De argumentação aprumada, desdobrando-se articuladamente, em progressiva demonstração. Basta ler. Mas nunca havemos de aprender a contrariar tal imagem destrutiva.
OPINIÃO
Corrupção e legitimidade democrática
A população é
muito frenética a considerar os corruptos, mas tolerante com grande parte dos
mecanismos que favorecem a corrupção. Os portugueses são complacentes com a
corrupção (mesmo quando a não praticam).
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO,
4 de Outubro de 2020
É
uma velha questão, sempre sem resposta concludente e definitiva: “Há
mais corrupção
em democracia ou em ditadura?”. Como se
imagina, as respostas implicam mais quem as dá e respectivas preferências
ideológicas do que a verdade dos factos. É perfeitamente possível que uma
determinada ditadura tenha menos corrupção do que uma democracia. Ou o
contrário. O problema é que a diferença essencial está na
liberdade e nos direitos humanos, não na moralidade pública.
Mas
também é verdade que a corrupção interessa aos cidadãos não apenas por uma
questão moral, mas também por razões políticas essenciais. Na verdade, a
corrupção gera desigualdade de direitos e condição, cria privilégios, prejudica
o mérito e a competência, estimula o crime e o comportamento condenável. E
distorce alguns dos mais importantes princípios do Estado de Direito. É de
tal maneira consensual a condenação da corrupção que raras são as pessoas que
se atrevem a defendê-la, a admitir a sua prática ou a considerá-la inofensiva.
Os que a aceitam como inevitável esforçam-se por não tornar públicas as suas
opiniões. E mesmo os que a praticam a condenam.
A
este propósito, Portugal vive tempos difíceis. Há muitos casos conhecidos, uns
em processo de investigação ou julgamento, outros em paz e sossego, em plena
impunidade. Há, além disso, um número inédito e excessivo de
políticos, dirigentes da administração pública, empresários e traficantes de
influências em averiguação, sob investigação, em fase de instrução, em pleno
julgamento, já condenados ou detidos. Para uns, tudo isto é bom sinal, quer
dizer que a justiça funciona. Para outros, é mau sinal, a política portuguesa
actual e a economia estão infestadas de corrupção.
Ainda
há quem pense que a corrupção só se vence com muita autoridade, bastante
polícia, juízes severos, grandes prisões e métodos expeditos de vigiar e
julgar. Talvez seja verdade. E talvez não. O problema vem depois. Na verdade, com esses
meios, pode diminuir-se a corrupção da democracia, mas poderá aumentar-se logo
a seguir a corrupção das ditaduras. Entre as duas, venha o diabo e escolha.
Talvez não sejam muito diferentes. Só que, com uma tenho democracia e com
outra não tenho. Com democracia, sobra-me a esperança de poder ser livre e
de combater a corrupção. Com a ditadura, fica-me o desespero
de não ser livre e de não poder lutar contra a corrupção. Eis por que não custa afirmar que só com
democracia se combate a corrupção. Sem liberdade, a corrupção
transforma-se e disfarça-se. E a ditadura cria a sua própria corrupção. Como
sempre na história.
O que faz com que o nosso país seja particularmente corrupto? As razões e as causas são muitas e variadas. A
pobreza, com certeza. A pequenez da economia, a
pouca riqueza, a miséria do património, a falta de recursos naturais, o parco
produto nacional e a falta de capacidade criativa ajudam. A
hegemonia católica e o mecanismo do perdão também. A ausência de reforma
protestante sem dúvida. A centralização do Estado e o dirigismo de certeza. O
analfabetismo e a falta de formação profissional sem dúvida. A ganância de
empresários e de funcionários dá o seu contributo. A velha tradição de pilhagem formou jeito
e gentes. Algum colonialismo também. O incentivo ao expediente e ao improviso
foi outra constante da história. A justiça ineficaz, as leis insuficientes e os
castigos brandos ajudam. Serão
precisos manuais e tratados para descrever as causas, as influências e a evolução.
Mas não duvidemos: é enorme a corrupção. E saber que talvez haja, segundo as classificações
usuais, países mais corruptos do que o nosso, não ajuda nem consola.
Difícil
é pensar o grau de cumplicidade social ou perceber a influência do ambiente e
dos costumes. Na verdade, pode admitir-se que a sociedade portuguesa é
conivente ou pelo menos complacente com a corrupção. Muita gente
protesta e muitos reclamam contra “eles” (que são todos iguais, uns aldrabões
ou trafulhas…), mas nem sempre se passa à acção concreta e ao combate. Nem
sequer à denúncia. Não faltam justicialistas e declarações solenes sobre a
“limpeza” necessária e as “vassouradas” que se impõem. Mas é diminuta a
iniciativa e ineficiente a acção.
