Maria João Avillez, uma cronista
que merece aplausos mas igualmente birras de troça, porque se atreve a revelar
elegância na descrição dos ambientes requintados que percorre, o que a torna
convencionalmente snobe, na sua realidade favorecida por ascendência e educação
julgo que ilustres, mas que as fêmeas e os machos cá do burgo, atacantes fervorosos
das realidades nacionais de privações e injustiças sociais – o que, lhes serve
para atacar com igual fervor os promotores delas, das privações – mas também, ó céus!- sendo defensores
das liberdades de expressão, e das liberdades sexuais e tantas mais, entre as
quais os direitos das mulheres sem exclusão - todavia não admitem a tal elegância expressiva
quando é veiculada por uma “fêmea” que não pertença ao rol das vítimas que elas
e eles defendem, logo se apressando, paradoxalmente, a condená-la - como fez a
comentadora Ana Ferreira, na sua
ironia mesquinha que vários comentadores
se apressaram em denegrir, mas cujos comentários omiti, excepto o primeiro. A
maioria dos comentadores, todavia, revelaram admiração e estima, por essa mulher ousada,
que usa a expressão acalorada e irónica, contra esses a quem em vão se apontam
os erros com que governam. Não são banais os seus textos. São sábios, corajosos
e moldados por uma sensibilidade que a cada passo se traduz em um discurso
claro, mesmo que de expressão elegantemente sintética e ocasionalmente
rendilhada, a condizer com a sua própria figura. Não, não podemos depreciar uma
lutadora inteligente e corajosa, na sua liberdade de expressão, sem
subterfúgios hipócritas.
Amêndoas da Páscoa /premium
OBSERVADOR, 17/4/2019
Daqui a uns dias Notre Dame terá algumas
linhas nos jornais e, quando muito, falar-se-á nos milhões doados pelos
“ricos”, não no valor do ex-libris da civilização que nos foi berço e nos é
raiz e matriz
1. O
Presidente legisla. Uma estreia absoluta. Não podia e não devia mas ele não
se importa. Sempre fiel aos seus (devastadores?) impulsos – isto é, a ele
próprio — não se importa nada, mesmo sendo caso nunca visto de confusão de
poderes constitucionais. Ei-lo agora a travestir-se num improvável Presidente-Legislador.
Mas eu percebo: porque haveria de se importar se colaborou ao mais alto
nível para fazer do país uma plateia apatetada de selfizados e, como tal, pouco
apta organicamente para reagir ou se indignar? Já espanta mais que quem, acima
da plateia, age ou intervém com responsabilidade na vida do país também não se
importe. Ou nem sequer sinalize algum embaraço.
2. António
Costa, numa exaltação que inquieta qualquer ser normalmente constituído,
insiste em contar-nos que o PSD se activa num “assalto ao poder”. Deve haver
gente que se engasgou a rir. Para quem assaltou o poder no seu próprio partido,
arredando, com um mau pretexto, um líder eleito e em funções, depois perdeu as
eleições governando hoje graças a terceiros, a frase intriga. Vai ser
interessante aliás ver quanto medirá o “poucochinho” de António Costa e do seu
desgraçado candidato europeu. (Não hei-de desistir até que alguém me
traduza para “político” uma escolha eleitoral sem fundamentação nem defesa
possíveis)
3. É
por estas e por outras que me surpreende continuar a ouvir, a toda a hora e
desde há muito, uma monótona ladainha, entoada também pela direita e centro
direita, sobre a certeza do PS ir ganhar as próximas eleições. Todas as
eleições. É obra, a
ladainha. Mas saberão os que a rezam, que a ouvimos com alguma vergonha e sem
lhe encontrar fundamentação nem verosimilhança? Além,
claro está, de que a sua permanente recitação exibe o maior baixar de braços e
a mais confrangedora rendição de que há memória recente na vida política
nacional. O país esta em polvorosa social, esburacado de greves e
reivindicações? Está. Somos os últimos dos últimos a crescer na Europa a que
tão galhardamente pertencemos? Somos. O ministro das Finanças é um malabarista
com uma voz em Bruxelas e um rosto em Portugal? É. O emprego criado que tanto
inebria o governo é sustentável, garante futuro aos jovens e irá alavancar o
desenvolvimento do país? Irá, sorriem eles que tanto sorriem, não irá, sabemos
nós. A Educação está nas ruas da amargura tomada de assalto por estranhos
propósitos e descabidos currículos? Está. A autoridade do professor — ou
melhor, a autoridade “tout court” — foi trocada pela pancada que professores e
professoras apanham sem que se ouça uma só voz dos do costume? Foi. Há uma
censura velada e vigilantemente activa, continuamente disparada sobre quem ousa
discordar do pensamento vigente? Há. Os de fora do perímetro da geringonça não
têm direito de cidade? Não. Estorvam. Nunca houve tanta gente da mesma família
a viver do PS, do Governo e do Estado como agora? Nunca.
