Um texto bem rancoroso, este de
Paulo Rangel,
sobre o desgaste do governo, acreditando que um outro conserto é possível. Nunca
me esquecerei da dedicatória desse livro que me ofereceram um dia – “Por quem os sinos dobram”,
de E. Hemingway: “Os sinos também dobram por ti, porque eles
dobram pela Humanidade”. Fiquei prostrada, na altura, era jovem e
suficientemente amante da vida e dos seres que me faziam feliz, ainda não
tocada pelas agruras que tombariam necessariamente sobre mim, como sujeito
humano, mas respondi com alegria irónica à provocação de “arrufo de namorados”.
Tudo isto, para contestar este texto de Paulo Rangel, que me parece demasiado “assanhado”
contra um governo a perder credibilidade, e afinal apenas momentaneamente
desgastado, talvez, pela tragédia envolvente de uma covid suficientemente
poderosa e desconhecida para causar perplexidades e desacertos. O governo estará
desorientado, mas é coisa passageira, outro qualquer o estaria, talvez, nas
mesmas condições, a sugestão final do texto de Rangel de mudança política, choca-me,
porque Rangel me
parece pessoa bem formada e incapaz de oportunismos tão vincados. Em meu
entender, que pouco vale, é certo, o PM pode estar desgastado, sujeito
a tanta pressão - os cabelos tão repentinamente embranquecidos o comprovam -
mas ele não perde a sua arrogância nem o saber virar-se, em voz melíflua, para
outros ajudantes das suas políticas de permanência, num país onde o sinos dobram,
dobram… e nós com eles.
OPINIÃO
Um Governo
desorientado, que já não sabe o que fazer
Ninguém
ignora ou subestima a complexidade da situação, mas a falta de foco, de
direcção e até de motivação do Governo não é mais disfarçável.
PAULO RANGEL
PÚBLICO, 27 de
Outubro de 2020
1. É verdade que a crise
sanitária e a crise económica que ela gerou são graves e sérias; mesmo muito
graves e muito sérias. Nos
momentos difíceis da vida dos povos, é fundamental que as lideranças políticas
e, em especial, aquelas que assumem funções governativas, estejam à altura das
responsabilidades. Infelizmente, desde o início do Verão, e a cada semana que
passa, torna-se patente que o Governo e o primeiro-ministro estão
profundamente desorientados, sem norte e sem rumo, sem verdadeiramente saberem
o que fazer ou, até pior, o que lhes compete fazer. O PS e o seu líder António
Costa mostram-se
claramente esgotados, em pura e simples navegação à vista, sem qualquer
capacidade para responder aos enormes reptos que lhes lança a difícil situação
do país. Basta olhar para o modo como têm “gerido” a crise
sanitária ou têm lidado com a matéria
orçamental para nos apercebermos do estado de desagregação a
que a governação do país chegou.
2. Comecemos pela
crise sanitária.
Logo em Junho e em Julho, tornaram-se amplamente visíveis os sinais de
desorientação. Primeiro, a euforia despropositada com a organização das finais da Champions
em Lisboa.
Independentemente do acerto da decisão, o modo como o Governo quis
“capitalizar” a iniciativa era já altamente revelador da falta de consciência e
de noção dos tempos que atravessávamos e dos riscos associados. Depois, e
seguramente mais séria, foi a desvalorização durante semanas sucessivas de Junho
dos aumentos de casos então verificados à volta de Lisboa. Quis-se ignorar, depois
relativizar, até finalmente ter de se reconhecer que havia mesmo um problema e
que era preciso enfrentá-lo.
Pelo meio, ficou também o coro “patriótico” sobre o fecho injusto de
corredores turísticos e a perseguição a Portugal, que, valha a verdade, não
tinha nenhuma razão de ser. Finalmente, houve um relaxe total quanto à
preparação do Outono e da segunda vaga que muitos prognosticavam já como
francamente provável. Atente-se na preparação tardia da
reabertura imprescindível do ano lectivo em regime presencial. Atente-se ainda na forma como se desconsiderou
a necessidade de organizar equipas para rastreio dos surtos e das cadeias de
transmissão. Nada se fez durante meses a esse respeito, quando essa
precaução teria sido decisiva para evitar ou, ao menos, tentar evitar a
reprodução exponencial de casos a que estamos a assistir. Já para não falar nas
medidas – incluindo de recrutamento de pessoal – que as instâncias
representativas dos profissionais de saúde se fartaram de recomendar. É
suficiente a menção à carta dos bastonários da Ordem dos Médicos para perceber o alcance do que estava em
jogo.
3. Como se isto não bastasse, o Governo e a
Direcção-Geral de Saúde usaram e abusaram dos duplos critérios e dos
paradoxos em que já tinham sido useiros e vezeiros na primeira vaga. Eventos de grande envergadura, em pleno
crescimento do número de infecções, são generosamente permitidos; as regras
ditadas ao cidadão comum são francamente restritivas. As celebrações
de Fátima de 13 de Outubro e agora, muito mais escandalosamente, o Grande Prémio
de Fórmula Um são exemplos claros de mensagens ambivalentes.
