A Teresa
de Sousa costuma ser pessoa arguta e objectiva, desta vez deixou escapar o
lado sensível da sua personalidade, o que a humanizou, abrindo-se às
confissões. Só acho que as efusões do passado, dados os desgastes e
provavelmente algumas desilusões do presente, deviam fazê-la ponderar um pouco
mais na irrelevância desses passados de “liberdade”, que não deixam de ser uma
pedrada sobre quem se julgou sempre livre, na obediência e no respeito pelas
normas. Mas continuo a admirar TS no seu equilíbrio e competência, e fico
contente por se sentir feliz.
OPINIÃO A culpa é de Eduardo Ferro Rodrigues
O discurso que Ferro Rodrigues proferiu
na sessão solene dos 45 anos do 25 de Abril foi verdadeiro, desassombrado,
livre.
TERESA DE SOUSA PÚBLICO, 28 de
Abril de 2019, 7:30
1. Não
sou dada a nostalgias, mas 45 anos sempre são 45 anos. Passaram num ápice. A
minha geração, moldada pela crise de 69, ela própria uma emanação do Maio de 68, foi
demasiado libertária, demasiado rebelde, demasiado radical em todos os sentidos
da palavra, demasiado individualista, para se deixar ficar imóvel no tempo ou
prisioneira dele. Cada um seguiu o seu caminho. Cada um fez contas consigo
próprio à sua maneira. A única herança particular que ficou desses anos que
precederam o 25 de Abril – a marca única da crise de 69 – foi a ruptura com o
domínio do PCP nas associações de estudantes, abrindo as portas à luta frontal
contra a guerra colonial, que não fazia
parte dos seus objectivos, limitados às reivindicações por melhores cantinas,
por melhores professores e outras coisas razoavelmente modestas e devidamente
compartimentadas das lutas operárias. Essa ruptura radical acabou por
transformar-se, com o tempo e a maturidade, numa convicção democrática e
liberal que, apesar das circunstâncias da vida e dos inúmeros caminhos que cada
um seguiu, nos é ainda hoje bastante comum.
2. Naquele
“dia inicial inteiro e limpo” – nunca estará gasto o verso de Sophia por
mil vezes que seja repetido – a manhã acordou cinzenta. Estava frio em Paris.
Saí cedo da minha “chambre de bonne” de uma zona nobre da cidade, que era onde
havia “chambres de bonne”. O “ménage” começava às 9h no 7.º andar, para
continuar no 5.º. Fui recebida com a mais inesperada das notícias: “Têrêsá, il
y a une revolution au Portugal”. Já não pus o avental. Nas horas seguintes, a
televisão começou a passar as imagens do inacreditável. Não, não digam
“coitada”. Os poucos anos de exílio que passei em Paris foram de felicidade.
Aprendi a viver em liberdade, a caminhar pelas ruas e a discutir nas esplanadas
sem medo de falar alto. A ler o Monde à luz do dia. A percorrer as
livrarias de olhar insaciável. Não é sequer preciso ter dinheiro para se ser
feliz em Paris. Experimentem pedir “un grand-crème, tartine beurrée” numa
esplanada ao pequeno-almoço. Ou, num dia de festa, que o dinheiro era curto,
“un croque-monsieur, verre rouge” ao jantar. E, sobretudo, imaginem tudo isto
quando se tem vinte anos. Foi nessa manhã cinzenta de Paris que essa outra
alegria me chegou. Houve festa em casa dos Gourniki (5.º andar), sempre
solidários com quem lutava contra a ditadura em
Portugal. Discutiu-se intensamente o golpe militar e o
regresso. Alguns de nós partiram no dia 27 de Abril numa velha carrinha
“pão-de-forma”, ainda um tanto ou quanto apreensivos. O meu passaporte caducara
e, por circunstâncias várias, ainda não tinha recebido o passaporte de
refugiado – aquele peculiar passaporte onde se destacava a palavra “apátrida”
na nacionalidade. Fiquei, mas tive sorte. O meu pai estava em Bruxelas numa
reunião. Passou por Paris. Trouxe-me com ele, creio que no primeiro ou num dos