Custa a crer que a conjugação destes
maus sinais — nenhum inventado – leve alguém num andor como se apregoa. À
esquerda e à direita.
4. E
de súbito lembrei-me mas sem me lembrar: quando teria sido? Anos oitenta,
talvez, ou seria ainda final de setenta? As imagens eram fugidias e esparsas,
eu a entrar numa espécie de cacilheiro em Estocolmo que, deslizando com
aquática doçura, me pôs a caminho de uma entrevista muito desejada e depois
(quanto tempo depois, que não recordo?) me deixaria numa casa sobre um lago,
onde havia um jardim e uma senhora loura. Bibi Andersson era um raio de sol
— igualmente capaz da cinza e da sombra – que inspirava Bergman que muito a
amou e incansavelmente, apaixonadamente, luminosamente a enquadrou com a sua
câmara de filmar em dezenas de filmes que nunca esqueceremos.
“Sou
finalmente livre e já ninguém me mete ideias na cabeças” disse-me ela na sua serena morada e foi das poucas
coisas de que me lembrei hoje por ter sido uma frase intrigante – intrigara-me
tanto que a escolhi para título do nosso diálogo.
Era
uma belíssima tarde de verão, ela bebia um campari, acabara de cortar um
pepino, tinha um olhar azul sombrio e estava muito cansada — “levei o dia em
ensaios”. Sou incapaz de me lembrar porque razão o Expresso me enviou a
Estocolmo, talvez tenha sido aquando de uma visita à Suécia onde fui a convite
do seu governo sueco, talvez não. Irei ver. A memória fragmentada e imprecisa
que guardo deste encontro com uma mulher que tudo sublimava no écran, merece
que eu mergulhe em gavetas e arquivos até que essa memória se torne
definitivamente lisa e límpida como o lago onde conversei uma tarde com Bibi
Andersson.
5. Há
dias perguntaram a um grande homem de teatro espanhol o que o
inquietava mais no mundo de hoje. A “imediatez”, disse ele. Tem razão: tudo pousa instantaneamente nos nossos
radares mediáticos para imediatamente se sumir deles, e logo poder arrancar
novo episódio, seja do que for. O critério, as prioridades, as proporções, a
própria racionalidade editorial, caíram em tal desuso que “o que for” pode ser
tudo, e o roubo de uma galinha pode até assumir as porporções de um acidente
com mortos e feridos. Mas, já repararam, nunca se fica a saber o
“resto”. Esse “e depois? Que aconteceu?”. A vertigem do desbobinar da
informação e o seu excesso privam-nos desse resto, vetando-nos qualquer mera
curiosidade sobre ele. Virginia Woolf — estou sempre a citá-la – dizia que
“nada acontece até ser contado”. A imediatez dá-nos ribombantemente o
início e o “meio” de alguma coisa. O fim, nunca ou quase nunca. Daqui a uns
dias a Catedral de Notre Dame terá algumas linhas nos jornais e quando muito
falar-se-á mais nos milhões doados pelos “ricos” do que no valor simbólico de
um dos maiores ex-libris da civilização que nos foi berço e nos é raiz e
matriz.
E
de Jean Marc Fournier, padre francês e capelão dos Bombeiros de Paris que
decidiu solitariamente salvar das chamas duas da mais expressivas relíquias que
sabia existirem na Catedral, ainda porventura menos se falará. Mas devia.
Quanto mais não seja porque, como qualquer pessoa decente, ele justamente pediu
que não lhe chamassem “herói”, fizera o que tinha de ser feito, independentemente
das circunstâncias.
Do
que não duvido é que o seu gesto ficará inscrito nesta Semana Maior da litúrgia
cristã, que culminará no próximo domingo. Domingo da Páscoa que celebra a
ressureição de Cristo.
Boas
festas!
COMENTÁRIOS:
Maria Emília Ranhada Santos: Quem está no comando do mundo é algum governo secreto
em algum lado que ninguém sabe aonde! Catedrais
e símbolos da fé cristã, não interessam a esse governo ou governantes e por
isso tem de se arranjar maneira de os eliminar. Há muito pouco tempo, arderam
12 Igrejas católicas, e nada se fez, nem sequer para apurar como foi! Eles decidirão quem deve morrer e quem deve
ficar, desde que os bolsos deles fiquem bem repletos.
O mal todo, para nós, é a media estar totalmente ao serviço desses
grupos de poder. Nós só sabemos o que eles querem que saibamos.
Carlos Pinto: A MJA CONTINUA A SER A MESMA PESSOA INTELECTUALMENTE SÉRIA E,COISA
RARA,OPORTUNA E SEM MEDO. CONTINUO A ACHAR TER SIDO UMA PERDA O SEU ANUNCIADO AFASTAMENTO. TENHO SAUDADES SUAS BEM COMO DO
VITOR GASPAR QUE TENDO RAZAO FAVORECEU DE FORMA PRECIPITADA O SÚBITO
APARECIMENTO DO PRÓXIMO DESASTRE.
