domingo, 25 de outubro de 2020

“À espera de” …teta


Foi, sobretudo, o que este artigo de Teresa de Sousa me sugeriu, neste seu arrazoado de aflitivo repúdio dos desprezos de Trump para com uma pobre Europa, sobretudo, que ficará órfã do apoio daquela, caso Trump retome o poder, e faço minhas as palavras da comentadora Rita Laranjeira INICIANTE, por me ter lembrado de idênticos argumentos:Não deixa de ser irónico que aqueles que tanto criticavam o "imperialismo" americano e a sua política externa demasiado interventiva, agora que os EUA têm o presidente que ordenou menos acções militares nos últimos 80 anos (!) têm saudades da imagem da América perante o mundo antes de Trump... É o que dá ligar em demasia à forma em detrimento da substância.

ANÁLISE ELEIÇÕES EUA 2020

Pode a América voltar a ser a América aos olhos do mundo?

Não vale a pena alimentar a ilusão de que a relação da América com o mundo vai regressar ao ponto em que estava antes de Trump. “Não há bilhete de regresso ao mundo antes de Donald Trump”.

TERESA DE SOUSA

PÚBLICO,24 de Outubro de 2020

1.- Uma das raras coisas normais nas eleições presidenciais americanas é o facto de quase ninguém mencionar a política externa. E, no entanto, para o resto do mundo, o seu resultado será “o mais pesado de consequências da história recente”. A afirmação de Julian Borger, analista do Guardian britânico, talvez não seja tão exagerada quanto parece. As eleições presidenciais americanas têm sempre um forte impacte global porque os Estados Unidos continuam a ser o país mais poderoso do mundo. Desta vez, soma-se uma outra razão. Talvez nunca tenham sido tão distintas as visões dos dois candidatos sobre a relação da América com o mundo. O primeiro mandato de Donald Trump conseguiu pôr fim ao habitual consenso bipartidário no domínio da política externa com que o resto do mundo podia contar.

O ano de 2020 será, definitivamente, o ano em que uma pandemia tomou conta da humanidade, mas será também o ano em que a sorte do mundo esteve, em grande medida, dependente da escolha que os eleitores americanos – provavelmente menos de 200 milhões – fizerem nas urnas, a 3 de Novembro.

2. Há duas perguntas simples que toda a gente coloca. A primeira é se o mundo, tal como ainda o conhecemos, resistirá a mais quatro anos de Donald Trump. A segunda, até que ponto Joe Biden consegue restaurar a imagem e a liderança americana no mundo?

Pode dizer-se sem risco de errar que a primeira pergunta obtém respostas mais convergentes. O mundo continuaria a sua caminhada cada vez mais rápida em direcção ao caos. A China teria o seu caminho em direcção à hegemonia mundial facilitado. A Europa, órfã do seu grande aliado, ver-se-ia obrigada a fazer das fraquezas forças para enfrentar uma realidade internacional para a qual não está preparada.

Tem fundamento um cenário tão negro? O título de um ensaio de Richard Haass, publicado na edição de Setembro/Outubro da Foreign Affairs, consegue ser a mais simples das definições do que foram os anos de Trump na Casa Branca: Present at the Disruption. O director do Council on Foreign Relations de Washington vai buscar inspiração às memórias de Dean Acheson, conselheiro de Roosevelt e secretário de Estado de Truman, Present at the Construction.

Acheson descreve ao pormenor como os Estados Unidos reconstruíram a ordem internacional do pós-guerra a partir da criação de instituições multilaterais assentes na regra e fiéis à defesa da liberdade e dos direitos humanos do sistema das Nações Unidas ao Sistema de Bretton Woods, da fundação da Aliança Atlântica ao impulso decisivo para a unificação da Europa Ocidental. A ordem liberal que os Estados Unidos criaram sobreviveu à Guerra Fria, viveu um breve e feliz interregno em que a democracia e os mercados pareciam contagiar o mundo inteiro, resistiu à “guerra ao terror” de George W. Bush, teve em Obama um convicto defensor.

