, falava-se do Preste João e das
buscas para o encontrar, já no tempo do Infante, e mais tarde de D- João II,
para colher informações que servissem aos reis portugueses, para orientação. Julgo
que do Antão Gonçalves, mas sobretudo
do Afonso de Paiva e do Pêro da Covilhã se falava, já mesmo na
História da 4ª classe, mas vagamente, porque vagas eram as informações, de
cariz lendário. Mas Salles da Fonseca
recupera-os, a propósito da Somália e do Mar Vermelho, além de outras histórias
antigas que o seu cruzeiro lhe suscitou, português não marinheiro, não dos sete
mares andarilho, mas capaz de se aproveitar das andanças de hoje para lembrar
feitos de antigos portugueses, e de contá-los de modo descontraído, a suscitar
interesse, entusiasmo e orientação. E foi assim que, uma vez mais, recorri à
Internet, para perceber melhor, afinal, a questão do Preste João, que alguém
realmente patriota, alegremente transmite, a propósito de um cruzeiro
evocativo.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO 05.04.19
HISTÓRIA DE PORTUGAL NO MAR
VERMELHO
Continuando…
Admito
que exista um sistema de comunicações inter-piratiano que tenha informado os
interessados que aqueles dois navios de cruzeiro não eram alvos fáceis e que
poderia ser mais proveitoso dedicarem-se a outros passantes. E, na verdade, não
voltámos a ser perturbados na nossa rotina pelo Mar Vermelho acima.
FOTO: - Lá vem o «Costa» na nossa
esteira!
Ao
contrário do que os mapas da Senhora Professora lá da escola primária podem dar
a entender, a partir de certo momento, o Mar Vermelho é suficientemente largo
para que, navegando pelo meio, não se avistem as margens e isso faz com que, à
falta de pirataria, tudo seja muito monótono.
E
sendo praticamente impossível chegar a horas cristãs à piscina e encontrar uma
cadeira disponível (quanto mais quatro que era o número que nos convinha),
continuámos a optar pelo deck 10 da ré pois poderíamos tomar banhos de Sol sem
o vento que zunia pela vante. Pela minha parte, fui entrando por um livro de
André Maurois (que não tive paciência para ler até ao fim, devolvendo-o à
biblioteca do barco e que rapidamente substitui por outro que levara de Lisboa
sobre Leon Blum, Albert Camus e Raymond Aron acerca do qual escreverei
brevemente alguma coisa) e por imaginar a História que passara por cima das
ondas antepassadas daquelas que estávamos a navegar.
Lembrei-me
dos cerca de 400 portugueses chefiados por Sebastião da Gama (filho de Vasco da
Gama) que estavam fartos de servir como tropas de elite do Preste João, que
decidiram abandonar a Etiópia no que foram perseguidos por tropas etíopes que
não os queriam deixar sair, das batalhas que foram tendo até
finalmente avistarem os barcos portugueses que ali os tinham ido resgatar, da
batalha que foi travada na praia (hoje eritreia) em que morreu Sebastião da
Gama mas de que o Dr. João Bermudes saiu ileso, ali embarcou e regressou a
Lisboa onde tudo contou; lembrei-me
de Afonso de Albuquerque que quis conquistar e destruir Meca, intento gorado
por falta de vento e por o reino de Judá lhe ter faltado com os 500 cavalos
prometidos; lembrei-me de Pêro da Covilhã
que, como emissário de D. João II, já tinha, antes de todos os outros, ido a pé
de Alexandria até encontrar a corte então itinerante do Preste João…
Sim, foi pelo Mar Vermelho que o
sonho português tentou muitas das aspirações de dar a volta ao poderio do
Segundo Império Romano, o do Vaticano, apertando-o entre a Igreja monofisista
abexim e os milenaristas franciscanos refugiados em Alenquer; lembrei-me de que o primeiro tempo foi o do Pai, o
segundo foi o do Filho e de que este, em que nos encontramos, é o do Espírito
Santo tão celebrado nos Açores (para onde os milenaristas tinham entretanto
sido enviados); lembrei-me dos jesuítas que, gorando esse sonho de
entendimento, tentaram converter os monofisistas etíopes ao catolicismo;
lembrei-me da guerra que noutras paragens mas por motivos não muito diferentes
já tinha oposto os cátaros a Roma, da rainha Santa Isabel que, sendo
simpatizante cátara, foi canonizada por Roma naquilo que me parece um absurdo
teológico…
Lembrei-me
de tanta coisa que a monotonia da navegação sem piratas se me tornou agradável
e «lembrativa». Então, ao fim de cinco dias de navegação, acordámos atracados
em Aqaba, extremo sul da Jordânia, Eilat à vista.
