quinta-feira, 11 de abril de 2019

Um paralelismo engraçado



Mas nada simpático, sobretudo para nós, portugueses. Porque os ingleses jamais se rebaixariam a um tal confronto. Talvez gostassem mais dum paralelo com o iôiô de movimento caprichoso, conforme a perícia do jogador, para mim sempre um malabarista. O que eles são, de facto: malabaristas, mas, decididamente, muito estranhos e sem escrúpulos. Tenho pena. Julgava-os mais nobres.
OPINIÃO: A saída à portuguesa de Theresa May
A decisão só ao Reino Unido compete. O que é preciso não é adiar. É escolher. Se não querem estar na sala apanhem lá o elevador e deixem-nos ir fazer coisas mais interessantes.
RUI TAVARES      PÚBLICO, 3 de Abril de 2019
O “Brexit” pode ter muitos defeitos, mas tem neste momento duas grandes qualidades.
A primeira é estimular a mente na busca de metáforas e analogias que descrevam aquilo que se está a passar. Pois bem, a partir de ontem o “Brexit” pode passar a ser descrito como uma “saída à portuguesa”. Uma saída à portuguesa é, por sua vez, exactamente o contrário de uma saída à francesa. Numa saída à francesa os convidados saem da festa sem avisar ninguém. Numa saída à portuguesa, os convidados passam a vida a dizer que vão ter de sair mais cedo, que não podem ficar para arrumar os pratos e as cadeiras, e a certa altura levantam-se e arrastam-nos para aquela terra-de-ninguém entre a porta do apartamento e elevador do prédio e ali ficam a despedir-se. E a despedir-se. E a despedir-se.
Mas depois lembram-se de mais uma coisa. E conversa puxa conversa. Mas é só mais esta vez. Carregam no botão do elevador. Respiramos de alívio, sem dar grandes mostras do mesmo, não vá o convidado ofender-se. E mal damos por isso o elevador desapareceu, chamado por alguém noutro piso, e o convidado continua ali a despedir-se. Agora chama de novo o elevador e para o não o deixar fugir abre-lhe a porta e fica a segurá-la à nossa frente. Mas não entra. Ou melhor, não sai. Continua a despedir-se. E assim será. Até ao fim dos tempos.
Temos vontade de lhe dizer: olha, ou entras para a sala para nos podermos sentar com as outras pessoas, ou metes-te nesse elevador e vais embora como disseste que querias. Mas não dizemos. Porque somos portugueses. E na casa dos outros fazemos o mesmo.
A segunda grande qualidade do “Brexit": é terapêutico para quem tenha bloqueios criativos ou se sinta culpado por falhar prazos para completar trabalhos ou projectos. Reparem: estamos perante um dos eventos de maior importância e de mais graves consequências na história europeia e mundial — pelo menos das últimas décadas — que era suposto ter ocorrido na semana passada.
Chegou a data do “Brexit”, e o “Brexit” foi adiado para de sexta-feira a oito dias. E agora que o parlamento britânico voltou a rejeitar o acordo de Theresa May para a saída da UE, e que rejeitou também (por duas vezes) todas as outras possíveis alternativas que apresentou a si mesmo, a solução encontrada pelo governo britânico foi… pedir um novo adiamento à UE. E mesmo para esse novo adiamento a legislação de saída, com acordo ou sem acordo, está longe de estar pronta.
Se uma das nações do mundo com a economia mais interdependente do exterior pode falhar prazos sucessivos com este à-vontade, porque não poderá fazer o mesmo o estudante atrasado com a entrega de um trabalho?
É certo que Theresa May afirma que este novo adiamento se destina a fazer aquilo que nunca quis fazer desde o início deste processo: falar com o líder da oposição, proceder a novos votos indicativos para averiguar as preferências do parlamento, e encontrar um acordo que permitisse ao Reino Unido sair da UE até 22 de maio.
Tendo em conta estes sinais, parece claro que Theresa May entende que o único acordo possível com a oposição e o resto do parlamento é aquele que deixa o Reino Unido como país-satélite da União Europeia, seja numa nova união aduaneira, seja numa versão semelhante à da relação que a UE tem com a Noruega, a Islândia e os outros países que na praticam aplicam as regras da UE sem nelas terem direito a voto. Se desse certo, tal cenário evitaria a disrupção de uma saída sem acordo.
E sendo esta uma solução sedutora para os interesses da UE, é possível que os chefes de estado e de governo concordem com o tal adiamento na próxima semana, prescindindo para isso da sua exigência de que o Reino Unido participe nas eleições para o Parlamento Europeu caso queira ficar na UE para lá de 12 de abril. Mas isso seria um erro. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, porque significaria entrar numa armadilha, estendida em primeiro lugar a Jeremy Corbyn, líder da oposição: uma vez que ninguém gosta do actual acordo associado à primeira-ministra, que tal participar a meias num novo acordo de que ninguém gostará também?