primeiros aviões que aterraram na Portela, quando o aeroporto reabriu. Havia soldados
sorridentes e desalinhados na pista, fazendo o V da Vitória. Ainda se
atravessava a pista a pé. Ninguém me pediu o passaporte. Houve lágrimas de
felicidade. A minha primeira incumbência foi levar ao Sindicato dos Químicos
(que tínhamos mantido firmemente fora da alçada do PCP) o “ozalide” com o
panfleto que queríamos distribuir no 1.º de Maio. Era o dia 28 de Abril de
1974, o meu dia inicial inteiro e limpo. Mário Soares chegava a Santa
Apolónia. Pedi à minha mãe que me levasse a ver o mar. Tinha todo o tempo do
mundo. Na mais extraordinária manifestação de que há memória em Lisboa,
enquanto Álvaro Cunhal discursava, nós distribuímos o nosso panfleto: “Catarina
é do Povo. Não é de Moscovo”. Não houve incidentes. Escutei pela primeira vez
em Portugal as palavras poderosas de Mário Soares. Já tinha ido ouvi-lo (para
ser franca, contestá-lo) aos seus comícios na Mutualité. Transformou-se
rapidamente na minha referência política. Ensinou-me que há uma linha de
demarcação intransponível entra a democracia e o resto, definida pela palavra
liberdade. Também lhe devo isso, para além de tudo o resto que o país lhe deve.
3. Porquê
este regresso a um passado que não interessa a ninguém? A culpa é de Eduardo Ferro Rodrigues e
do discurso que proferiu na sessão solene dos 45 anos do 25 de
Abril. Verdadeiro, desassombrado, livre. É verdade que a nossa amizade se construiu na crise de 69 em
“Económicas”. É verdade que acompanhei aquilo que fez, para lá da política,
como investigador do GEBEI (Gabinete de Estudos de Economia Industrial) e dos
livros que publicou com dois outros notáveis dirigentes da mesma crise
académica na mesma faculdade: José Manuel Félix Ribeiro (são incontornáveis os
seus estudos de prospectiva no Gabinete de Estudos e de Planeamento) e Lino
Fernandes (que dirigiu a Agência de Inovação nos anos em que outro dirigente da
crise de 69, Mariano Gago, revolucionava o ensino superior e a investigação
científica em Portugal). Aprendi com eles a compreender a economia portuguesa
no seu contexto global e os caminhos possíveis da sua internacionalização e
especialização. Como é verdade que é da sua responsabilidade uma das mais
profundas “reformas estruturais” – sempre tão reclamadas por alguns mas que se
foram fazendo – que foi a publicação do Livro Branco para a reforma da
Segurança Social, quando era ministro de Guterres, elogiada à direita e
orientada pelas ideias mais reformistas que então se debatiam na Europa sobre o
seu modelo social. A sua vida foi sempre a mesma: modesta, de acordo
com o salário de um político que, seja qual for o cargo, é inevitavelmente
pequeno. Tudo isto eu sabia e sei. O desassombro do seu discurso, a maneira
directa e simples com que abordou os dilemas mais fundos e mais essenciais da
crise das democracias liberais, incluindo a nossa, dispensando as banalidades
de ocasião, olhando sem benevolência para o presente, denunciando sem
entrelinhas o que está mal, provocaram-me uma estranha sensação de orgulho.
Trouxeram-me à memória os anos em que, muito jovens, moldámos a nossa maneira
de ser e de viver. Rebeldes e profundamente livres. Modestos nos nossos hábitos
de vida, mas não nos prazeres da vida. Aprendendo que ninguém é dono de nenhuma
verdade, nem demasiado fiéis a qualquer disciplina (ou apenas fiéis o
necessário). Numa palavra, o que Ferro Rodrigues conseguiu foi lembrar a cada
um – políticos, jornalistas, sindicalistas, académicos – as suas
responsabilidades, num tempo em que essas responsabilidades são ainda maiores.