(continua)
FOTO de Henrique Salles da Fonseca: por
águas corânicas)
COMENTÁRIOS
Anónimo 05.04.2019 11:30: Como se
"navega" bem com boas leituras! Boa viagem
Henrique Salles da
Fonseca 05.04.2019 12:18: Reino de Judá? No séc. XVI? António Palhinha Machado
Henrique Salles da
Fonseca 05.04.2019 12:36: Certamente
não o reino que foi extinto em 950 a.C. mas o seu sucessor. Fui buscar de
memória a um texto que oportunamente li no «Diário de Notícias» da autoria do
historiador José Manuel Garcia. Pelos vistos, deveria ter ido reler o dito
texto. Fica a correcção de que quem faltou ao prometido NÃO foi o Reino de
Judá.
NOTAS DE APOIO
O mito do
Preste João e o imaginário português
por Manuel Simões VERB ARTE
O mito
do Preste João conheceu uma difusão extraordinária na Europa medieval, ligado à
convicção de que existia um reino fabuloso que tinha como imperador o Preste,
reino que foi conhecendo várias localizações, desde a área tártara, Índia
(nestoriana) e Abissínia. A partir de 1165 foi posta a circular
uma carta do mítico rei, dirigida a “Emanueli, Romeon gubernatori” (imperador
bizantino), documento fictício destinado a estimular a imaginação fantasiosa do
Ocidente medieval: confirmava o poder e a riqueza do chefe (também espiritual)
de um território que atravessava as três Índias e o deserto de Babilónia até
atingir a torre de Babel, razão que determinou o interesse em localizar um rei
tão potente, ainda por cima cristão, nas terras do Oriente.
A demanda do Preste também interessou o imaginário
português no processo que conduziu aos descobrimentos, considerando que, desde
as primeiras viagens, as instruções dadas aos navegadores continham a explícita
indicação de obterem notícias do fabuloso reino. A “Crónica” de Zurara, por exemplo, informa-nos
que em 1442 o Infante D. Henrique tinha encarregado Antão Gonçalves de procurar
nas costas do Rio do Ouro, na Mauritânia, notícias “das Índias e da terra do
Preste João”. E o cronista comenta que o Infante pensava que “talvez
agora a providência lhe deparasse nas remotas regiões algum rei cristão de
crenças vivas e ânimo esforçado, que o pudesse auxiliar na guerra aos inimigos
da fé”.
Em
1486 parte ainda Bartolomeu Dias com três naus para a costa africana e com a
missão de deixar escravos negros nas terras descobertas com a finalidade de
recolherem notícias sobre o Preste João. Mas
no ano seguinte assiste-se a uma alteração radical sobre a possível
localização, com a partida, desta vez por terra, de Afonso de Paiva e Pêro da
Covilhã, os quais viajam até ao Cairo, atravessam o Mar Vermelho e chegam a
Adem. Aqui se separam: Afonso de Paiva dirige-se para a Etiópia enquanto
Pêro da Covilhã estabelece contactos com os mercados orientais das especiarias:
Cananor, Calcutá e Goa para depois voltar ao Cairo, onde deveria encontrar o
companheiro. Sabe então da morte deste, prepara o regresso à pátria mas
encontra dois judeus portugueses, enviados ao Cairo por D. João II para saber
notícias dos dois emissários.