Donald Trump operou uma ruptura. “Quase destruiu ou, no mínimo, ignorou, as alianças permanentes dos Estados Unidos, um dos seus principais pontos fortes em comparação com outras grandes potências como a China ou a Rússia”, diz William Burns, do Carnegie Endowement de Washington. Ignorou as instituições multilaterais, considerando-as apenas um sorvedouro de dinheiro e de recursos dos EUA. Abandonou o apoio à integração europeia e chegou a pôr em causa a própria NATO. Finalmente, a única política que chegou a ter alguma aceitação, acabou por traduzir-se em quase nada. Elegeu a China como o grande rival da América, o que poderia não alterar substancialmente a política de “contenção” posta em prática por Barack Obama, quando definiu a China como o maior adversário estratégico dos EUA no século XXI.

Faltou-lhe, no entanto, tudo o resto. Desfez as alianças e os acordos comerciais que Obama negociou na Ásia-Pacífico, abandonando a Parceria Transpacífica com 11 países da região, incluindo o Japão e excluindo a China. Substituiu a “contenção” pela hostilidade. “A Administração Trump cedeu o terreno à China, ao abdicar da sua liderança global e ao negligenciar os seus amigos em todo o mundo”, diz ainda Burns. Trocou uma política por slogans, omnipresentes na sua campanha: o vírus é “chinês”; “se Biden ganhar, a China ganha”.

Robert Zoellick, que foi o representante de George W. Bush para as negociações de comércio, acrescenta um veredicto ainda mais negro: “A política de Trump em relação à China, que valoriza mais a postura do que os resultados, foi um total falhanço. Feitas as contas, a retórica belicista e radical não fez vergar a ambição chinesa, nem lhe retirou os instrumentos de que precisa para afirmá-la.”

Retirou-se a superpotência liberal e democrática. Entraram em cena grande potências revisionistas, que se opõem ao liberalismo e à democracia. “Quatro anos de política externa norte-americana radicalmente revisionista deram força aos autocratas em todo o mundo, promoveram o aventureirismo, alimentando os conflitos nas fronteiras da Europa e as divisões entre parceiros”, diz Rosa Balfour, directora do Carnegie-Europe. Regressando a Richard Haass, mais quatro anos de Trump transformariam a “disrupção” que introduziu na ordem internacional na sua “destruição”.

3. Edward Luce, colunista do Financial Times em Washington, argumenta que foi no domínio da política externa que o actual Presidente conseguiu cumprir algumas das promessas que fez aos americanos em 2016. “Não iniciou nenhuma guerra. Retirou as tropas do Afeganistão e do Médio Oriente. Os Estados Islâmicos [Daesh] perdeu o seu território. Os aliados da América foram forçados a pensar num mundo em que os EUA deixam de garantir a sua segurança.”

Tribalismo na América

O argumento de Luce não significa uma apreciação positiva da sua política externa. Pretende apenas sublinhar que o que fez vai, em muitos aspectos, ao encontro do que pensa uma maioria de americanos, pouco interessados no que se passa no mundo. O colunista do Financial Times também quer dizer que não vale a pena apagar o seu mandato, porque isso não é possível. Joe Biden apoiou publicamente os acordos que Trump negociou entre Israel e os Emiratos Árabes Unidos e é muito provável que mantenha a embaixada americana em Jerusalém.

O mesmo não pode ser dito das suas cimeiras com o líder da Coreia do Norte, exibidas como um enorme êxito na contenção do seu programa nuclear. Se era precisa uma prova, ela foi apresentada na parada militar com que King Jong Un celebrou o último aniversário da fundação da Coreia do Norte – um “míssil monstro” com capacidade para transportar ogivas nucleares e atingir território americano.

4. “Biden pode salvar o mundo?” A pergunta é retórica, mas contém, ao mesmo tempo, as grandes expectativas e o reconhecimento das dificuldades que esperam o sucessor de Trump na Casa Branca, desde que não seja o próprio Trump.

A simples eleição de Joe Biden terá um efeito imediato: restituir algum brilho à imagem internacional da América. “Apesar de Trump, os Estados Unidos ainda mantêm um considerável soft power, porque grande parte do mundo olha para a sua presidência como uma aberração, que não reflecte o verdadeiro carácter da América”, escreve Kemal Dervis, da Brookings Institution, que já chefiou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e foi ministro da Economia de Ancara.

