António
Barreto bem que quer apontar-nos o
caminho, mandando-nos pensar. Mas os parâmetros a ter em conta, embora
alinhadinhos na sua elegância, darão um trabalho inaudito de pensamento
cansativo, tantos eles são, e sem resultado à vista, é mais que certo. O melhor
é deixar como está, deixá-la ir, a vida, até ver, já Antero de Quental também
desistiu e nós não somos mais do que ele, muito pelo contrário, ora essa, que
era de esquerda mas até se matou, coitado. Nós iremos sempre, todavia, não pra
Pasárgada onde poderíamos ser amigos do rei, mas a Viana, onde existe o Vira,
mais ao nosso paladar, com as meninas de Lisboa e arredores, a dançar connosco.
Despondency
Deixá-la ir,
a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
D'um canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... Deixá-la ir, a vida!
Antero de Quental, in "Sonetos"
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
D'um canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... Deixá-la ir, a vida!
Antero de Quental, in "Sonetos"
OPINIÃO
Checklist
Em ano de
eleições, importa fazer uma checklist. As duas principais, europeias e
legislativas, oferecem-nos oportunidades de ouro para avaliar o estado da nação
e verificar a evolução dos sentimentos.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 21 de Abril de 2019
Este
ano é rico em
eleições. As duas principais, europeias e legislativas, oferecem-nos
oportunidades de ouro para avaliar o estado da nação e verificar a evolução dos
sentimentos. Há, na verdade, questões da maior importância que poderão ter uma
resposta já este ano ou, sendo cépticos, um início de esclarecimento. Por isso
vale a pena preparar uma lista de itens para utilizar ao longo do ano e aquando
das eleições em causa. Ainda por cima, a poucos dias do 45º aniversário do 25
de Abril, esta espécie de avaliação tem valor acrescido.
Quase
toda a gente pensava que o governo das esquerdas não duraria quatro anos. Ou
antes, muito pouca gente pensava que poderia durar quatro anos e uma
legislatura completa. Durou. É coisa feita. Foi um sucesso político. A
avaliar pelo desemprego, pela desigualdade e pelos rendimentos, teve algum
êxito social. Em termos internos e externos, foi um triunfo financeiro. Com a
excepção das exportações, teve poucos bons resultados económicos. Fez o país
perder perante a maior parte dos países do euro. Continuou a divergir da União,
aumentou a distância relativamente aos mais desenvolvidos. Perdeu na competição
da produtividade, das quotas de mercado, do crescimento do produto e dos
rendimentos. Preparou mal o futuro, não conseguiu dinamizar o investimento
privado, não soube estimular o investimento público e vendeu empresas sem criar
novas. Desde Sócrates até às esquerdas unidas, passando pela aliança do PSD com
o PP durante o ciclo da Troika, Portugal perdeu empresas, autonomia e progresso
social. Ou antes, comparando com o resto da Europa, como deve ser: Portugal
progrediu e ganhou muito, mas os outros cresceram e ganharam mais! Em poucas
palavras, o grande êxito político desta legislatura só foi ultrapassado pelo
grande fiasco económico do mesmo período.
As
reacções do governo aos incêndios florestais revelaram
incompetência e covardia. O roubo de Tancos exibiu irresponsabilidade
política e fraqueza moral. A sucessão de desastres bancários pôs em evidência a
fragilidade do Estado, que já vinha de governos anteriores e que este
continuou. A incapacidade de apuramento da verdade e de castigo de tantos casos
de corrupção sugere gritantes cumplicidades. O enredo tribal e familiar do
governo e da alta Administração Pública deixou feridas de difícil cicatrização.
A penúria dos serviços públicos acrescenta-se a este difícil rol. Finalmente, a
crise dos combustíveis tornou patente a imprevidência e um inquietante
embaraço. Serão os alegados êxitos políticos e sociais suficientes para
encobrir estas tão evidentes deficiências?
