O meu amor pela França ultrapassa sentimentos
de incompreensão ou repulsa gerados por tantas vilezas que se cometem a cada
passo, como essa a propósito dos combustíveis, em manifestações de rua que
provam quanto a democracia, mau grado a nobreza dos ideais que a motivaram, em
Revolução célebre, farol de tão largas mudanças ideológicas no mundo ocidental,
não deixou de ser impregnada de crimes hediondos, que de vez em quando
explodem, brutalmente, destruindo sem recato e cada vez mais alvarmente, em
nome da liberdade achada. Salles da Fonseca, como outros articulistas o tinham
também feito sentir - e cito Vasco Pulido Valente numa recente página do seu Diário
- aponta a decadência da França, até mesmo na criação de cérebros continuadores
do escol desses outros que ajudaram à frutificação de um existencialismo ainda
mais libertador das castrações sociais do passado, as quais permitiam, todavia,
um certo equilíbrio moral e social. Waterloo foi a fronteira da ilusão de poder,
informa SF, que Napoleão
tinha significado para a França. Em termos económicos talvez. Outros povos
menos rebeldes e educados na obediência aos chefes, no seu ideal ambicioso de
domínio, souberam criar instrumentos de cada vez maior alcance destrutivo e
isso os situou no mundo do poder, embora transitório igualmente. Mau grado a humilhação
das derrotas, a Alemanha não deixa de se erguer sempre, pela sua capacidade de
trabalho e eficácia, que a inteligência e a exigência de normas impõem e onde não
seriam possíveis, julgo, práticas destrutivas como essa dos coletes amarelos. Mas
para mim, a França representará sempre o que dela colhi através dos seus
escritores, sobretudo, como figuras de luminosidade que aprendemos a amar e que
continua, certamente, ainda que o meu trato de leitura se prenda mais hoje em
revisões de antigos autores, dada a dispersão de “afectos” de entretenimento,
incompatíveis com uma actualização cuidada. Como esquecer esses nomes de
escritores a quem serei sempre grata pelas horas de prazer que a sua
criatividade, humor e saber me deram na vida, de muitos limites, é certo, mas
decididamente inesquecíveis, que de vez em quando retomo? Vejo o esforço de
Emmanuel Macron tentando responder com abertura aos tais coletes amarelos, leio
sobre as más vontades do povo insubordinado contra o orgulho do seu chefe
político, a quem admiro a paciência e tudo isso me parece chocante e semelhante ao
que se passa por cá, nas exigências das greves contínuas e ruinosas. E lamento.
Mas isso não obsta a que ame a França, e jamais me passaria pela cabeça
desprezá-la por ter perdido a aura antiga. A França perdurará sempre na
admiração dos povos, como a Grécia antiga da literatura e da arte se mantém nos
tempos, perdida, todavia, a força que a guerra troiana simbolizou, conquanto,
provavelmente, fictícia.
Henrique Salles da Fonseca
21.04.19
A FRONTEIRA DE WATERLOO
Ancien
que sou do Charles Lepierre, posso dizer sem rude margem
de erro que me nasceram os dentes na francofonia (1)
Entretanto,
muita água passou por baixo das pontes que atravessei e a francofonia foi-se
espaçando – sem nunca a esquecer, claro está.
Até
que a serenidade me alcançou e pude enveredar por leituras que a vida activa
não facilitava. Assim foi que, a propósito do grande tema «filosofia», dei
comigo a pensar que França não tem há muito quem possa representá-la na cena
do pensamento de vanguarda. Descartes, Voltaire, Montesquieu, Diderot, Pascal…
já foram.
E
dei comigo também a pensar na «fronteira de Waterloo» com isso significando
a batalha a partir da qual França nunca mais se cansou de perder todas as
quezílias militares em que se meteu e, daqui, ao drama de De Gaulle que
não aceitou o nível menor a que a França foi relegada no concerto internacional
das Nações, sobretudo a partir de 1945. Foi precisamente para este drama
que Raymond Aron me alertou num dos últimos capítulos das suas
«Memórias» e tem sido ele que – noutros capítulos da mesma obra – me vem
“dizendo” coisas por que eu não esperava, nomeadamente que a filosofia francesa
existe.
Mas,
mesmo assim, tanto Brunschvicg (1869-1944) como Sartre (1905-1980) e ele
próprio, Aron (1905-1983), já cá não estão e eu continuo a pensar que a
Nação Francesa continua perturbada, sem a serenidade suficiente para produzir
expoentes mundiais. E não são os gaullistas Mirage nem outras Forces
de Frappe que lhe inspiram as massas humanas já entrecortadas por soluções
de continuidade (prosaicamente, «rasgões») no tecido da solidariedade nacional
que há quem tome por chauvinista, racista, isolacionista.
À
falta dessa serenidade, as propostas de reposição da grandeur de la France podem surgir de cenários tão
inesperados como foi o de Versailles ao provocar o aparecimento de Hitler.
Claro
que ainda não notei que a fronteira de
Waterloo se esteja a diluir (e não creio que o possa notar nos tempos mais
próximos) mas prefiro acreditar que os expoentes mundiais franceses noutras
áreas do conhecimento existam realmente. Eu é que não os conheço. Sim? Talvez.
A ver se estudo um pouco mais…
E
por que é que a Nação Francesa está perturbada? Bem, isso é outra coisa que me
preocupa porque quando a França chocalha, toda a Europa treme.
