quinta-feira, 18 de abril de 2019

Poha que texto chato!



Foi este um comentário que recebi há dias para ser colocado no texto que laboriosamente escrevi, de 27/2/2011 – uma pequena análise da “Fedra” de Jean Racine. Apressei-me a transcrevê-lo no meu blog, não me senti nada ofendida com o desprimor do protesto, e espero que Salles da Fonseca, com a sua excelente análise a respeito da “economia paralela” se não formalize com a utilização do tal comentário para definir o seu. É claro que me trouxe luzes, e igualmente o seu comentador mais prolixo, Anónimo. Mas é mais fácil entender a ironia de João de Deus, de progressiva actualização e aplicação, e aí está o valor do “rico bago” do poema seguinte, como homenagem ao heróico esforço, seriamente elucidativo, de Salles da Fonseca, que nos revela os escaninhos da tal dimensão.
Dinheiro
O dinheiro é tão bonito,  Tão bonito, o maganão!  Tem tanta graça, o maldito,  Tem tanto chiste, o ladrão!  O falar, fala de um modo.  Todo ele, aquele todo...  E elas acham-no tão guapo!  Velhinha ou moça que veja,  Por mais esquiva que seja.  Tlim!   Papo.

E a cegueira da justiça   Como ele a tira num ai!   Sem lhe tocar com a pinça;   E só dizer-lhe: «Aí vai...» Operação melindrosa,   Que não é lá qualquer coisa;   Catarata, tome conta!   Pois não faz mais do que isto,   Diz-me um juiz que o tem visto:   Tlim!   Pronta. 

Nessas espécies de exames   Que a gente faz em rapaz,   São milagres aos enxames   O que aquele demo faz!   Sem saber nem patavina    De gramática latina,   Quer-se um rapaz dali fora?   Vai ele com tais falinhas,   Tais gaifonas, tais coisinhas...   Tlim!   Ora... 

Aquela fisionomia   É lábia que o demo tem!  Mas numa secretaria    Aí é que é vê-lo bem!  Quando ele de grande gala,   Entra o ministro na sala,   Aproveita a ocasião  «Conhece este amigo antigo?»   Oh, meu tão antigo amigo!    (Tlim!)   Pois não! 
João de Deus, in 'Campo de Flores' 