Na
gíria partidária, as próximas eleições são sempre decisivas. Claro. Mas às
vezes umas são mesmo mais importantes do que outras. Visto de outra maneira,
cada eleição tem a sua importância. O que está em causa em cada uma é sempre
diferente. As próximas europeias e legislativas merecem atenção por várias
razões. Mas tenhamos a certeza de que se vai votar Portugal e a política
portuguesa. A crise europeia, o futuro da União e as questões teóricas da Europa
vão evidentemente passar ao lado dos eleitores que se interessam e preocupam
com o seu país. Por isso, na verdade, vamos ter uma longa eleição em duas
fases, de Maio a Outubro.
A solução das esquerdas unidas é
durável, pode desenvolver-se e crescer, é útil ao país? Poderão o PS e António
Costa confirmar a ruptura com a social-democracia de Mário Soares? Está a
desenhar-se uma alternativa do socialismo de esquerda à social-democracia?
Confirma-se a perda do papel do PS como fiel da balança, charneira e ponto de
equilíbrio da política portuguesa, substituído pela liderança de todas as
esquerdas?
Confirma-se a existência de um PC
obsoleto, velharia reconduzida agora no século XXI como o único vestígio do
comunismo e imortal relíquia da revolução soviética? Ou afirma-se finalmente um
PC renovado, aberto ao desenvolvimento e conquistado pela democracia.
Confirma-se que a burguesia radical
do Bloco de Esquerda veio para durar? Haverá algum esclarecimento da questão,
que anda nas cabeças de tanta gente, da eventual fusão, a prazo, do PS com o
Bloco?
Fica
estabelecida a incapacidade de afirmação de uma direita portuguesa, assim como
o carácter híbrido do CDS e a androginia política do PSD? A direita portuguesa
é absolutamente incompetente e incapaz?
Há ou não mais fragmentação
partidária? Os partidos clássicos resistem e os populismos são mais uma vez
derrotados?
Confirma-se a impossibilidade de
termos em Portugal um partido ou uma força política liberal, de esquerda ou de
direita?
A
esquerda democrática portuguesa, apesar dos seus êxitos recentes, pretende
continuar a navegar entre a economia dirigista, a promiscuidade privada e o
negócio de última hora?
A
convergência dos três partidos de esquerda tem vários destinos possíveis. Os
antidemocratas e os não democratas passam a cultivar a liberdade e a acreditar
honestamente em valores democráticos: é o fim feliz desta história. Os
antidemocratas e os não democratas mantém as suas crenças e os seus hábitos,
mas perdem votos e importância eleitoral: é o fim feliz desta legislatura. Os
democratas deixam gradualmente de acreditar nos valores essenciais da
democracia liberal: é o fim infeliz da legislatura. Os três arrastam-se como
estão, por mais uns anos, entre a habilidade e o arranjo efémero: é o habitual
adiamento das decisões.
Os
três partidos das esquerdas pensam que podem continuar a protelar os grandes
problemas nacionais que zelosamente deixaram cá fora, à entrada do governo e do
parlamento? Esperam pela contagem dos votos para saber o que realmente devem
fazer? Será possível viver mais quatro anos na penumbra dos grandes dilemas? A defesa nacional, por exemplo, foi mais uma
vez adiada e esquecida. A segurança colectiva mantida entre parêntesis.
As Forças Armadas conservadas num limbo, salvas no entanto pela competência
e pela dignidade com que têm desempenhado as suas missões internacionais. A política
externa, tanto europeia, como atlântica ou africana, tem ficado congelada,
deixada em exclusivo para o PS, dado que os seus parceiros não têm crédito nem
inspiram confiança. Qualquer destes grandes temas é fatal para esta solução
de governo. A benefício das primeiras impressões, podem ter ficado numa
antecâmara de conveniência. Mas todos sabem que esse período de
quarentena acaba com as próximas eleições.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Ana Mendes: Apenas uma
nota sobre exportações, para que fique claro que é preciso estar muito atento
aos resultados. Por causa de uma greve de estivadores não resolvida
atempadamente pelas autoridades, a Autoeuropa não atingiu as metas de produção
anuais predefinidas em 2018, razão pela qual Portugal saiu prejudicado no seu
PIB. Além deste Governo não captar investimento estrangeiro, não cuida do que existe. Responder
Mário Orlando Moura Pinto, Setúbal22.04.2019
15:48: Vamos ter que esperar muito para que o Sr. Dr. António
Barreto responda às perguntas em vez de as fazer.