Outros autores são menos optimistas. Reconstruir a confiança nos EUA vai levar tempo – o tempo necessário para confirmar que Trump foi uma excepção e não uma viragem. “Os políticos americanos vão ter de trabalhar arduamente para ultrapassar algum cepticismo, incluindo dos nossos mais próximos aliados, e o receio de que a polarização política americana tenha infectado a sua diplomacia”, diz William Burns. Será uma questão de tempo, mas não apenas isso. Não vale a pena alimentar a ilusão de que a relação da América com o mundo vai regressar ao ponto em que estava antes de Trump. “Não há bilhete de regresso ao mundo antes de Donald Trump”, escreve Philip Stephens no Financial Times. A realidade internacional mudou. Os principais actores mundiais também. A política externa de Biden terá de levar em conta esta mudança.

A China continuará a ser o maior desafio estratégico dos Estados Unidos nas próximas décadas. Não haverá imediatamente grandes mudanças na relação com Pequim. Manter-se-ão as actuais tensões económicas e tecnológicas. Haverá uma dimensão nova, dos direitos humanos, que uma futura Administração Biden não poderá ignorar. E a extrema tensão em redor de Taiwan - provavelmente, o mais sério risco de uma confrontação militar - exigirá de uma nova Administração democrata toda a sua capacidade dissuasora. Como traçar um limite ao crescente expansionismo da China será um dos maiores quebra-cabeças do novo Presidente.

Será mais fácil restabelecer uma boa relação com os velhos aliados e restaurar parte da confiança dos europeus na NATO. Biden não será “o amigo de Putin” e o “inimigo de Merkel”. Mas Trump, se perder, deixa atrás de si uma Europa mais dividida na sua relação com a América, tentada pelo sonho de “autonomia estratégica”, incluindo no domínio da segurança e defesa, mais desconfiada da solidariedade americana. O Irão pode ser um teste importante. Biden já disse que, se for eleito, retomará o compromisso americano com o tratado nuclear negociado por Obama em 2015 e que Trump abandonou. Como uma condição: “Teerão terá de cumprir o que ficou estabelecido”. Um grande “se”. O candidato democrata também já anunciou que os EUA regressam ao Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e manter-se-ão na OMS.

5.Estas são as mudanças imediatas. Uma estratégia internacional a mais longo prazo, adaptada ao mundo pós-pandemia, ainda é matéria para intenso debate nos círculos de política externa próximos de Joe Biden. O candidato democrata tem uma longa experiência nos assuntos internacionais desde os seus tempos de senador e de vice-presidente de Obama, com quem teve algumas divergências. Uma ala mais “progressista” dos seus conselheiros diz que lhe falta ambição e audácia. Os mais realistas, escreve Christine Kauffmann no Monde, “preocupam-se mais em olhar, não tanto para Biden, mas para uma sociedade americana muito dividida, e para o estado actual do mundo”.

Anne-Marie Slaughter, braço-direito de Hillary Clinton no departamento de Estado no primeiro mandato de Obama, escreveu no Financial Times sobre as mudanças que espera de Biden: “Em estilo, [mudará] dramaticamente. Na acção, substancialmente, mas não completamente”. Continua a actual directora do think-tank New America: “Os EUA voltarão a abraçar o multilateralismo e a estender a mão aos aliados e aos parceiros com renovado vigor”, mas “continuarão a exercer a competição entre grandes potências e a concentrar-se na China enquanto o seu maior rival”.

É esta, precisamente, uma das grandes questões em debate – se é possível travar a transformação da ordem liberal numa ordem internacional que regressa à “balança de poder”. A antiga conselheira de Hillary Clinton concluiu que a política externa de Biden se pode resumir a três D's:Domestic, Deterrence and Democracy”. A frente interna será fundamental, porque boa parte da capacidade de conter a China passará pela renovação económica e tecnológica dos Estados Unidos. É nestas duas dimensões que a China é mais forte, e não na dimensão militar. Biden, o defensor dos acordos de comércio livre do tempo de Obama e de Bill Clinton, será provavelmente mais sensível à protecção da capacidade industrial americana.

