A referência à 1ª Guerra, no texto de Raymond Aron que Salles da Fonseca transcreve, como sendo causa da instabilidade na
França – e no mundo, afinal – lembrou-me o papel antibelicista, de movimentação
febril, da personagem Jacques Thibault, herói
na sua evolução de rebeldia contínua, numa família burguesa, junto de um pai
rígido, um irmão – Antoine – humano e
livre de preconceito, numa sociedade de amizade e de paixão, representada pelos
dois irmãos – Daniel e Jenny Fontanin, mas também antagónica, do mundo adulto, que
Mme de Fontanin, a mãe daqueles, de religião protestante expressava. «Les
Thibault»,
um romance-fresco ou “roman fleuve”, de Roger Martin du Gard, que fez as delícias da minha adolescência, embora sobretudo
nos três primeiros volumes da ficção romanesca e o seu Epílogo, os três volumes
de “L’ÉTÉ 1914”, lidos mais distraidamente, a ficção substituída pela narrativa
histórica acerca das movimentações e conceitos de pacifismo que traduziam
certamente os pontos de vista de Martin
du Gard, como do seu contemporâneo Raymond
Aron.
O comentário excelente de Adriano
Lima
esclarece politicamente esse pensamento pessimista sobre a França e da sua
crise, que Salles da Fonseca expõe no seu artigo de chamada de atenção
preocupada. Apesar de tudo, França é França, farol que não morrerá, mau grado os
coletes coloridos e outras alarvidades a que assistimos hoje. Mas a TV5 traz-me
programas de uma elegância e expressividade que julgo que tal pormenor de
realização cultural, jamais permitirá o apagar das luzes que a França nos
transmite. Oxalá E. Macron saiba
segurar o seu barco, mau grado os percalços arruaceiros dos egoísmos gerais a que
as ideias libertárias dos socialismos, existencialismos, hedonismos etc. vão
gerando de anarquia grosseira – em conceito moralista, que, afinal de contas,
bem podemos manifestar, na igualdade democrática concedida por este 25 de Abril,
cada vez mais celebrado com o estridor de uma saudade imperecível, como “aquela triste e leda madrugada” do nosso
Camões. Mas longe vá o agoiro. Amanhã os nossos "coletes" voltam à carga, em
liberdade, reforçados por este "serão" de Abril , no 1º Canal.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 25.04.19
DA PERTURBAÇÃO FRANCESA
Corroborando o que escrevi no último parágrafo
do pequeno texto intitulado “Da Francofonia – a fronteira de Waterloo”, publicado em 21 de Abril de 2019, considero que a Nação
Francesa anda perturbada.
Deixei subentender que haveria de me lançar na
busca das razões – mais profundas ou mais superficiais, não especifiquei –
dessa perturbação.
Não esperava, contudo, ter em Raymond Aron
(cujas «Memórias» continuo a saborear) um auxiliar inesperado na identificação
de uma circunstância que ignorava totalmente. Vem na pág. 62 da edição que
venho lendo [i] e dali respigo o que chamou a
minha atenção:
«Que
outra guerra foi mais prolongada, cruel e estéril do que a de 1914-18? As
paixões que a tinham legitimado, os jovens que tinham vinte anos em 1925 [ii], já não partilhavam delas,
até lhes custava imaginá-las. A maioria de nós vivera esta guerra de longe, sem
sofrer. Os próprios que a tinham feito, ou os órfãos, detestavam-na
sobretudo por não considerarem que as recompensas da vitória justificassem os
sacrifícios. A revolta passava por um antimilitarismo que a filosofia de
Alain [iii]
transfigurava. Este antimilitarismo contribuiu, de qualquer maneira, para a
desmoralização do Exército.
Estes
sentimentos levaram ao comunismo, à vontade revolucionária ou à política de
reconciliação com a Alemanha
(hostilidade à ocupação da bacia do Ruhr, redução das indemnizações, seguidas
no início dos anos 30 da evacuação antecipada da Renânia), ou ainda à recusa do
serviço militar, ora sob a forma de objecção de consciência, ora como a de
Alain (recusa de galões), ora como a do anarquismo.
Faz Aron entretanto uma meditação sobre as
perspectivas do pacifismo do crente, do filósofo e do revolucionário mas creio
mais pragmático meditarmos nós, aqui e agora, se a recusa dessa parte
significativa da Nação Francesa em continuar a suportar sacrifícios não seria,
antes do mais, a antecipação do «TUDO, JÁ!» que o pós-modernismo nos dá
actualmente, no desapego de qualquer ética do dever perante o bem comum ou,
mais remotamente, um revivalismo da ética platónica do prazer.»
E se, mais prosaicamente, apelidarmos essa
atitude de pura irresponsabilidade, de cruel egoísmo, de ruptura de todo o
sentimento nacionalista e de abandono da Pátria à sorte que o acaso lhe traga?
