Mas nada simpático, sobretudo para nós,
portugueses. Porque os ingleses jamais se rebaixariam a um tal confronto.
Talvez gostassem mais dum paralelo com o iôiô de movimento caprichoso, conforme
a perícia do jogador, para mim sempre um malabarista. O que eles são, de facto:
malabaristas, mas, decididamente, muito estranhos e sem escrúpulos. Tenho pena.
Julgava-os mais nobres.
OPINIÃO: A saída à portuguesa de Theresa
May
A decisão só ao Reino Unido compete. O
que é preciso não é adiar. É escolher. Se não querem estar na sala apanhem lá o
elevador e deixem-nos ir fazer coisas mais interessantes.
RUI TAVARES PÚBLICO, 3 de Abril de 2019
O
“Brexit” pode ter muitos defeitos, mas tem neste momento duas grandes
qualidades.
A primeira é estimular a mente na busca de metáforas e analogias que
descrevam aquilo que se está a passar.
Pois bem, a partir de
ontem o “Brexit” pode passar a ser descrito como uma “saída à
portuguesa”. Uma saída à portuguesa é, por sua vez, exactamente o
contrário de uma saída à francesa. Numa saída à francesa os convidados saem da
festa sem avisar ninguém. Numa saída à portuguesa, os convidados passam a vida
a dizer que vão ter de sair mais cedo, que não podem ficar para arrumar os
pratos e as cadeiras, e a certa altura levantam-se e arrastam-nos para aquela
terra-de-ninguém entre a porta do apartamento e elevador do prédio e ali ficam
a despedir-se. E a despedir-se. E a despedir-se.
Mas
depois lembram-se de mais uma coisa. E conversa puxa conversa. Mas é só mais
esta vez. Carregam no botão do elevador. Respiramos de alívio, sem dar grandes
mostras do mesmo, não vá o convidado ofender-se. E mal damos por isso o
elevador desapareceu, chamado por alguém noutro piso, e o convidado continua
ali a despedir-se. Agora chama de novo o elevador e para o não o deixar fugir
abre-lhe a porta e fica a segurá-la à nossa frente. Mas não entra. Ou melhor,
não sai. Continua a despedir-se. E assim será. Até ao fim dos tempos.
Temos
vontade de lhe dizer: olha, ou entras para a sala para nos podermos sentar com
as outras pessoas, ou metes-te nesse elevador e vais embora como disseste que
querias. Mas não dizemos. Porque somos portugueses. E na casa dos outros
fazemos o mesmo.
A segunda grande qualidade do “Brexit": é terapêutico para quem tenha bloqueios criativos
ou se sinta culpado por falhar prazos para completar trabalhos ou projectos.
Reparem: estamos perante um dos eventos de maior importância e de mais graves
consequências na história europeia e mundial — pelo menos das últimas
décadas — que era suposto ter ocorrido na semana passada.
Chegou
a data do “Brexit”, e o “Brexit” foi adiado para de sexta-feira a oito dias. E agora que o parlamento britânico voltou a rejeitar
o acordo de Theresa May para a saída da UE, e que rejeitou também (por duas
vezes) todas as outras possíveis alternativas que apresentou a si mesmo, a
solução encontrada pelo governo britânico foi… pedir um novo adiamento à UE.
E mesmo para esse novo adiamento a legislação de saída, com acordo ou sem
acordo, está longe de estar pronta.
Se
uma das nações do mundo com a economia mais interdependente do exterior pode
falhar prazos sucessivos com este à-vontade, porque não poderá fazer o mesmo o
estudante atrasado com a entrega de um trabalho?
É
certo que Theresa May afirma que este novo adiamento se destina a fazer aquilo
que nunca quis fazer desde o início deste processo: falar com o líder da
oposição, proceder a novos votos indicativos para averiguar as preferências do
parlamento, e encontrar um acordo que permitisse ao Reino Unido sair da UE até
22 de maio.
Tendo
em conta estes sinais, parece claro que Theresa May entende que o único acordo
possível com a oposição e o resto do parlamento é aquele que deixa o Reino Unido como país-satélite da
União Europeia, seja numa nova união aduaneira, seja numa versão
semelhante à da relação que a UE tem com a Noruega, a
Islândia e os outros países que na praticam aplicam as regras da UE sem nelas
terem direito a voto. Se desse certo, tal cenário evitaria a disrupção de uma
saída sem acordo.
E
sendo esta uma solução sedutora para os interesses da UE, é possível que os
chefes de estado e de governo concordem com o tal adiamento na próxima semana,
prescindindo para isso da sua exigência de que o Reino Unido participe nas eleições
para o Parlamento Europeu caso queira ficar na UE para lá de 12 de abril. Mas
isso seria um erro. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, porque significaria entrar numa armadilha, estendida em primeiro lugar a Jeremy Corbyn, líder da
oposição: uma vez que ninguém gosta do actual acordo associado à
primeira-ministra, que tal participar a meias num novo acordo de que ninguém
gostará também?