Pêro
da Covilhã deve ter chegado à conclusão de que o reino do Preste João só se
poderia localizar na Etiópia. Por
ordem do rei, parte de novo na direcção do golfo Pérsico, onde deve ter chegado
em 1490. Sabe-se que o Preste o recebeu com muitas honras mas, por razões que
se desconhecem, não conseguiu sair da Etiópia, onde se casou e onde vivia ainda
em 1526, no tempo da expedição de D. Rodrigo de Lima.
Só
depois da chegada à Índia se começa a ter uma noção mais exacta da localização
da Etiópia. Tudo se torna menos abstracto quando em 1512 o embaixador etíope
Matheus visitou o rei de Portugal, numa altura em que a Etiópia estava
constantemente ameaçada pelos ataques turcos. E em 1520 os portugueses puderam tomar contacto
directo com o reino do Preste e dele dar notícia a partir da própria
experiência. Só nessa data o Ocidente poderá beneficiar desse conhecimento,
sobretudo depois da referida expedição de D. Rodrigo de Lima que teve como
cronista o Padre Francisco Álvares (“Verdadeira Informação das Terras do Preste
João”, publicada em 1540), obra que conheceu uma extraordinária difusão a
partir das traduções para italiano (1550), para castelhano (1557), para alemão
(1566) ou para francês (1574).
Depois
desta expedição, os portugueses puderam estabelecer contactos mais assíduos com
as terras do Preste (que afinal se chamava Onandiguel), através de sucessivas
expedições, uma das quais parte da Índia em socorro do négus da Etiópia contra
os turcos, expedição dirigida por D. Cristóvão da Gama e narrada na “História”
de Miguel de Castanhoso (1564) e na “Breve Relação” de João Bermudez (1565). Estas obras difundiram finalmente uma imagem real
do personagem que ficou conhecida como Preste João – a versão latina da carta
enviada ao imperador bizantino exibia no exórdio o nome de “Presbiter Iohannes”
-, corrigindo e redimensionando os aspectos fantásticos que contribuiram para a
difusão do mito no Ocidente, como imaginário colectivo, já desde a época
medieval.
A
lenda do Preste João das Índias é muito antiga, pois já Marco Polo a ela se
referia no seu diário de viagens. São vários e muito antigos os testemunhos de
que existiria no Oriente um rei cristão nestoriano chamado João, cujo império
estaria situado na Ásia, segundo uns, ou em África, segundo outros. Os reis
cristãos que combatiam o Islamismo fizeram várias tentativas para contactar
este importante aliado no Oriente, mas sem resultados. Em 1486, João Afonso de
Aveiro trouxe da costa de Benim uns enviados do rei daqueles terras que levou à
presença de D. João II. Estes relataram ao rei português que, a vinte luas da
costa, onde hoje é a Etiópia, habitava um rei muito poderoso do qual forneceram
muitas informações que levaram os cosmógrafos portugueses a dizer que se
tratava do Preste João. D. João II escolheu Afonso de Paiva e Pero da Covilhã,
que mandou para África como seus emissários. Chegados ao Cairo, separam-se
aqui, seguindo Pero de Covilhã até à Índia. Quando este voltou, soube que o seu
companheiro tinha morrido. Pero da Covilhã dirigiu-se então à Abissínia, de
onde o rei Naú nunca o deixou sair, dando-lhe o governo de um feudo.
Impossibilitado de voltar a Portugal, onde tinha família, Pero da Covilhã
fundou uma nova família e teve muitos filhos. Tanto na Índia como depois em
África, Pero da Covilhã prestou importantes serviços a Portugal, recolhendo uma
série de informações que foram cruciais para a presença dos Portugueses
naquelas paragens. Os relatos de Pero da Covilhã foram transmitidos ao padre
Francisco Álvares, que com ele se encontrou na Abissínia, e que os deixou
escritos para a posteridade quando voltou para Portugal. Ao que parece, Preste
João nunca foi encontrado, mas a sua lenda e a vontade de o ter como aliado
inspirou durante anos muitos Portugueses e motivou uma série de viagens que
foram muito importantes na época dos Descobrimentos.
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