4. Já assisti a sessões solenes do 25 de Abril bem mais
interessantes. O Presidente fez uma boa intervenção lembrando que os jovens de
hoje não querem o mesmo que os jovens dessa altura. O PS cumpriu os mínimos. É
o partido fundador da democracia e, por isso, não tem de se justificar perante
ninguém. O PCP bem pode ter jovens deputados nas bancadas que muito
dificilmente consegue sair do seu quadrado. Teima em que o 25 de Abril é dele e
que está quase todo ainda por fazer. Abriu uma porta com a “geringonça” porque
luta pela sobrevivência: mais de 40 anos depois, tinha de mostrar ao seu
eleitorado que tem alguma capacidade para influenciar o governo, sob pena de se
tornar inútil. O Bloco, num difícil exercício de equilíbrio entre um passado
demasiado radical e a ilusão do futuro com que sonha (mudar o PS por dentro),
resolveu falar do PREC e das ocupações das casas e das minorias oprimidas, numa
intervenção anódina. Confesso que me fica sempre uma perplexidade dos discursos
do PSD e do CDS: não são capazes de distinguir o 25 de Abril do 25 de Novembro,
como se tivesse sido sua a responsabilidade de liderar o confronto final entre
os dois caminhos possíveis para revolução: o regresso a uma ditadura ou a
consagração da democracia liberal. Limitaram-se a seguir os principais actores
dessa ruptura fundamental: o Grupo dos Nove entre os militares e Mário Soares
nas ruas e nas praças, confrontando o PCP onde ele se achava invencível mas não
era. O PSD lançou-se num furioso discurso de campanha, recuperando o Diabo que
estaria de novo à nossa espera ao virar da esquina, com a ameaça de nova intervenção
externa. Há tanta coisa por fazer neste país que, francamente, é falta de
imaginação.
Dito isto, o mundo não está perdido. Por
alguma razão, foi a intervenção de Ferro Rodrigues que acabou por dominar as
notícias.
Rui Ribeiro, Bruxelas : Tenho um enorme respeito por Teresa de Sousa,
concordando na maior parte das vezes com a sua opinião. Seguramente a opinião
resulta do conhecimento pessoal de Ferro Rodrigues, e isso é inteiramente
respeitável. O comportamento público do dito, no entanto, é o que me leva a não
concordar com a dita opinião. Discursos são interessantes, alguns até
importantes, mas aquilo que fazemos regularmente é que determina a importância
daquilo que dizemos. Infelizmente para o próprio, o comportamento ao longo de
todos estes anos é ligeiramente contraditório com os discursos. De Ferro
Rodrigues habituei-me a esperar pouco e não espero que isso mude.
ana cristina, Lisboa et Orbi: o eduardo pode
ser uma excelente pessoa. não o conheço. o ferro rodrigues, para mim, é o
politico do "estou-me cagando para a justiça", é um dos rostos da
incapacidade (activa e teimosa) do PS para ser um partido de mãos limpas.
AndradeQB, Porto: Esta avaliação das comemorações do 25Abril reflecte uma
tendência que se vem a verificar no posicionamento politico. Uma tendência que
aqui ao lado já é a realidade. O alinhamento ideológico à volta de instintos
e memórias. Vão-se buscar ao armário da memória realidades e medos antigos, uns
do fascismo, outros do comunismo, e dirigimo-nos para o nosso lado da barricada
de forma acrítica. Teresa de Sousa, noutra altura qualquer, não assinaria esta
sua visão do último meio século separando-o entre os pais da democracia (Ferro
Rodrigues (novidade) e Mário Soares, e os oportunistas. Paremos para pensar.
Alguém se acredita que, com militares de abril ou sem, com Mário Soares ou sem,
estaríamos hoje ainda em ditadura? Não, seguramente.