Em segundo lugar, porque um adiamento após 12 de Abril sem acordo aprovado ou sem
garantias de participação nas eleições europeias se arriscaria a resultar num
Parlamento Europeu impugnável (segundo os tratados e a Carta dos
Direitos Fundamentais, nenhum estado-membro pode estar na UE sem representantes
eleitos no PE) e na importação de uma
crise constitucional britânica para dentro da UE. Não obrigado. Neste
momento, aquilo de que devemos tratar é da saída do Reino Unido da União
Europeia, e não da adesão da União Europeia ao caos do Reino Unido.
Em terceiro lugar: precisamente porque a União Europeia deve ajudar o
Reino Unido a sair, é importante não dar a ilusão de que pretende que o Reino
Unido fique na UE a todo o custo.
Como
as coisas estão, o Reino Unido tem quatro opções: pode sair sem acordo a 12 de
Abril, pode sair com o acordo actual ou algo de semelhante a 22 de Maio, pode
pedir um adiamento mais longo para pensar no que quer fazer (desde que
participe nas eleições europeias), e por último mantém o seu direito soberano
de revogar o artigo 50. É escolha mais do que suficiente. A decisão só ao Reino
Unido compete. O que é preciso não é adiar. É escolher. Se não querem estar
na sala apanhem lá o elevador e deixem-nos ir fazer coisas mais interessantes.
COMENTÁRIOS:
Raquel Azulay, 03.04.2019: Uma
historiazinha da carochinha, repleta de lugares-comuns e de frivolidades. Tudo
isto é típico de uma situação-limite de incerteza e de caos económico. May
nunca quis falar com o Corbyn??? Não! Foi precisamente o contrário. O avozinho
vermelho é que nunca quis falar com May. Enfim. As historiazecas do Rui.
Nuno Silva, 03.04.2019: Toda esta
peixeirada (fish and ships) do Brexit foi inventada pelos conservadores para
disfarçar a destruição que eles e os facholas odeiam. E claro que depois do
Labor eleger um líder que finalmente pensa nas pessoas, Jeremy Corbyn, este seria
obviamente atacado e chamado de tudo. Mas UK vai ter que sair, seja por 1 ano,
1 mês, 1 dia, ou quiçá 1 h... se voltam a picar os nossos irmãos ingleses com
mais perguntas estúpidas, vai ser pior ainda....para disfarçar a destruição do
Estado Social que eles e os facholas odeiam...
Americo Silva, 03.04.2019: O
objectico do UK é claro e óbvio, passar para o lado de cá o caos institucional
e político. E com isso fazer crer que são expulsos, em vez de serem eles a
sair! Espera-se determinação e união deste lado, uma vez que sendo eles 1 e nós
27, temos pouco a perder e eles muito a perder!
Borda d'Água, Angra 03.04.2019: Deliciosas as
crónicas de Rui Tavares, a fasquia está a ficar elevada.
manuelserra7203.04.2019:
Como
diz o Yanis Varoufakis, este acordo é um acordo que se aceita depois de se
perder uma guerra. A União Europeia nunca teve intenções de ter um acordo em
que as duas partes pudessem beneficiar. A prazo, esta forma de fazer só vai
prejudicar toda a gente, incluindo a União Europeia e os anticorpos que não
param de crescer no seu interior.
Ricardo, Lisboa 03.04.2019: Manuel, isso não
é verdade. Facto simples: A UE é o único caso que conheço no planeta em que os
países abdicaram mesmo de ter controlos alfandegários na fronteira. Mesmo na
fronteira UE/Noruega ou UE/Suíça os veículos de mercadorias são sujeitos a
controlo na fronteira. E há imensas razões para isso, que nem sequer dependem
só do RU e UE. Mas, entre outras coisas, os apoiantes do Brexit
ignoram/rejeitam esse facto simples. E embora tenha feito campanha para ficar,
quando tomou posse a May agarrou-se à mesma falsidade. Só que quando se elimina
essa falsa premissa, o Brexit deixa de ser o acordo mais simples do mundo para
ser um acordo virtualmente impossível. O acordo em cima da mesa é inaceitável
para o RU. Mas todas as outras coisas alguma vez sugeridas são inaceitáveis
para alguém.
AndradeQB, Porto 03.04.2019: Grande analogia.
Rui Tavares, quando deixar de lado a sua militância em torno do que já não
acredita, vai ser uma voz útil. Não sei é se vai vir a tempo, mas sempre valerá
mais "tarde do que nunca".
Ricardo, Lisboa 03.04.2019: Alguns reparos.
(1) O novo Parlamento Europeu entrará em funções a 2 de Julho. Se o RU quiser
adiar a saída para lá de 1 de Julho, o RU terá que realizar atempadamente
eleições para o PE. Senão, o próprio PE poderá estar em violação dos tratados
da UE E sendo virtualmente impossível que se possa fazer uma adenda aos
tratados da UE, isto é um assunto onde a UE não tem forma de fazer concessões.
(2) O acordo de saída em cima da mesa é uma não saída. Basicamente, o RU
ficaria dentro da UE sem direito de voto até se encontrar uma solução para a
Irlanda. Ou seja, ad aeternum ou até o RU estar disposto a rasgar o acordo de
saída e sair unilateralmente sem acordo.
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