Insisto no que aqui disse para a Festa do Avante!: mesmo que toda a segurança estivesse
garantida, há uma questão de coerência da mensagem e de respeito pelo
sacrifício de todos que deve prevalecer. Desde o início que defendo a
abertura e o funcionamento gradualmente mais activo com regras de bom senso e de prudência. Mas é
indispensável não enviar sinais equívocos ou errados. Uma coisa é garantir,
até ao limite do possível, o normal funcionamento do ano escolar; outra, é
incentivar grandes eventos desportivos. Uma coisa é a abertura cautelosa,
muito comedida e com todas as garantias de segurança de espectáculos culturais
e desportivos; outra é a autorização de grandes casamentos e festas privadas,
em que a possibilidade de fiscalização e até de auto-controlo é diminuta.
Também neste domínio, que é crucial para a redução do crescimento das infecções
e igualmente decisivo no plano simbólico, o Governo tem falhado repetidamente e
sem emenda.
Por mais conferências de imprensa que organize a ministra da Saúde e
por mais entrevistas diárias a que se entregue o primeiro-ministro, torna-se
cada vez mais claro que o Governo está perdido, que não sabe como actuar.
Ninguém ignora ou subestima a complexidade da situação, mas a falta de foco,
de direcção e até de motivação do Governo não é mais disfarçável.
4. A degradação da capacidade de liderança e de
resposta do Governo documenta-se ainda na rábula que tem encenado em torno
do Orçamento. A troca de
acusações entre o Governo e o Bloco de Esquerda, numa altura como aquela que estamos a viver,
é da ordem do lamentável. As manobras tácticas e as constantes declarações,
incluindo do primeiro-ministro, de passa-culpas revelam uma forte
“descolagem” da realidade. Enquanto os portugueses olham com grande apreensão
para a situação económica, com o aumento do desemprego, o fecho de empresas e
uma redução generalizada da actividade, Governo e Bloco entretêm-se em guerras
de alecrim e manjerona. Não haja dúvidas de que o Governo e Costa escolheram
muito consciente e até arrogantemente o seu caminho. Mas essa escolha e o modo
como a levam avante traduzem também o grau de desgaste, de cansaço e de
exaustão a que chegou a solução política protagonizada por António Costa.
Quem o viu no domingo a comentar os resultados eleitorais nos Açores não pode
ter ilusões: mesmo que não tenha disso viva consciência, o Governo já lançou a
toalha ao chão.
5. Ora, um país, numa hora tão grave como esta,
carece de uma liderança firme, de um projecto consistente, de uma entrega
mobilizada. Não de conformismo gasto, não de falta de paciência e de
determinação, não de ausência de motivação e de abnegação. Os sinos dobram;
para grandes males, só grandes remédios.
SIM. José Manuel Bolieiro. Na liderança do PSD, foi o grande vencedor das
eleições nos Açores. Credível, firme na oposição, sereno contra a demagogia,
resistiu ao “abafamento socialista” e a ataques ignóbeis de carácter. É a voz e
o rosto do futuro.
SIM. Papa Francisco. As palavras sobre a aspiração familiar dos
homossexuais têm o sentido profético de denúncia do sofrimento e de
reconhecimento. Mais do que magistério, tradição ou doutrina, privilegia, na
linha cristã das origens, a profecia da palavra e do exemplo.
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COMENTÁRIOS
Mário
Areias INICIANTE: Só não estou de
acordo consigo porque o governo está desorientado desde o 1º dia que se assumiu
como governo. Basta ver como o país se tem atrasado face aos restantes da UE. A
nossa sorte é que o governo cai para o ano senão até a Grécia nos passava à
frente.
Joao2 MODERADOR: "As celebrações de
Fátima de 13 de Outubro e agora, muito mais escandalosamente, o Grande Prémio de Fórmula Um são exemplos claros de
mensagens ambivalentes. Insisto no que aqui disse para a Festa do
Avante!:" -> Totalmente de acordo. Se é um facto que a economia não
aguenta novo confinamento, então não atiremos mais achas para a fogueira.
Adolfo-Dias EXPERIENTE: Quanto mais a
crise aperta, mais lúcidos ficam os artigos de Paulo Rangel.
Miguel Leitão 77 INICIANTE: Estou de acordo
com todos os pontos aqui descritos, excepto o do fraco recrutamento de
profissionais de saúde. Basta ler a crónica de António Barreto neste jornal com
números da Pordata. Faltou referir que NADA foi feito para estimular a economia
privada, NADA! O layoff foi apenas um garrote. O fosso entre público e privado
é gigante e não antecipa um bom futuro.
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