É esta, precisamente, uma das grandes questões em debate – se é possível travar a transformação da ordem liberal numa ordem internacional que regressa à “balança de poder”

O D de Democracia pode traduzir-se numa velha ideia: não apostar tanto nas organizações multilaterais, antes fundar uma “aliança das democracias”, capaz de contrariar a vaga autoritária que varre o mundo e reforçar o modelo ocidental contra o modelo chinês. O outro D, de Dissuasão, não agradará tanto aos “progressistas” da sua entourage, que gostariam de ver uma redução significativa do gigantesco orçamento da defesa. Os tempos não caminham nessa direcção. E Biden é, em primeiro lugar, um pragmático.

tp.ocilbup@asuos.ed.aseret

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COMENTÁRIOS:

Manuel.Barbosa. EXPERIENTE: Sem o vírus do Partido Comunista chinês, a derrota democrata - e a das teresas de sousa -não seria certa, seria épica. Mesmo assim, não cantem cedo demais. 24.10.2020  DemocrataXXI EXPERIENTE: Uma boa psicoterapia, assumindo que o problema não é a ignorância ou má formação, pode ajudar. Já nada pode mudar, para que tudo volte a ser como antes Joao INFLUENTE: Venho só partilhar que li agora que um ex-sócio do Biden já veio dizer que o Biden mentiu WallStreetJournal 23/10/2020 “Hunter Biden’s Ex-Business Partner Alleges Father Knew About Venture”. Noto mais uma vez que o problema não é o tráfico de influências para as negociatas do filho Biden que andava na esteira do pai Biden nas suas viagens oficiais, isso já se sabe há muito, o filho é oficialmente lobista, profissão altamente cobiçada e legal nos USA. Como no caso do Clinton em que o problema não foi sexo na sala Oval com a estagiária com um humedecido “habano” Cohiba de permeio e enquanto o desgraçado do Arafat secava à espera, o problema foi ter dito não ter havido sexo. Neste caso o problema “só” existe porque o Biden afirmou oficialmente desconhecer totalmente os negócios do filho.     DemocrataXXI EXPERIENTE: Ahhhh, conversa de um exxx- sócio do Biden, sobre o filho daquele ... E de fuga aos impostos, falências fraudulentas, nepotismo, negacionismo, mentira patológica, responsabilidade pela morte de milhares de americanos pelo Covid, demarcação do tratado de Paris, afastamento da OTAN, ignorância e incompetência crónica para o cargo que Trump ocupa, como Presidente dos EUA ? Não viu, não vê???            DemocrataXXI EXPERIENTE: Ou pode preferir " Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão " Mateus 7:5      lgxd78 INICIANTE: interessante será saber como ficará os EUA internamente, se o caos pós eleições irá dar cabo do país internamente, aí já não há política externa que o safe     DemocrataXXI EXPERIENTE: É, nada os safará nem a eles, nem a nós ! Percebeu a ideia?      antifascista INICIANTE: de facto esta não é a américa que o mundo conhece. faltam bombas, invasões, golpes de estado. ai teresa, és tão coisointeressante será saber como ficará os EUA internamente, se o caos pós eleições irá dar cabo do país internamente, aí já não há política externa que o safe.       Rita_Laranjeira INICIANTE: Não deixa de ser irónico que aqueles que tanto criticavam o "imperialismo" americano e a sua política externa demasiado interventiva, agora que os EUA têm o presidente que ordenou menos acções militares nos últimos 80 anos (!) têm saudades da imagem da América perante o mundo antes de Trump... É o que dá ligar em demasia à forma em detrimento da substância.      Joao INFLUENTE: Neste seu certeiro comentário estou duzentos por cento de acordo com a Rita.     DemocrataXXI EXPERIENTE: Rita, é que nem forma, nem substância. Os apoiantes de Trump, das duas uma, ou ignorantes ou malformados      chagas_antonio EXPERIENTE: A América só voltará a ocupar o mesmo lugar que a vitória na IIGG lhe conferiu se houver uma IIIGG e se o poderio militar americano for instrumental (e vitorioso). Caso contrário, terá de habituar-se a viver num mundo multipolar. Esse é o legado de Trump: prometia tornar a América grande outra vez mas, como merceeiro que é, as suas promessas não só foram vãs, como deslocadas: a única coisa que tornou grande outra vez foi a sua bazófia. Na hora do adeus, Trump não deixa saudades: e os americanos acabarão, tarde demais, por ver 

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