Chegou por email o discurso do nosso PR,
enviado por Salles da Fonseca, sem qualquer comentário seu, apenas sublinhados
os passos que apreciou. O seu comentador concorda com os sublinhados, que são
objectivos gerais, e com o discurso em si, de elogio aos ideais de Abril, sem
qualquer intenção condenatória, que não se punha ali, nem certamente estaria
nos seus propósitos encomiásticos, mesmo que pudéssemos vislumbrar qualquer
emudecimento hipócrita que o politicamente correcto não permitiria ultrapassar.
Só não concordo, no comentário de Adriano Lima, com a sua crítica ao discurso de
Cavaco Silva, antecessor de Marcelo
R.S., quando, como P.R., teve que prestar igual homenagem, referindo-se
desbragadamente às pescas e à agricultura tão necessárias à nossa economia. Mas fora o discurso de um homem preocupado, que via o seu país a escoar-se em palavreado
e más políticas. Uma lição, apenas. Esta de Marcelo também foi uma bonita
lição, mas não nos satisfaz, evidentemente, no bla bla bla habitual de quem se
esquiva a pegar o touro pelos cornos. E o touro é poderoso, em paleio, em
desleixo, em solidão, em indiferença e desvergonha. É esse o touro. Bem sintetizado
nos falsos discursos e cantares do cómico brasileiro “Agildo” que o “Canal
Memória” vem reproduzindo, ultimamente, à tarde.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 27.04.19
Discurso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa em 25 de Abril de 2019
Passaram
já 45 anos. 45 anos volvidos, que o rito se repita, que seja mais do que um
rito. Que seja memória, que seja gratidão, que seja esperança, que
testemunhemos aos resistentes de décadas, que testemunhemos aos jovens
militares de então o nosso indelével reconhecimento. Aos que partiram, aos que
permanecem entre nós, aos que nunca esquecerão o que fizeram, aos que, além
disso, continuam a sonhar com um futuro melhor para Portugal.
Dir-se-ia
que foi ontem, mas passaram já 45 anos. E há 45 anos quais eram as
expectativas, os anseios, os desafios, as causas dos jovens de Portugal? Desse
Portugal também jovem, apesar do milhão que havia votado com os seus pés,
emigrando, recusando a vida sem liberdade, sem mais desenvolvimento, sem maior
justiça social. Lembramos bem o que nos unia, a nós jovens,
dos mais opostos pensamentos na alvorada da mudança. Unia-nos democracia
em vez de ditadura. Liberdade em vez de repressão. Desenvolvimento
integral e justiça social mais partilhada em vez de desigualdade económica,
descriminação social, taxas confrangedoras de mortalidade infantil, de
escolaridade e de infraestruturas básicas. Paz em África em vez de
empenhamento militar sem solução política. Isto nos unia.
Muito
do mais nos dividia. Os contornos concretos do regime político, o sistema de
governo, a visão sobre a Europa e do Mundo, o papel do Estado, pessoas e
organizações, o caminho, o fim, o ritmo da Revolução, o alcance da Constituição
e como ela se devia conjugar com a Revolução, prolongando-a, moderando-a ou
conformando-a. E como sempre acontece com as revoluções, cada qual cadinho de
muitas, muito diversas, uns veriam os seus desígnios triunfar no instante
inicial. Alguns, em vários trechos do percurso. Outros, na primeira versão da
lei fundamental, outros ainda no somatório das revisões que a foram moldando a
novos tempos e a novos modos. Em rigor, dos jovens
de 74 nenhum pode dizer ter visto vencer tudo o que queria para o seu e nosso
futuro.
Mas
olhando ao caminho trilhado, justo é convir que todos acabaram
por ver muito do essencial do seu denominador comum atingido. Portugal passou de ditadura para democracia,
alargou-se a novos universos, tempos e modos. Superou indicadores de educação,
de saúde, de habitação, de infraestruturas básicas, de Segurança Social, que condenavam à insuficiente produção educativa, à elevada
mortalidade à nascença, a condições de vida e de protecção sem horizonte.
Construiu
tudo isto com uma descolonização tardia em plena Revolução e que, por isso
mesmo, desenraizaria tantos regressados e deixaria no terreno tantos anos de
combates armados. Mas sabendo preparar a formação da Comunidade
de Países de Língua Portuguesa e, pelo meio, começando a
viver o repto da integração europeia. Ninguém ousará dizer que nessas décadas
os jovens de 74 e com eles os mais antigos e os mais recentes não viveram uma
aventura agitada, exigente, não linear, cheia de altos e baixos.
A
Revolução dois anos. O arranque da democracia, primeiro com o Movimento da
Forças Armadas mais seis anos. Depois, de base exclusivamente eleitoral a
partir de 1982. A adesão às comunidades europeias, processo de oito anos, o
lançamento da CPLP, mais onze anos. No entretanto, a aproximação do regime
económico aos europeus durante quase 20 anos, dos quais inúmeros após a própria
adesão.