Jose, 22.04.2019 16:29: Isso nunca vai acontecer! Passou o tempo dele e dos
seus companheiros de caminhada. Deixaram-nos um desafio maior que o que receberam
na juventude que tiveram. O velho povo português, sempre jovem erguer-se-á de
novo apesar dessa geração de traidores que agora esperam o seu fim tentando
evitar o povo que trariam.Este ano eleitoral, 45 anos após o fim do Império e a
liberdade e independência conquistada pelos povos desse império desde o
português ao de Timor Leste, mostra que todos os povos se libertaram do
Império, da guerra, censura, PIDE, legionários, bufos, campos de concentração e
morte, tortura, prisões políticas, é o tempo de restaurar para a nação
portuguesa a soberania, abrir caminho à substituição dos capitalistas corruptos
encostados ao Estado e aos fundos comunitários, erguer uma nova economia com
novos capitalistas de fora da velha corte imperial, ampliar a concorrência económica
e política, dar o basta que urge nos que nos últimos 40 anos, PS, PSD, CDS,
governaram todas as empresas e instituições privadas e públicas trazendo a
nação portuguesa à beira da extinção sem retorno.
Gabriel Moreira, 21.04.2019 22:58: Tudo correu melhor do que aquilo que parecia quando se
formou a geringonça. Mas a história de que estamos a crescer acima da média
europeia é mais uma fábula dos socialistas. Efectivamente estamos a crescer
menos do que uma série de países que estavam atrás de Portugal, e já são mais
de 10. Isto leva-me a concluir que estaríamos muito melhor se continuasse a
governação anterior, de verdade e rigor, pois, no final, até as devoluções que
são uma bandeira deste governo também estavam programadas pelo anterior. É que
não vira a página da austeridade quem quer, como se viu.
Colete Amarelo, Aqui mesmo 22.04.2019
10:06: “Isto leva-me
a concluir que estaríamos muito melhor se continuasse a governação
anterior" - Isto é uma mera hipótese de verdade e rigor. As legislaturas são todas diferentes e nenhuma
consegue acudir a todos os problemas do país, pois todas estão limitadas pelas
exigências da dívida. Pelo menos a legislatura do presente não tem nem o
amadorismo nem o sectarismo da anterior.
TP, Leiria 21.04.2019
17:34: A produtividade aumentou ligeiramente, o PIB cresceu
acima da media da UE, a desigualdade diminuiu, o desemprego diminuiu, a
inovação e a ciência melhoraram substancialmente em Portugal. AB devia olhar
com mais atenção para os dados. Responder
FzD,
Almada 21.04.2019 18:08: E
pode garantir, explicando e exemplificando, que isso foi tudo obra de medidas
do governo? Ou terá sido simplesmente a base de partida e a conjuntura? Ou não
passa mesmo da velha conversa de que o que corre bem é obra do governo o que
corre mal deve-se à conjuntura?
JORGE COSTA, Terras do
Norte... 21.04.2019 17:33: Excelente
artigo, muito lucio e objectivo. Parabéns!!.... e prometo manter este
check-list! Responder
Carlos Brigida, Alges 21.04.2019 16:45: Mais um bom artigo de António Barreto (alguns houve
que achei excelentes). Interessante questão: como explicar esse sentimento
dominante que o governo das esquerdas não duraria muito, que era 'uma
geringonça'!? Creio que a explicação principal é que não somos capazes de
pensar 'O Poder'. A aliança era sólida, porque os três precisavam dela, e se
terminasse era desastroso para os três. Estava para durar, a situação geral era
favorável, a não ser que houvesse 'choques externos' negativos decisivos (que
não existiram, bem pelo contrário). Nenhum dos três partidos tem capacidade
própria para se renovar (mas no PC desenha-se a emergência de uma corrente de
'oposição'). O movimento para os três é descendente. Evoluirão ao sabor da
corrente ... das eleições, da Europa, da economia, .... Responder
Rui Ribeiro, Bruxelas 21.04.2019 15:21: Análise muito interessante. A manter, mesmo, como
checklist!
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