Os últimos são os primeiros, com uns
aumentozitos reles mas, como há muitos nessa categoria, formam uma fatia
extraordinária do OE, e, é claro, o Governo cede a custo, embora nem lhe custe nada,
para ter garantido o resto da distribuição pelos que vêm no fim – os últimos da
lista, a contar no inverso, que são, afinal, os primeiros, que são eles, os do
governo e os que com eles se ligam, talvez, com a amizade habitual dos do
governo, antes de serem despedidos por razões que o governo não explica. Não se
fala em projectos rentáveis para o país, ou, se os houver, logo surge quem se
aproveite disso, dos que fazem parte dos bandos utilizadores desses dinheiros
para as empresas. De resto, o BE e o PCP nem são muito apologistas do estímulo
ao fortalecimento das grandes empresas, no nivelamento social como propõem, que
é o seu ponto de partida de fraternidade, igualdade e o resto. Para eles,
trata-se de distribuição pelos que podem menos, venha o dinheiro de onde vier,
dos empréstimos de fora, ou de dentro, tanto faz. Trabalhar para enriquecer –
mesmo que seja o país que enriqueça com o trabalho, para não andarmos sempre
nesta pecha do endividamento, não, que a riqueza está fora das normas divinas,
pois Jesus sempre falou com amor dos pobrezinhos, devíamos ser todos médios, ou
seja, de mediania, mesmo os que mais se esforçam, sim, senhor: Igualdade,
Fraternidade, Solidariedade, é coisa de que se não prescinde nos discursos,
embora eu duvide que os BEs e C.ia queiram prescindir do que ganham a mais em
favor desses que ganham tão pouco. O governo que pague, pois tem a faca e o
queijo na mão, ou seja: a faca, sim, dele, governo; o queijo, venha ele donde
vier, sem que nos sintamos obrigados a pagar a dívida, pelo menos esses da
esquerda parece que não se sentem. O que envergonha enormemente os muitos que
por cá há que ainda coram, não só de vergonha como de cólera, por sermos tão
devedores sempre, quais criancinhas de colo, a exigir protecção. É fartar,
vilanagem! Distribuam-se as lecas que não ganhámos. Nem ganharemos nunca.
Orçamento entregue. E agora? O braço de
ferro à esquerda, ponto por ponto /premium
Pensões, salários e, claro, Novo
Banco. Há muita areia na engrenagem da renascida "geringonça" e os
parceiros não se entendem: BE mantém drama, Governo acena com estupefação e PCP
recusa "birras".
RITA DINIS MIGUEL SANTOS CARRAPATOSO
OBSERVADOR, 13 out 2020
Em plena crise económica e social, Governo e Bloco de Esquerda entregaram-se ao jogo do empurra: os primeiros dizem
não perceber como é que os segundos estão a criar obstáculos à aprovação de um
Orçamento do Estado que oferece tantas respostas no plano social; os segundos
atiram-se aos primeiros por estarem a responder com uma fisga quando têm uma
bazuca à disposição. Chantagem para lá, chantagem para cá, o PCP entrou
definitivamente na roda. Discreto, já vai mostrando alguns triunfos e recusa
entrar em ultimatos ou “birras”. Mas mantém o tom duro para socialista ouvir:
“Orçamento é claramente insuficiente“, vai
avisando Jerónimo de Sousa ao mesmo
tempo que salvaguarda: “Mas reconheço que houve um esforço de
aproximação”.
Catarina Martins é que não está para mas, nem meio mas. Ou assim
parece. “Não podemos responder a um tsunami com botes de borracha”. O tsunami é a crise, e as medidas do Governo que
constam do Orçamento do Estado para responder são, no entender do Bloco de
Esquerda, apenas barcos de borracha. O Bloco tem dito que quer mais — e
sobretudo que não quer apenas medidas de “propaganda” — antes decisões que
mexam de facto na vida dos portugueses.
A
dramatização está nos píncaros e começou logo na manhã desta segunda-feira com Catarina
Martins a admitir, em entrevista à Antena 1,
que se o Orçamento ficar tal como está o Bloco não o viabiliza. A menos que o Governo se comprometa publicamente com garantias
escritas de avanços nas matérias que considera matérias-chave.
Sempre há um ‘mas’.
O PCP
mantém-se esfíngico e a história
obriga a cautelas. Aliás,
parecia contada à partida e não estava. Depois do chumbo no Orçamento
Suplementar, depois das teses do partido,
em que a ‘geringonça’ era dada como morta e enterrada, em vésperas de
autárquicas… poucos acreditavam que o PCP estivesse sequer disposto a negociar
mais um Orçamento do Estado com António Costa. Mas os sinais foram chegando.