Para
muitas portuguesas e portugueses a descoberta da própria liberdade chegaria com
a da democracia e uma e outra com a conversão de um império colonial de cinco
séculos em membro de comunidades que, não sendo inéditas nas raízes, o eram nos
seus contornos políticos, económicos e sociais. Claro que, no essencial, continuamos a ser o que sempre fomos. E bem, por corresponder à nossa vocação cimeira: plataforma
entre culturas, civilizações, oceanos e continentes.
Claro que por vezes assumimos essa viragem histórica singular que é encerrar um
ciclo de cinco séculos como se de uma suave, natural e pacífica transição sem
dor se tratasse. Nós, somos inexcedíveis nesse fazer de conta de que mesmo o
mais difícil é fácil. E o mais profundamente diverso não passa de um subtil
acidente de percurso.
Hoje,
45 anos depois, manda
a verdade, porém que digamos, nós os jovens de 74, que continuamos a preferir a
democracia, mesmo a mais imperfeita, à ditadura, mesmo a mais insensata. Que
preferimos o reformismo, mesmo o mais arrojado, à ruptura demagógica feita de
basismos ilusórios, de messianismos de messias impossíveis, de sebastianismos
de passados que não voltam.
Que
queremos mais, muito mais, da nossa democracia social e cultural. Melhor, muito
melhor da nossa democracia política e económica, mas não estamos
dispostos a esquecer o que fizemos para ultrapassar barreiras, exclusões e discriminações
de há quase meio século. Esperamos mais, muito mais da
Europa e da comunidade dos países falantes em português, mas não cedemos a tentações ou marginalizações serôdias,
nem a xenofobias, nem a traumas pós-coloniais, seja quais forem os pretextos ou
as seduções do momento.
Não
vemos estes 45 anos como obra perfeita, completa, acabada, que nos deixe
deslumbrados, auto-contemplativos, realizados, longe disso. Desejamos muito
mais e muito melhor. Mas reconhecemos que valeu a pena o passo fundador. Valeu
a pena o 25 de abril. Valeu a pena que mesmo aquilo ao longo das décadas custou
a tantos de destinos sacrificados ou de metas ainda não realizadas. Valeu a
pena. Quem o diz é um dos milhares de jovens desse início dos anos 70, então
conhecedor das vicissitudes do estertor da ditadura, agora Presidente da
República em democracia pelo voto dos portugueses.
E hoje? O que pensam? O que sentem? O
que querem os jovens de 2019? Porque os regimes, em
particular as democracias, não se quedam na visão dos passados, têm de saber
responder aos desafios dos presentes e dos futuros. Para eles, para esses jovens, basta acenar com o existente em
pós-descolonização, desenvolvimento e democracia? Ou os seus sonhos e as suas
necessidades são muitíssimo mais fundos e vastos? Pós-descolonização? Sim. Visão universal? Sim. Querem-na se
significar mundo mais aberto, mais dialogante, mais multilateral, mais
inclusivo, mais contrário a clivagens que separem, que humilhem, que
desumanizem.
Mas
querem-no em actos, em gestos diários, em vivências quotidianas. Cá, lá, por todo o universo. Sabem que os tempos de medos explicam os fechamentos, a recusa do
outro, do diferente, do estranho, mas nasceram e querem realizar-se numa universalização humana e
humanizadora. Da diferença. Não sobre o
proteccionismo da identidade forçada nos muros impostos. E não se
conte com eles para passadas ou futuras clausuras, fronteiras, prisões,
interditos de circular e fazer circular pessoas, ideias e projectos de vida.
Democracia?
Sim. [Os jovens de 2019] não querem voltar a
ditaduras, mas cultivam tantas vezes uma participação diversa, amiúde
inorgânica, sempre mais digital. E queixam-se da dificuldade dos
sistemas tradicionais saberem lidar com essas novas formas de agir, interagir,
intervir, influenciar, aspirar a decidir. Essa sua inquietude torna-se
apelo atractivo para ideias, movimentos, exigências, acelerações, disfunções,
que a democracia nos seus contornos mais clássicos, de outro ritmo e de outra
configuração tem de compreender e de fazer conjugar sob pena de se condenar a
meras formas com cada vez menos conteúdo.
E não se conte com eles para passadas ou futuras
sobrancerias, orgânicas, obsoletas ou ineficazes, clientelismos, adiamentos
crónicos face a problemas sociais.
Desenvolvimento
para mais e maior justiça social? Sim. Mas esses objectivos gerais e
abstractos, valem menos neste final da segunda década do século XXI. Valem
mesmo muito pouco se não forem acompanhados de escolhas, de passos, de marcos
muito concretos e visíveis. E mais rápidos. Na educação, na saúde, na
solidariedade social. E não se conta com eles para passadas ou futuras
indiferenças ou resignações comunitárias. Os jovens de 2019 querem, além de tudo isso, respostas inequívocas
para algumas perguntas urgentes.