Comentários
Anónimo 21.04.2019 08:45:
È isso. A França não estará como o
Titanic, mas parece seguir-lhe os passos. Quem manda são os sindicatos e a
baderna, com as constantes e intermináveis greves. Pobre França onde era tão
bom passar uns dias!
Henrique Salles da
Fonseca 21.04.2019 12:32 Brilhante, Henrique. Feliz Páscoa. Um abraço
José Montalvão
José Montalvão
Adriano Lima 21.04.2019 16:00 Neste dia de Páscoa, em que a religião pede tréguas à
razão de alguns prosélitos, calha muito bem ler este texto. E é exactamente por
isso, pelas supostas tréguas, porque a vigilância da racionalidade é cada vez
mais uma urgente necessidade, que nem mesmo em suposto repouso pascoal deve
afrouxar-se. Para mais, quando a irracionalidade pura é o que parece comandar
os comportamentos. A França vem a propósito por causa de mais um episódio dos
Coletes Amarelos? Certamente que sim. O pretexto agora invocado foi a doação de
centenas de milhões de euros por ricaços para a recuperação de Notre-Dame.
Poderão ter alguma razão os Coletes, conforme denunciou Philippe Martiez,
secretário-geral da CGT: "São capazes de dar dezenas de milhões para
reconstruir Notre-Dame, mas continuam a dizer que não há dinheiro para dar
resposta à situação de emergência social". Só que as manifestações dos
Coletes Amarelos (únicas no género) são ponta do iceberg do problema que o Dr.
Salles da Fonseca aqui traz à reflexão sintetizado nas seguintes palavras: “…
Mas, mesmo assim, tanto Brunschvicg (1869-1944) como Sartre (1905-1980) e ele
próprio, Aron (1905-1983), já cá não estão e eu continuo a pensar que a Nação
Francesa continua perturbada, sem a serenidade suficiente para produzir
expoentes mundiais.” Até porque pretextos não vão faltar para as
exaltações incontroladas por parte dos franceses. Sim, faltam “expoentes
mundiais” à França, incluindo líderes políticos. No entanto, eu que acredito
que Macron é um líder com grandes potencialidades e com futuro garantido, julgo
que o problema é mais fundo e exige um exame retalhado da mentalidade da nação
francesa. Olha-se para a Alemanha e não se vê, como não se tem visto,
comportamentos sociais destrambelhados e com pouco tino como acontece em
França, apesar de se poder contrariar esta premissa apontando o caso do
nazismo. Só que este surgiu por causa das humilhantes e impraticáveis
indemnizações impostas à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, depois da sua
derrota sofrida numa guerra em que as responsabilidades políticas pela sua
eclosão não podem ser apenas assacadas à Alemanha. Entre a Tríplice Aliança
liderada pela Alemanha e a Tríplice Entente liderada pela Inglaterra há um jogo
de sombras em que, em minha opinião, a Alemanha terá sido levada na curva pelo
cinismo diplomático inglês e pelas ilusões idealistas da França. Penso que é
toda a Europa que está órfã de “expoentes mundiais”. Não é só a França, embora
este país seja o que mais tem evidenciado razões para se deitar no divã do
psicanalista para se submeter a uma autognose. Os meus agradecimentos ao Dr.
Salles da Fonseca por mais uma profunda e oportuna reflexão.
Henrique Salles da
Fonseca 21.04.2019 18:28 Infelizmente também não consigo ver a luz ao fim do
túnel Francês. Tenho, e li, cerca de 80% da obra do Raymond Aron de quem
continuo um "cliente". Ainda me lembro de assinar o L'Express no
tempo em que ele aí era editorialista juntamente com o Jean-François Revel. Que
eu veja, não há hoje nenhum pensador francês do mesmo nível. E, ao contrário do
que tu dizes, não me parece que a Europa se ressinta muito dessa fraqueza. Já
todos se vão conformando com um Semi-Eixo Franco- Alemão. Mas, se calhar, sou
eu que estou a ficar velho e rezingão! Abr Jorge Gaspar de Barros
Henrique Salles da
Fonseca 21.04.2019 18:29 Um Abraço a que junto os votos de Santa Pascoa.
Joaquim Ortiz
Joaquim Ortiz
Henrique Salles da
Fonseca 21.04.2019 18:30 Uma Santa Páscoa
e que a França encontre uma solução para a resolução dos seus problemas porque em
parte também são os nossos. Um abraço Bartolomeu
Costa Cabral
Henrique Salles da
Fonseca 21.04.2019 18:32: Muito Obrigado. O seu artigo é uma abordagem a
oportunos pensamentos sobre o que será no Futuro A Nova Filosofia Gaulesa. Eu
que tive o privilégio de entrevistar Sartre e Simone em 69, hoje penso que
existem filósofos notáveis sobretudo no que diz respeito às Teorias da Informação,
que procuro transmitir aos meus alunos de Jornalismo. Assim tento explicar os
conceitos de Pierre Lévy e admiro ainda imenso o moderno Pensamento do
Jean-Jacques Wunenburger sobre os mitos referentes ao racionalismo no Mundo de
Hoje. Igualmente admiro a actualidade que pode ter na nossa vida de hoje alguns
medievais conceitos de Bernardo de Claraval., Grato com um abraço, Armando
Rebelo
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