Há de facto falta de vontade de combater a corrupção. Há áreas em que a corrupção moral é aceite e legal,
não sendo, pois, considerada corrupção. A população é muito frenética a
considerar os corruptos, mas tolerante com grande parte dos mecanismos que
favorecem a corrupção. Os
portugueses são complacentes com a corrupção (mesmo quando a não praticam).
Muitos dos nossos habitantes corrompem e são beneficiados pela corrupção, o que
consideram uma condição de sobrevivência, uma necessidade ou até um mérito
talentoso. É como no futebol e na política: o que os nossos fazem tem sempre
perdão, os outros nunca.
O pior da corrupção é a convicção de que a legitimidade democrática,
a que se obtém através do voto, dá direito a tudo! Ora, a
legitimidade, sendo excelente, não dá para tudo! Não dá para nomear amigos,
familiares e membros do partido. Para decidir a favor dos seus eleitores e dos
seus clientes. Para preferir em concurso ou em adjudicação directa os seus
correligionários. Para censurar ou calar os seus adversários. Para dominar os
meios de informação. Para prejudicar os rivais e as minorias. Para liquidar os
vencidos em eleições. A legitimidade democrática não confere direito de vida e
de morte sobre a população, os adversários e as instituições. A legitimidade
tem limites, como sejam a moral, o Estado de direito, as minorias e as
instituições.
Nomeações de correligionários e
camaradas, escolhas de familiares e amigos, autorizações discricionárias,
adjudicações directas, favores especiais concedidos a autarquias amigas,
preenchimento de cargos e estruturas por intermédio da “confiança política”,
recurso a esta e à filiação partidária para designações e nomeações são
fenómenos que muitos consideram necessários e inerentes à legitimidade
democrática. “Vamos nomear os nossos…!”, é a ideia dominante em muitos partidos
e aceite por muita gente. Como é também o eufemismo mais descarado ou a
liturgia mais envergonhada.
Como
causa da corrupção, a legitimidade democrática tem exemplos.
E antepassados. Também o nacionalismo, a aristocracia, o Estado, a Igreja, a classe
ou o partido foram ou são desculpa e pretexto para favores, cunhas, nomeações e
nepotismo. Por isso, é essencial a independência da Justiça,
desde que esta se distancie das doutrinas políticas.
Sociólogo
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OPINIÃO
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COMENTÁRIOS:
Duarte Cabral EXPERIENTE: Com todo o respeito; enumerou
muitas causas da corrupção mas ignora a principal: a falta de cultura cívica da
população. (respeito das regras sociais e respeito do outro). O nexo, a ligação
da falta de educação/cultura cívica da população e corrupção "é
gritante". Como é possível ignorar isso? Tudo deriva daí. Absolutamente
tudo! Do funcionamento da justiça (absolutamente crucial a este sujeito), todas
as instituições politicas, públicas e privadas e da sociedade... Tente
encontrar uma característica comum a todos os países menos corruptos do mundo.
Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Suíça, Singapura? Outro aspecto
que não mencionou é o empobrecimento geral da população em detrimento de uma
pequenina elite. Todos sabemos podemos mencionar dezenas de exemplos a esse assunto. Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE: A visão garantista do “ónus da prova “ só anima a
rapaziada em continuar a roubar. Enquanto o poder político continuar a
beneficiar os corruptos com esta visão garantista, não vale a pena perder mais
tempo com o assunto. Na corrupção económico-financeira, o ónus da prova, não me
protege a mim, nem a si nem os 99,99999 % dos Portugueses, mas sim e
unicamente, aqueles que em três a cinco ficaram muito ricos. Enquanto o poder
político, não quiser, repito, quiser, perceber isto, continuamos a ser
roubados. É só os políticos legislarem que única e exclusivamente para os casos
de crimes económico financeiros poder-se-ia , excepcionalmente, abrir-se a
possibilidade de inversão do ónus da prova. Bastava esta medida constitucional
entrar em vigor para que está impunidade acabasse. Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE: “Com a ditadura, fica-me o desespero de não ser livre e
de não poder lutar contra a corrupção.” Ao ler esta sua frase, parece-me que
vivemos numa ditadura dos novos tempos. Andreia Cardoso INICIANTE: Texto fabuloso, e na minha opinião muito assertivo.
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