Quando e como volta Portugal a querer ser uma sociedade a
rejuvenescer? Pelos que nascem e pelos que
recebe de fora. Digo bem. Pelos que recebe de fora e não a envelhecer a passo
estugado, permitindo finalmente a todos os jovens no seu dinamismo social, os
menos jovens na sua luta contra a guetização, numa esperança colectiva renovada.
Quando e como esbatemos mesmo as desigualdades que ainda persistem, que continuam a minar a nossa coesão entre pessoas grupos e
territórios? Sublinho, territórios. Que atrasam o desenvolvimento, esvaziam as
descentralizações, juntam novos pobres aos velhos pobres.
Quando e como antecipamos o que aí vem nesta era de revolução
digital no emprego e no trabalho
perante mutações científicas e tecnológicas que vão em cinco, dez anos mudar os
sistemas produtivos, dispensar pessoas ou re-arrumá-las nas suas actividades e
perceptivas do amanhã?
Como e quando conseguimos explicar aos menos jovens, e que são muitos numa sociedade a envelhecer, que
há mesmo alterações climáticas, que há mesmo deveres
inter-geracionais, que as purgas pela chamada sustentabilidade do
desenvolvimento não são bizantinices de meia dúzia de iluminados ou agitadores,
uma moda dos mais jovens, uma mera manobra conspirativa vinda de fora para
beneficiar das indecisões ocidentais ou europeias?
A
maioria destas causas não existia, ou não era decisiva para os jovens de 74.
Portugal era ele mesmo jovem. As desigualdades eram, de facto, mais chocantes.
Mas acreditava-se que o crescimento económico, por si só, as iria resolvendo ou
atenuando progressivamente. O digital era uma revolução inexistente. O futuro
do trabalho e a atenção ambiental constituíam preocupações de minorias muito
minoritárias. O desafio dos jovens de 25 de Abril de 74 era muito nacional e
muito concentrado em três objectivos cimeiros: a paz em África e por isso a
descolonização, a Democracia e o Desenvolvimento vistos a prazo mais curto.
O desafio dos jovens de 25 de Abril de 2019 é muito mais global,
muito mais complexo, muito mais exigente na diversidade dos factores de que
depende e do prazo alargado que envolve. Mais ambição na democracia. Mais ambição na demografia na coesão.
Mais ambição na era digital e na antecipação do futuro do emprego e do
trabalho. Mais ambição na luta por um mundo sustentável. Tudo com a economia a
crescer, dependência pelo endividamento a diminuir, sensatez financeira a
salvaguardar, acrescida de justiça no repartir.
Tudo sem excluir ninguém. Nem os menos jovens, como somos hoje os jovens de 74, nem os mais
jovens. Ou seja, os jovens de hoje. Parece um programa impossível? Talvez. Mas
a história faz-se sempre de programas, de ideais, de sonhos impossíveis. E a
história de Portugal é a história de uma pátria que nasceu impossível. Uma
impossibilidade com quase 900 anos. Porque haveriam de ser as gerações de hoje
as primeiras a renunciar, a construir o impossível? Porque haveríamos de ser
nós, precisamente nós, a não acreditar em Portugal? Que para sempre vivam os
caminhos de liberdade, democracia e dignidade das portuguesas e dos portugueses
que Abril desbravou, que para
sempre viva Portugal.
PS: Sublinhado nosso. Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Adriano Lima 27.04.2019 14:50: Ouvi em directo o discurso do PR mas
aqui me foi dada a possibilidade de o ler com vagar e pausa, logo, com mais
atenção. Concordo com os sublinhados do Dr. Salles da Fonseca,
que naturalmente são feitos em função do seu critério sobre os pontos
fundamentais do discurso. Penso que o
discurso é digno de um democrata como é o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. Como não
podia deixar de ser, não aborda questões políticas concretas, nem tal se
enquadraria numa cerimónia desta natureza. O foco deve ser precisamente o
que foi preferido pelo PR, embora o seu antecessor no cargo tenha algumas
vezes entendido de forma diferente. E ultrapassou os limites do exagero ao
falar numa destas celebrações quase exclusivamente de pescas e/ou agricultura,
coisa que quanto a mim brada aos céus. Celebrar o 25 de Abril deve ser
celebrar os valores da democracia que foi restituída à nação, mas é também
incluir uma palavra de incitamento sobre o que podemos ou devemos fazer para
que ela se valorize em ordem à transformação positiva das nossas vidas.
O PR fez ver que os desafios são múltiplos e
imensos e nesse sentido a sua comunicação se dirige enfaticamente à juventude.
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