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 18.04.19
Perguntado pelo Senhor Coronel Miranda Lima sobre como combater a economia paralela (comentário ao meu texto «A POBREZA E A JUSTIÇA» publicado em 15ABR19), respondi que faria texto específico em vez de apenas me ficar por comentário-resposta no blog. A isso venho, pois.
Economia paralela é a que, legalmente não isenta de tributação, na realidade não se encontra tributada. Por fuga ao Fisco, está visto.
Vai desde o cândido biscate até ao tráfico de estupefacientes e outras brutalidades do género passando pela «bica» sem factura-recibo, do cabeleireiro, do veterinário…
Ou seja, nem toda a economia paralela merece tratamento policial.
É por isso que divido a questão em duas partes que, no meu entendimento, não são miscíveis e que carecem de tratamentos distintos:
a criminosa – que é do foro policial;
a «cândida», que não merece tratamento policial – que essa, sim, podemos tentar combater com medidas de política, nomeadamente no âmbito da fiscalidade.
A. Começo por recordar que houve medidas legislativas que, por exemplo, ilegalizaram a mais antiga profissão do mundo e que, ipso facto, a atiraram num instante para fora da fiscalidade. Foi em 1961 quando houve que enviar para Angola grandes contingentes militares e que o Governo de então terá entendido que essas profissionais eram mais necessárias lá do que cá. Entretanto, apesar de terem passado «só» quase 60 anos, as circunstâncias sanitárias terem passado pelo stress da SIDA e de outras doenças sexualmente transmissíveis, a moralidade real ou fingida dos políticos mantém essa ilegalidade com todos os perigos sanitários inerentes e óbvio prejuízo da Fazenda Pública.
NOTA À PARTE
[A tributação da prostituição não passará certamente pelo controlo dos recibos emitidos a favor do consumidor final com inequívoca identificação fiscal, passará certamente pela presunção de facturação daquelas profissionais com base na experiência dos Chefes das Repartições de Finanças – prática esta, presuntiva, muito experimentada em diversos sectores da actividade económica ao longo da história recente dos nossos sábios publicanos.]
Quantos mais sectores excluídos poderiam ser trazidos de volta à esfera da fiscalidade?
B. carga fiscal - tanto directa quanto indirecta - é um convite à fuga pois tudo o que «passe por fora», é metido ao bolso sem mais problemas. Sobretudo quando o cliente final só pode descontar uma ninharia no respectivo IRS.
Nesta questão, há duas soluções (fora os arranjos e combinações que a imaginação sugira):
ou se reduz a tributação directa do vendedor;
ou se permite que o cliente final possa deduzir no IRS a tributação indirecta suportada (de preferência toda ou, então, muito mais do que actualmente é permitido) nas compras de bens e serviços que faça.
Então, bastaria que se pudesse descontar esse tipo de despesas no IRS para que os recibos passassem a existir, o IVA a ser cobrado e o volume de negócios sectorial declarado a aproximar-se da dimensão real.
Afinal, até parece que é verdade serem os Governos que, com estas proibições, promovem a evasão fiscal e enviam inteiros sectores de actividade para fora da economia oficial. Fazem-no apenas por nabice, claro está, porque nas Escolas aprenderam doutrinas da Fiscalidade que já não existe.
É com base nestas realidades que nasce a tese que diz que se todos pudermos descontar todas as despesas no IRS, as receitas públicas aumentam. E como não poderia deixar de ser, também existe a antítese que afirma que os novos descontos no IRS ultrapassariam o aumento das receitas pelo que o encaixe público seria menor. Sim?
A partir daqui, recorro a um texto que escrevi quando a taxa normal do IVA era 21%.
O actual método de cálculo da matéria colectável – tanto para efeitos de IRS como de IRC – apenas permite o desconto de algumas despesas.
Imaginemos o seguinte cenário:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (30%) = 30
Matéria colectável                = 70
Taxa aplicável                        = 30%
COLECTA                              = 21
Admitamos agora que sobre metade da matéria colectável (35), o Contribuinte, ao não pedir recibo, permite que nessas transacções o lado da oferta se evada fiscalmente. Ou seja, no nosso modelo, a evasão fiscal assume a dimensão de 35 pelo que só 65 se enquadram na economia oficial: os 30 já “agarrados” pela dedutibilidade das despesas no lado da procura mais os 35 do lado da oferta que não passaram à clandestinidade apesar de corresponderem a despesas não dedutíveis.
Nestas circunstâncias, do lado da oferta, o mesmo modelo será como segue:
Matéria tributável no IRC   = 65
Despesas dedutíveis (30%) = 19,5
Matéria colectável             = 45,5
Taxa aplicável                   = 30%
COLECTA                           = 13,65
COLECTA TOTAL (IRS + IRC)         = 34,65
IVA, à taxa de 21% (sobre 65)         = 13,65
IVA s/ 100 do lado da procura a 21% = 21
RECEITA PÚBLICA TOTAL               = 69,3
Imaginemos agora que o Governo fazia aprovar um novo método de cálculo do IRS permitindo o desconto de mais despesas, agora para 50% em vez dos 30% do exemplo anterior. Introduzindo apenas essa variação no modelo do lado da procura, sucederá o que segue:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (50%) = 50
Matéria colectável              = 50
Taxa aplicável                      = 30%
COLECTA                            = 15
Continuemos a admitir que sobre metade das despesas não dedutíveis (25) pela procura, o lado da oferta nessas transacções se evada fiscalmente. Assim sendo, a evasão fiscal assume a dimensão de 25 e ao universo tributável inicial (65), há agora que juntar aqueles que abandonaram a clandestinidade (25) para constituírem um novo universo tributável do lado da oferta já com a dimensão de 90 num total de 100.
Matéria tributável no IRC   = 90
Despesas dedutíveis (30%) = 27
Matéria colectável              = 63
Taxa aplicável                     = 30%
COLECTA                           = 18,9
COLECTA TOTAL (IRS + IRC)         = 33,9
IVA, à taxa de 21% (sobre 90)         = 18,9
IVA s/ 100 do lado da procura a 21% = 21
RECEITA PÚBLICA TOTAL               = 73,8
E assim sucessivamente até à exaustão da economia paralela «cândida» para o que bastará os Governos permitirem que a procura – apenas os singulares para efeitos de simplificação do modelo – deduzam todas as despesas na declaração anual de rendimentos para efeitos de cálculo da matéria colectável.
RESUMO
Descontos no IRS