Primeiro pela voz dos próprios, depois a partir do interior do próprio Governo,
finalmente para a evidência de todos: o PCP tinha de ser considerado nas
negociações. Os comunistas traçaram 47 prioridades, mas, ao contrário do
Bloco de Esquerda, não traçaram linhas vermelhas invioláveis, nem ameaçaram com
chumbos. “São estilos. Cada qual é como cada um”, despachou Jerónimo de Sousa,
em entrevista ao “Polígrafo / SIC”, já na noite de segunda-feira. O balão do
drama parece muito longe de estar prestes a rebentar e o PCP avança para esta
segunda fase de negociações sem qualquer tipo de “birra”, como prometeu o
comunista. Nova bicada aos bloquistas? Jerónimo jurou que não, que respeita imenso
o Bloco. Até 28 de outubro, data em que o Orçamento será votado, é vindima.
E o Governo? Garante que está a atender às pretensões da
esquerda — Bloco incluído — e acena com medidas que, à primeira vista, vão ao
encontro do que os parceiros queriam. Mais do que em Orçamentos anteriores,
jura-se. Duarte
Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares, veio logo dizer que o governo está com “disponibilidade total”
para continuar as negociações, prevendo reuniões depois da entrega do OE e até
à votação na generalidade como sempre fez.
Afinal,
em que ficamos? Que medidas inscreveu o Governo no Orçamento para ir ao
encontro à esquerda, e que medidas a esquerda diz que ainda estão por
responder? Os triunfos e os dossiês em aberto, ponto por ponto.
Suspensão da caducidade dos contratos
colectivos de trabalho
É
talvez a maior conquista do PCP nestas negociações: as
empresas passam a estar impedidas de rasgar contratos coletivos de trabalho
durante dois anos. Apesar de
não responder ao objectivo último do PCP — que defende há muito o fim do princípio
da caducidade — o facto de o Governo ter aumentado de 18 para 24 meses esta
moratória, terá ajudado a desbloquear o processo.
Aumento das Pensões
Tal
como em anos anteriores, o PCP queria
que entrasse em vigor já em Janeiro do próximo ano — em ano de autárquicas, o Governo quer atirar para Agosto — e que se estendesse a pensões mais baixas —
aquelas que foram actualizadas durante o Governo de Pedro Passos Coelho e que
só terão direito a um aumento de seis euros.
Na
mesma entrevista ao “Polígrafo / SIC”, esse foi, precisamente, um dos pontos
assinalados como negativos pelo secretário-geral comunista. O PCP não
vai deixar de tentar inverter o caminho escolhido pelo Governo e em anos
anteriores este foi um osso muito duro de roer.
Gratuitidade das Creches
Era
outra das pretensões antigas do PCP e apesar de poder haver negociações neste
capítulo, o Governo já se comprometeu com a gratuitidade da creche às
famílias do 1.º escalão de rendimentos e às famílias do 2.º escalão de
rendimentos, a partir do segundo filho era outra das pretensões antigas do PCP
que surge agora vertida na íntegra neste Orçamento.
Apoio extraordinário ao rendimento
dos trabalhadores
É
a famosa prestação social para quem perdeu emprego (ou teve quebra
significativa da actividade) durante a crise pandémica, que o BE estabeleceu
desde logo como prioridade. Durante as negociações foram feitos avanços, até
admitidos pelo próprio Bloco de Esquerda, mas a versão final da medida, que
terá um impacto orçamental entre 400 e 450 milhões de euros e abrangerá mais de
170 mil trabalhadores, fica aquém. A ideia é haver um valor de
referência que é o limiar da pobreza (501 euros), abaixo do qual ninguém pode
ficar. Mas a forma como o cálculo do apoio é
depois feito faz o BE concluir que “deixa muita gente de fora”.
O
Governo abrange nesta medida não só trabalhadores por conta de outrem como
trabalhadores independentes que estejam sem protecção no desemprego e
trabalhadores domésticos, sendo que os que ficaram sem nada vão receber o apoio
durante um ano e os que tiveram quebra de rendimento de pelo menos 40% vão ter
o apoio durante seis meses.
Segundo Catarina Martins, contudo,
ficou-se a perceber que em alguns casos a famosa prestação social não é mais
do que “um apoio extraordinário de 6 meses” que faz com que alguns
trabalhadores passem a “receber menos do que estiveram a receber ao longo deste
ano para fazer face à quebra de actividade”. O cálculo está sujeito a
condição de recursos e depende da composição do agregado familiar.