Em segundo lugar, porque um adiamento após 12 de Abril sem acordo aprovado ou sem garantias de participação nas eleições europeias se arriscaria a resultar num Parlamento Europeu impugnável (segundo os tratados e a Carta dos Direitos Fundamentais, nenhum estado-membro pode estar na UE sem representantes eleitos no PE) e na importação de uma crise constitucional britânica para dentro da UE. Não obrigado. Neste momento, aquilo de que devemos tratar é da saída do Reino Unido da União Europeia, e não da adesão da União Europeia ao caos do Reino Unido.
Em terceiro lugar: precisamente porque a União Europeia deve ajudar o Reino Unido a sair, é importante não dar a ilusão de que pretende que o Reino Unido fique na UE a todo o custo.
Como as coisas estão, o Reino Unido tem quatro opções: pode sair sem acordo a 12 de Abril, pode sair com o acordo actual ou algo de semelhante a 22 de Maio, pode pedir um adiamento mais longo para pensar no que quer fazer (desde que participe nas eleições europeias), e por último mantém o seu direito soberano de revogar o artigo 50. É escolha mais do que suficiente. A decisão só ao Reino Unido compete. O que é preciso não é adiar. É escolher. Se não querem estar na sala apanhem lá o elevador e deixem-nos ir fazer coisas mais interessantes.
COMENTÁRIOS:
Raquel Azulay, 03.04.2019: Uma historiazinha da carochinha, repleta de lugares-comuns e de frivolidades. Tudo isto é típico de uma situação-limite de incerteza e de caos económico. May nunca quis falar com o Corbyn??? Não! Foi precisamente o contrário. O avozinho vermelho é que nunca quis falar com May. Enfim. As historiazecas do Rui.
Nuno Silva, 03.04.2019: Toda esta peixeirada (fish and ships) do Brexit foi inventada pelos conservadores para disfarçar a destruição que eles e os facholas odeiam. E claro que depois do Labor eleger um líder que finalmente pensa nas pessoas, Jeremy Corbyn, este seria obviamente atacado e chamado de tudo. Mas UK vai ter que sair, seja por 1 ano, 1 mês, 1 dia, ou quiçá 1 h... se voltam a picar os nossos irmãos ingleses com mais perguntas estúpidas, vai ser pior ainda....para disfarçar a destruição do Estado Social que eles e os facholas odeiam...
Americo Silva, 03.04.2019: O objectico do UK é claro e óbvio, passar para o lado de cá o caos institucional e político. E com isso fazer crer que são expulsos, em vez de serem eles a sair! Espera-se determinação e união deste lado, uma vez que sendo eles 1 e nós 27, temos pouco a perder e eles muito a perder!
Borda d'Água, Angra 03.04.2019: Deliciosas as crónicas de Rui Tavares, a fasquia está a ficar elevada.
manuelserra7203.04.2019: Como diz o Yanis Varoufakis, este acordo é um acordo que se aceita depois de se perder uma guerra. A União Europeia nunca teve intenções de ter um acordo em que as duas partes pudessem beneficiar. A prazo, esta forma de fazer só vai prejudicar toda a gente, incluindo a União Europeia e os anticorpos que não param de crescer no seu interior.
Ricardo, Lisboa 03.04.2019: Manuel, isso não é verdade. Facto simples: A UE é o único caso que conheço no planeta em que os países abdicaram mesmo de ter controlos alfandegários na fronteira. Mesmo na fronteira UE/Noruega ou UE/Suíça os veículos de mercadorias são sujeitos a controlo na fronteira. E há imensas razões para isso, que nem sequer dependem só do RU e UE. Mas, entre outras coisas, os apoiantes do Brexit ignoram/rejeitam esse facto simples. E embora tenha feito campanha para ficar, quando tomou posse a May agarrou-se à mesma falsidade. Só que quando se elimina essa falsa premissa, o Brexit deixa de ser o acordo mais simples do mundo para ser um acordo virtualmente impossível. O acordo em cima da mesa é inaceitável para o RU. Mas todas as outras coisas alguma vez sugeridas são inaceitáveis para alguém.
AndradeQB, Porto 03.04.2019: Grande analogia. Rui Tavares, quando deixar de lado a sua militância em torno do que já não acredita, vai ser uma voz útil. Não sei é se vai vir a tempo, mas sempre valerá mais "tarde do que nunca".
Ricardo, Lisboa 03.04.2019: Alguns reparos. (1) O novo Parlamento Europeu entrará em funções a 2 de Julho. Se o RU quiser adiar a saída para lá de 1 de Julho, o RU terá que realizar atempadamente eleições para o PE. Senão, o próprio PE poderá estar em violação dos tratados da UE E sendo virtualmente impossível que se possa fazer uma adenda aos tratados da UE, isto é um assunto onde a UE não tem forma de fazer concessões. (2) O acordo de saída em cima da mesa é uma não saída. Basicamente, o RU ficaria dentro da UE sem direito de voto até se encontrar uma solução para a Irlanda. Ou seja, ad aeternum ou até o RU estar disposto a rasgar o acordo de saída e sair unilateralmente sem acordo.
José P., Lisboa 03.04.2019: Bom retrato, nada a acrescentar.

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