Joao Rodrigues:
Deus abençoe a
MJA
Paulo António: Que pena não haver uma Notre Dame em cada país que "produz"
refugiados da fome, da violência, e da guerra....
ALBERICO LOPES: Boa Páscoa, também para si,
Maria João! É sempre um gosto ler os seus artigos!
Ana
Ferreira: Uma pena a ilustre não se ficar pelas estilosas prosinhas pseudo culturais
nascidas, essencialmente, da rara possibilidade de viajar tanto "lá
fora" como o comum dos portugueses ir tomar um cafezinho à esquina mais
próxima. É que depois, quando começa a elaborar sobre a vida real, que
desconhece, borra a pintura toda. Faça o favor de, entre viagens, se ficar pela
sua bela torre de marfim.
Manuel Magalhães: Primeira parte (a da política) excelente, a segunda parte bonita, mas penso
que deveriam ser duas crónicas distintas a fim de não perdermos nada nem de uma
nem de outra. Sorry... e Boa Páscoa!
Madalena Magalhães Colaço: Marcelo julga-se um Charles de Gaulle. O rassemblement
du peuple, foi o grande objectivo de De Gaulle. Eleito pelo povo e não pelos
partidos instaura uma V República com plenos poderes. Sente-se o responsável
pelo bem-estar de todos os franceses mas ao contrário de Marcelo tem um
projecto para a França. Aposta em determinados sectores económicos, como a
aeronáutica, onde quer pôr a França em 1º lugar. Quando retorna ao poder em
Maio de 1958 o conflito argelino e as sucessivas crises políticas tinham
colocado o país quase na falência. Leva a cabo reformas para reabilitar o
franco, cria um superavit de 4% em 1964 e reduz a dívida que era de 32% do PIB
em 1958 para 16% em 1968. Sabia que tinha que reabilitar a credibilidade do
país para melhorar a vida de todos os franceses e sobretudo punha a França
acima dele próprio. Marcelo eleito sem o apoio dos partidos julga-se
igual ao general e apela ao rassemblement ou seja quer eliminar a crispação do
povo. A grande diferença é que Marcelo está mais preocupado com a sua
popularidade do que com o bem estar dos portugueses, não é com beijos e selfies
que Portugal melhora. A culpa também é dos jornalistas e comentadores que nos
dizem: Se Costa não tiver maioria é melhor para Marcelo. Mas afinal é o país ou
Marcelo que mais interessa?
José Paulo C Castro > Madalena Magalhães Colaço: Os regimes parecem acabar
quando há um Marcelo no poder... Por
isso, a comparação com de Gaulle só por oposição.
José
Montargil: "Fortement marquées (os
franceses) par le pontificat de Jean-Paul II et celui de
Benoît XVI, les forces vives du catholicisme d’aujourd’hui ont pour
particularité d’ancrer leur vision de l’homme et de la société dans une
exigence spirituelle qui les ramène aux fondements de la foi chrétienne. Le
phénomène est particulièrement sensible chez les jeunes: ceux-ci ont beau être
ultra minoritaires dans leur génération, ils font preuve d’un tel dynamisme
qu’il est permis d’affirmer que la France catholique, héritière de deux mille
ans d’Histoire, a de beaux jours devant elle.".
Maria Nunes: Excelente. Boa Páscoa Maria João Avillez.
Antonio Maria Lamas: Boas Festas também para si e para todos os seus
leitores. Pena é que as amêndoas este ano ainda são mais
amargas, sobretudo pela incerteza nos tempos vindouros.
Mosava Ickx: Os pontos 1,2 e 3 são peças de antologia, a guardar! Excelente!
Carlos Guerreiro: O António
“poucochinho” Costa escolheu o Pedro “anuncia muito e faz pouco” Marques por
este ser o que é. A “habilidade” do Costa é rodear-se de amigos, familiares dos
amigos, e de colegas do partido do tipo mais sabujo que exista. O Marques
foi sabujo com o Sócrates (era um fornecedor da agência de feiquenius do
Sócrates, o blog do Peixoto) e continuou a ser sabujo com o Costa. Foi um mau
ministro? Foi péssimo, mas cumpriu escrupulosamente o que o Costa pedia. A
“habilidade” do Costa leva também a que tenha sempre no governo um bobo para
animar o povo. Foi o Azeredo da Defesa, o tal do “roubo que até podia não
ter existido mas que afinal aconteceu e até devolveram mais material do que o
roubado”. Agora temos o Cabrita, que ia multar o SIRESP, até falava em valores,
quando afinal não existia qualquer fundamentação legal para o que dizia. A
“habilidade” do Costa não seria suficiente para escolher uma destas duas
anedotas para candidato ao PE…
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