Salário mínimo nacional
O
Governo comprometeu-se com um aumento em linha com o aumento médio dos últimos
anos (mantendo-se a meta de 750 euros em 2023). Isto faz com que o aumento seja de cerca de 23,75
euros, e não os 35 euros que foram aumentados no ano passado e que o BE
entendia ser o mínimo aceitável para
não dar sinais contraditórios sobre a necessidade de animar a economia através
de aumento do rendimento disponível e do poder de compra dos portugueses.
Este
é talvez o dossiê onde socialistas e comunistas estão mais distantes. O PCP defende há muito um aumento do salário mínimo para
850 euros, mas o Governo já
fez saber, várias vezes, que não está disposto a ir além dos 750 euros até ao
final da legislatura. Compromisso
que mantém, nem mais, nem menos.
Os
comunistas entendem ainda que os salários dos trabalhadores da Administração
Pública deviam ser aumentados, objectivo que esbarra nas intenções do Governo,
que até tinha prometido aumentos salariais de 1% em 2021. A ordem foi para
travar. Mas não será por aqui que o PCP travará as negociações com o PS.
Majoração do subsídio de desemprego
O
valor mínimo do subsídio de desemprego vai ser majorado para um montante acima
do limiar de pobreza, a título definitivo, para os trabalhadores que recebiam
pelo menos o salário mínimo.
Era uma das questões que estava em cima da mesa das conversas com o BE, que
entendia que a nova prestação social (não contributiva) não podia ser em alguns
casos superior ao subsídio de desemprego (contributivo), daí o governo ter
feito esta majoração. É uma medida que pode ser entendida como fruto das
negociações com o BE.
Mesmo
reconhecendo que o Governo se prepara para fixar um aumento do subsídio mínimo
de desemprego para os 505 euros,
acima do limiar de pobreza, o PCP entende
que os critérios de atribuição desta prestação social deviam ser alargados. E
promete bater-se por isso.
Grandes
empresas com lucro proibidas de despedir sob pena de perderem benefícios
fiscais
O
máximo que o Governo chegou no sentido de dar resposta ao BE nesta matéria da
protecção do emprego foi a medida que diz que “as grandes empresas que tenham lucros em 2020
deverão manter ao longo de 2021 o mesmo nível de emprego que têm actualmente,
sob pena de perderem acesso a incentivos fiscais e às linhas de crédito com garantia
pública”.
Uma
vez, o Bloco diz que se trata apenas de um “anúncio” de medida e não de uma
medida concreta que mexa de facto na vida dos portugueses, uma vez que isto
atinge apenas as grandes empresas e não impede as empresas (com lucro ou com
apoios do Estado à criação de emprego) de usar o velho truque de não renovar os
contratos a prazo como alternativa ao despedimento (além de que o Governo
também não limita os contratos a prazo).
O
PCP também se bateu sempre pela proibição de despedimentos nestas
circunstâncias. Mas, tal como o Bloco de Esquerda, terá de se contentar,
para já, com a medida desenhada pelo Governo.
Reforço
do SNS
Mais
4200 profissionais, mais 260 no INEM. O Governo acaba com a subcontratação
de empresas de trabalho temporário e substitui-as pela contratação
efectiva de profissionais de saúde e compromete-se a cumpriras metas de
contratação fixadas no OE 2020: mais 4200 profissionais de saúde “permitindo
assim cumprir o compromisso de reforçar os recursos humanos do SNS em 840
profissionais entre 2020 e 2021”.
Para
o BE, contudo, é mais uma medida de apenas “propaganda” no sentido em
que esse já era o compromisso firmado no ano passado durante a preparação do OE
2020 — e no meio houve uma pandemia, logo, aumentaram as necessidades do SNS. É
preciso mais médicos, e melhores condições para os médicos, insiste o BE, que
lembra que as necessidades que havia em 2019 para o SNS já não são as mesmas no
dia de hoje. O reforço anunciado nas contratações do INEM, contudo, é saudado
pelo BE, na medida em que corresponde às necessidades identificadas pelo
próprio INEM: mais 260 profissionais. No campo da saúde, o Governo acaba ainda
com as taxas moderadoras em exames complementares de diagnóstico e terapêutica
nos cuidados de saúde primários, uma medida que também já estava estipulada no
OE 2020.