Meditemos…
Mas creio que será sobretudo aos nossos amigos
franceses que competirá meditar mais profundamente do que o faço, eu que estou bem
longe, onde a terra acaba e o mar começa.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - GUERRA & PAZ, 1ª edição,
Fevereiro de 2018
[ii] - Caso do próprio Aron que
nascera em 1905
[iii] - Émile-Auguste Chartier
2 COMENTÁRIOS
Adriano Lima 25.04.2019 12:50: Estou completamente de acordo com a observação
conclusiva do autor apoiando-se no pensamento de Raymond Aron. Fala-se ou
pensa-se no eixo franco-alemão para a liderança superior dos destinos
da União Europeia mas, por outro lado, questiona-se a legitimidade de
semelhante propósito ou de o ter como um desígnio histórico inelutável. E
com razão, porque a liderança da União Europeia deveria basear-se no respeito
estrito aos mecanismos de representação democrática e não depender da
preponderância deste ou daquele dos seus membros, embora a capacidade económica
tenda a ser um factor desvirtuante da linearidade da igualdade democrática.
Mas basta olhar para o perfil dos dois anteriores presidentes franceses – Sarkosy e Hollande – para logo se duvidar da própria capacidade de a França poder ombrear com a Alemanha na gestão política da partilha dual dessa liderança. O actual presidente dá sinais diferentes e é uma confortante promessa de futuro. Mas, por estranho que pareça, logo ele é precisamente o objecto de uma sanha reivindicativa e destruidora que não se verificou com os seus antecessores, que mais razão terão dado para a contestação social. Na verdade, a personalidade humana e política de Macron foi, e é, encarada como uma lufada de ar fresco quando, ao menos, se perspectiva a conveniência de uma paridade entre os dois principais membros da União. Ou existirá uma agenda secreta urdida para tolher o passo a Macron, sabe-se lá por que forças sem rosto que instrumentalizam os distúrbios sociais em França? Ou será apenas uma evidência “dessa atitude de pura irresponsabilidade, de cruel egoísmo, de ruptura de todo o sentimento nacionalista e de abandono da Pátria à sorte que o acaso lhe traga”, como escreve o Dr. Salles da Fonseca? Estou mais inclinado para a segunda explicação. Para tal, socorro-me da história, como o faz Aron. Louva-se Revolução Francesa pelo seu significado histórico e pelos ideais políticos que exportou, mas é impossível não esquecer os excessos e as violências assassinas contra a pessoa humana e as populações e os radicalismos e destemperos entre as várias facções na disputa do poder, pondo em causa os ideais do Iluminismo e a racionalidade dos princípios em que ela se baseou. Depois, não tardou que um poder autocrático encerrasse o capítulo da Revolução para logo a seguir pôr a Europa a ferro e fogo. Tudo em França, nada semelhante aconteceu em outros países europeus. Na verdade, o povo francês é um laboratório sociológico que se tem de visitar e analisar com atenção, porque o futuro colectivo da União Europeia o exige. Contrariamente ao que alguns pensarão, sinto-me mais descansado com os alemães.
Mas basta olhar para o perfil dos dois anteriores presidentes franceses – Sarkosy e Hollande – para logo se duvidar da própria capacidade de a França poder ombrear com a Alemanha na gestão política da partilha dual dessa liderança. O actual presidente dá sinais diferentes e é uma confortante promessa de futuro. Mas, por estranho que pareça, logo ele é precisamente o objecto de uma sanha reivindicativa e destruidora que não se verificou com os seus antecessores, que mais razão terão dado para a contestação social. Na verdade, a personalidade humana e política de Macron foi, e é, encarada como uma lufada de ar fresco quando, ao menos, se perspectiva a conveniência de uma paridade entre os dois principais membros da União. Ou existirá uma agenda secreta urdida para tolher o passo a Macron, sabe-se lá por que forças sem rosto que instrumentalizam os distúrbios sociais em França? Ou será apenas uma evidência “dessa atitude de pura irresponsabilidade, de cruel egoísmo, de ruptura de todo o sentimento nacionalista e de abandono da Pátria à sorte que o acaso lhe traga”, como escreve o Dr. Salles da Fonseca? Estou mais inclinado para a segunda explicação. Para tal, socorro-me da história, como o faz Aron. Louva-se Revolução Francesa pelo seu significado histórico e pelos ideais políticos que exportou, mas é impossível não esquecer os excessos e as violências assassinas contra a pessoa humana e as populações e os radicalismos e destemperos entre as várias facções na disputa do poder, pondo em causa os ideais do Iluminismo e a racionalidade dos princípios em que ela se baseou. Depois, não tardou que um poder autocrático encerrasse o capítulo da Revolução para logo a seguir pôr a Europa a ferro e fogo. Tudo em França, nada semelhante aconteceu em outros países europeus. Na verdade, o povo francês é um laboratório sociológico que se tem de visitar e analisar com atenção, porque o futuro colectivo da União Europeia o exige. Contrariamente ao que alguns pensarão, sinto-me mais descansado com os alemães.
Henrique Salles da Fonseca 25.04.2019 12:58: Primo Henrique, adorei o texto. Só tenho um
comentário, que de resto já mencionei antes: escreve uma história “a sério”,
garanto-te que a compro. Germano Jose Pinto Ribeiro de Salles
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