António Suarez, Porto : Goste-se
mais ou menos. É uma das pessoas que mais sabe e melhor escreve sobre política
em Portugal. Ponto.
nelsonfari, Portela-Loures 11:51: Então o Eduardo ganha pouco? Está do lado
direito da mediana e se calhar quase no extremo direito dos valores de salários
pagos em Portugal, onde o salário médio é de 890 brutos/mês(INE).O Eduardo é um
homem do aparelho do PS.E o PS tem contas a pagar pelo mau papel que tem
desempenhado. Muita precariedade ,baixos salários, um ambicioso Centeno que não
investe mais na saúde, ensino e habitação para fazer boa figura no Eurogrupo. Depois,
a cronista despeja em cima do PCP. Pois é, enquanto a D.Teresa andava em Paris (que
efeito teve a sua acção? Hum, estava a gozar a liberdade...) os do PCP andavam
por Peniche, Tarrafal, etc. Isto, claro, nada tem a ver com o PCP de hoje. Depois
de 1968 passou-se muita coisa e 51 anos .E não se esquece o elogio a
Constâncio...O Quelhas em força...A clique furada.
Um conjunto de pessoas, uma clique. Têm vivido uns com os
outros. Ferro Rodrigues, assistente no então ISCEF, dá aulas a Centeno (e
também a outro bem colocado, Sérgio Figueiredo da TVI, director de informação,
o que dá sempre jeito). Uma rede apertada de pessoas que têm repartido entre si
os lugares e as benesses. E não venha dizer que o Eduardo tem uma vida
modesta...Este conjunto de pessoas tem abocanhado o país e os escândalos e as
vergonhas sucedem-se de forma vertiginosa. A estes senhores deve aplicar-se o
"no mercy". Aguentem, como disse o do BPI, Ulrich. Só o BES limpou 14% do PIB. E são
quatro professores do actual ISEG que o dizem, Consulte, D.Teresa, a SaeR sobre
o assunto.
Andre felman cunha rego,: Sou leitor e admirador de Teresa de
Sousa, sem dúvida uma das melhores jornalistas de Portugal. Os seus textos,
além de bem escritos, são para mim uma ajuda importante para o meu entendimento
da politica nacional e internacional. Este no entanto é particularmente fraco.
Não conseguiu desassociar a sua amizade por Ferro Rodrigues daquilo que Ferro
Rodrigues realmente representa hoje em Portugal. Limitou se a analisar o seu
discurso do 25 de Abril em abstracto e não à luz de tudo o que Ferro Rodrigues
tem dito e feito ao longo dos últimos anos. Ao contrário do que é habitual,
este texto não está à altura da jornalista Teresa de Sousa.
Rui Ribeiro, Bruxelas > Tenho um enorme respeito por Teresa de
Sousa, concordando na maior parte das vezes com a sua opinião. Seguramente a
opinião resulta do conhecimento pessoal de Ferro Rodrigues, e isso é
inteiramente respeitável. O comportamento público do dito, no entanto, é o que
me leva a não concordar com a dita opinião. Discursos são interessantes, alguns
até importantes, mas aquilo que fazemos regularmente é que determina a
importância daquilo que dizemos. Infelizmente para o próprio, o comportamento
ao longo de todos estes anos é ligeiramente contraditório com os discursos. De
Ferro Rodrigues habituei-me a esperar pouco e não espero que isso mude.
Francis Delannoy: O discurso que Ferro Rodrigues proferiu na sessão
solene dos 45 anos do 25 de Abril foi verdadeiro, desassombrado, livre. 1. Não
sou dada a nostalgias, mas 45 anos sempre são 45 anos. Passaram num ápice. A
minha geração, moldada pela crise de 69, ela própria uma emanação do Maio de
68, foi demasiado libertária, demasiado rebelde, demasiado radical em todos os
sentidos da palavra, demasiado individualista, um dos arquitectos da sociedade
pobre podre e feia que temos, coitado arrependido do seu trabalho e das suas
obras... então que partilha com pobres ou jovens uma boa parte do seu bom salário
e da sua futura grandiosa reforma...se for assim tão arrependido.. é só é sol
radioso de hipocrisia..rodeado de uma sombra total de fingimento..
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