Colecta
30
50
Δ%
IRS
21
15
-28,6
IRC
13,65
18,9
38,5
IVA
34,65
39,9
15,15
TOTAL
69,3
73,8
25,05
 Neste exemplo apenas permiti que os singulares deduzissem mais despesas aos seus rendimentos declarados e nada fiz quanto aos colectivos. Se procedermos de igual modo quanto a estes, poderemos trazer de volta à economia oficial as tais empresas «maquisardes» (resistentes) que não suportam a actual carga fiscal e o Fisco passaria a obter receitas de fontes em que actualmente não mete o nariz.
Fica assim demonstrado que o acréscimo da dedução à colecta é, por si próprio, um incentivador da receita pública.
CONCLUSÃO: A economia paralela de génese criminosa é do foro policial mas a «cândida» pode e deve ser reduzida por diversas medidas de política, nomeadamente as de índole fiscal.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
 Anónimo  18.04.2019  09:13: Como fazer uma prostituta ou um barbeiro pagarem IR. Parece um tanto absurdo, mas há um método simples: taxa anual por cálculo... e esperar que que não atingem essa meta reclamem!De outro modo, como diz, alguma vez uma prostituta ou um barbeiro vão passar N.Fiscal ao cliente: Gostava de ver.
 Henrique Salles da Fonseca  18.04.2019  17:27:O meu barbeiro passa factura-recibo com o meu nº de Contribuinte, o que me permite descontar o respectivo IVA; a prostituta não me presta serviços, não sei.
 Anónimo  18.04.2019  16:33: Como em tudo, ou quase, nesta vida, a realidade, felizmente, é um pouco mais complicada. E a realidade começa por nos mostrar que há duas "economias paralelas": (i) a de pequenos números (ou "de rua"); (ii) a de grandes números (ou "de gabinete"). A "de rua" não consegue prosperar sem notas de banco (CM/circulação monetária, mais exactamente). A "de gabinete", em tempos, também dependia exclusivamente da CM (as célebres "malas de dinheiro"), mas, recentemente, prefere as transferências bancárias por Bancos na periferia do sistema financeiro internacional. Para acabar com a "economia paralela de rua", basta reduzir, simultaneamente, o volume da CM e o Valor Facial das notas em circulação (notas de € 500, mesmo de € 200, são uma tentação, uma via rápida e uma solução expedita para trabalhar na sombra). Para conter a "economia paralela de gabinete" (conter, não acabar, que nunca acabará porque o prémio é enorme), os Bancos Sistémicamente Importantes a nível Global, sobretudo, as suas subsidiárias e filiais em sistemas bancários periféricos, teriam de ser mais vigilantes, menos complacentes - e teriam de se conformar com resultados bem mais modestos (o que não é fácil de aceitar, convenhamos). No plano fiscal, as "economias paralelas" só são visíveis se os contratos que movimentam dinheiro forem visíveis. Por isso, o IRS é praticamente cego ao dinheiro por elas movimentado, mas há indicadores que as assinalam com bastante precisão: por exemplo, o consumo de Energia Eléctrica, de Gás e de outros combustíveis. É, porém, a tributação indirecta (sobretudo, o IVA, mas também os impostos sobre o património) que, por um lado, melhor capta as "economias paralelas" e, por outro, mais as provoca. Um Governo empenhado em combater eficazmente a "economia paralela de rua" começaria por reduzir a CM (o que é difícil numa Zona Monetária, reconheço, para mais com grandes fluxos turísticos) - incentivando os pagamentos em moeda escritural (através de Cartões de Pagamento, que os cheques caíram em desuso para não mais voltar). Incentivar, significa: incentivar os comerciantes (a oferta, as entidades liquidatárias dos impostos indirectos). E incentivar os comerciantes, talvez atribuindo às receitas obtidas através da utilização de cartões de pagamento um coeficiente ponderador menor que 1 (por exemplo, 0.95) para efeitos de apuramento da matéria colectável em IRS/IRC. O que nem colocaria apreciáveis entraves à Administração Fiscal, que bem poderia limitar-se a trabalhar sobre as listagens que as Entidades Gestoras de Cartões de Pagamento (EGCP) lhe entregassem periodicamente. E aí estaria o Big Brother de armas e bagagens, dirão muitos. Mas se é isto que a Administração Fiscal, entre nós, já faz! É claro que, para uma solução assim ser factível, as EGCP não poderiam sujeitar os comerciantes às comissões por vezes escandalosas que actualmente cobram. Mas tudo dependeria, em última análise, da vontade do Governo e do Banco de Portugal em dotarem a economia de um sistema (ou infra-estrutura) de pagamentos segura e eficiente - e quanto a isto já não estou tão confiante.
 Henrique Salles da Fonseca  18.04.2019  17:29:  OBRIGADO! A reler com muita atenção.

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