Subsídio
de risco para profissionais de saúde
Era uma das prioridades do BE, mas,
pela forma como está escrita no OE, o partido vê apenas como mais uma medida
proclamatória e de propaganda, que adensa mais a tensão entre os profissionais
de saúde do que funciona como prémio aos médicos e enfermeiros da linha da
frente. Em causa
está um subsídio que corresponde a 20% da remuneração base mensal do
profissional de saúde (nunca superior a 219 euros), pago de dois em dois meses,
mas que abrange apenas profissionais de saúde “que pratiquem actos directamente
e maioritariamente relacionados com pessoas suspeitas e doentes infectados com
a doença COVID-19, de forma permanente, e em serviços ou áreas dedicadas”.
No
entender do BE, a
“generalidade dos profissionais das urgências, que recebem doentes Covid e não
Covid, vai ficar de fora”. “Isto vai criar uma tensão entre os profissionais de
saúde que é inaceitável”.
Para
o PCP, a proposta também não chega. O Governo cedeu às
pretensões da esquerda, mas os comunistas não compreendem como é que este apoio
não é alargado às forças de segurança.
“Há
um esquecimento total”, denunciou Jerónimo de Sousa, já depois de o deputado comunista Duarte Alves ter
sugerido que, tal como está desenhada, a proposta tinha um “alcance muito
limitado”.
Subsídio
de Insalubridade
Outra
bandeira antiga do PCP a que o Governo respondeu em parte. Os socialistas comprometeram-se a concretizar a
aplicação de um suplemento de insalubridade e penosidade para os trabalhadores
das autarquias nos sectores da higiene urbana e saneamento, mas os comunistas
sempre defenderam que esse subsídio se aplicasse também aos trabalhadores da
Administração Central.
Contratação de mais 60 inspectores
para a ACT
O
Governo vai contratar mais 60 inspectores para reforçar a capacidade de
fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho. É uma medida
de combate à precariedade laboral mas é uma migalha no leque de reversões de
medidas laborais que o Bloco de Esquerda queria implementar e que o Governo não
chegou a meio caminho. No campo das leis laborais é onde o Bloco de Esquerda
considera que o Governo menos se aproximou das linhas vermelhas que tinha
traçado: a reposição do valor da indemnização por despedimento de 30
dias por cada mês de trabalho (em vez dos atuais 12 dias); o fim do alargamento
do período experimental de trabalho, que fez com que muitas pessoas fossem para
casa sem nada porque estavam no período experimental e não deviam; e a
proibição dos despedimentos nas empresas com lucro. Tudo matérias onde o BE
garante que o Governo não deu resposta e que “desde o primeiro dia” o BE
considera fundamentais.
Novo Banco: o óbice do Orçamento
É o grande impasse na negociação do
Governo com o BE. O Governo
comprometeu-se a não injectar “nem mais um cêntimo do OE” no Novo Banco e, de
facto, não aparece no documento nenhuma referência ao Novo Banco. Havia, sim,
uma previsão de verba para o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, mas
tratava-se de um “lapso” que foi corrigido entretanto numa nota do Ministério
das Finanças: a verba era afinal para a CP. E zero para o Novo Banco. O
Governo tem dito que o empréstimo ao Fundo de Resolução será feito pela banca,
e assim se deve manter. Em todo o caso, o que o BE não aceita é que o Fundo de
Resolução mantenha o compromisso com a Lone Star (compradora do Novo Banco) sem
que antes seja feita uma auditoria independente ao processo de venda para ver
se o dinheiro que falta injectar é devido ou não. E isso pode ser visto no
Orçamento do Estado se lá estiver alguma autorização de despesa do Fundo de
Resolução para o Novo Banco. E é isso que o BE não aceita: se o empréstimo,
mesmo que venha dos bancos privados, passar pelo Fundo de Resolução “quem paga
são os contribuintes”, disse Catarina Martins.
Só atendidas estas exigências é que o
BE consideraria que o país estava preparado para enfrentar o tsunami que aí vem. Na tarde desta segunda-feira, no Parlamento,
Mariana Mortágua deixava
claro que só atendendo a 4 destas questões é que o BE viabilizaria o
documento. “É tão importante hoje como era há três meses como vai ser daqui
a três meses impedir e dificultar despedimentos. É mais importante hoje
e vai ser mais importante daqui a seis meses ter condições para os médicos
ficarem no SNS, será certamente cada vez mais importante sermos muito
exigentes com o dinheiro dos contribuintes que vai para o Novo Banco e ter uma
prestação social que responda à pobreza. Repetimos as mesmas propostas
que colocámos em cima da mesa ao Governo, o país conhece-as, são públicas e as
mesmas desde o início”, disse. Ou seja, as linhas vermelhas são estas, como
eram estas há três meses quando começaram as negociações.
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