sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O desassombro erudito de Jaime Nogueira Pinto

 

Se a Igreja, ou seja, o clero, com todos os seus representantes, não se revê nesta ponderada lição de História de um defensor daquela, destemido e sábio e tão formidavelmente esclarecedor – Jaime Nogueira Pinto – e não se vai esforçar por sair do casulo de apatia e indiferença – talvez sublinhada por ajudas de custo propícias ao cerrar de olhos astuto mas cobarde - usando algum do seu prestígio ainda para recuperar um discurso politicamente mais activo, mau grado – ou por efeito de - uma pseudodemocracia vigente, de envilecimento e gradual perda de princípios básicos sobre valores que se desejariam eternos, e cuja destruição através de tantas malfeitorias estabelecidas em novos ditames políticos e sociais, que Jaime Nogueira Pinto não deixa de referir, corajosamente incriminando-os - então é porque a Igreja segue uma rota habitual de discurso bíblico ou católico, sem mais se preocupar com outros parâmetros formativos e educativos de menor soltura como os que vão sendo instilados na sociedade nova. Se Marcelo Rebelo de Sousa, sem qualquer pudor, finge não ler este exemplar de crónica, como faz com muitas mais que o desprestigiam, por conta das suas imbecilidades inalteradas ao longo dos anos, apesar das críticas, e não toma mais consciência do atoleiro por onde resvalamos, sendo ele, afinal, uma pessoa de bem, se este texto permanece obscuro ou for riscado, em suma, em mesa censória ou estupidamente ignara, dos muitos que poderiam “tomar armas e não o fazem”, também por cobardia ou conveniência própria, então é porque somos mesmo um povo de medrosos, só capazes de reagir em caso de palhaçada grevista – já que, para faltar ao trabalho estamos sempre prontos. Mas direi também, como a maioria dos comentadores: Muito obrigada, JNP.

Mas porque se fica só pela escrita?

 

Dos Fiéis Defuntos ao “Luto Nacional”/premium

Com a Covid 19 e as necessidades de confinamento, quem decide aproveitou para dar mais um passo nas discriminações contra os cristãos.

JAIME NOGUEIRA PINTO

PÚBLICO, 30 out 2020

«Proudhon tinha razão escrevendo: Deus é o mal. Laplace tanto ou mais tinha razão ainda, escrevendo também: a hipótese de Deus é inútil. Mas, acima de todos, a apóstrofe exacta, indispensável, urgente de realizar, vibrou-a Bakunine: “Deus! Mas é preciso suprimi-lo.”»

O autor destas palavras foi um dos chamados “vultos republicanos”, de seu nome Fernão Botto Machado. Quem folheie o Almanaque Republicano e dê com ele, de jaquetão e bigodes retorcidos, mais depressa dirá estar perante um galã da Vizinha do Lado, de André Brun, que de um ferrabrás do ateísmo. Mas engana-se.

Nascido em 1865, autodidacta (não fez exame da instrução primária), Botto Machado entrou para a Maçonaria em 1893, na Loja “Cavalheiros da Verdade” e circulou depois por outras Lojas com nomes igualmente ambiciosos em termos programáticos, como a “Renascença” e a “Razão Triunfante”. De resto, grande parte dos dirigentes republicanos de há 90 anos, quando proclamaram a Primeira República, pertencia à Maçonaria. Eram maçons os dois líderes desaparecidos nas vésperas da vitória, Cândido dos Reis e Miguel Bombarda; era maçon Machado Santos, o herói da Rotunda; eram maçons Bernardino Machado, Sebastião de Magalhães Lima, Afonso Costa e António José de Almeida. E todos tinham expressivos nomes de guerra – Afonso Costa, por exemplo, era “Platão”.

Para a maçonaria francesa do Grande Oriente, a versão dominante e triunfante em Portugal, a Igreja era o inimigo a abater, devendo os maçons, amantes da Razão, da Ciência e do Progresso, seguir o conselho do irmão Voltaire, iniciado na loja das Nove Irmãs de Paris, e “Écrasez l’Infâme”. Além das questões teológicas de fundo, não seria, pois, de estranhar que sucessivos papas e encíclicas condenassem a Maçonaria e proibissem aos católicos qualquer filiação maçónica.

A primeira vez que os maçons tiveram verdadeiro poder temporal foi com a Revolução Francesa. Então, milhares de sacerdotes e religiosos foram mortos. E como os camponeses vendeanos, católicos, monárquicos e fiéis à pequena nobreza local, estragavam o cenário revolucionário (saindo da categoria de “sábio povo em armas pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e entrando directamente na de “deplorável povo ignaro”), a “Razão, a Ciência e o Progresso” ditaram o genocídio.

Em França, este anticlericalismo activo marcou, depois, a modalidade revolucionária da Comuna de Paris, que fuzilou vinte e quatro eclesiásticos, entre eles o Arcebispo de Paris, Monsenhor Darboy. E políticos da época, como Jules Ferry e Léon Gambetta, não deixaram de perseguir as ordens religiosas, de prender padres e, sobretudo, de lançar as mais absurdas calúnias sobre a Igreja.

Em Portugal, em 1910, os activistas mais zelosos entre os correligionários de Botto Machado, não podendo matar Deus – invisível mesmo ao olho vivo da Loja –, liquidaram dois padres Lazaristas, o Padre Bernardino Barros Gomes, ilustre cientista botânico, e o Padre Alfredo Fragues, confessor da Rainha, morto à coronhada e a tiro.

Seguiram-se a expulsão dos Jesuítas (após científicas medições cranianas indiciadoras de anomalias anatómicas que sinalizavam inequívocas tendências criminais) e uma série de medidas laicizantes, como o fim dos feriados religiosos. O Natal, mais difícil de abolir, foi esvaziado e reformulado como “Festa da Família Portuguesa”.

E como era também necessário higienizar a História, o Primeiro de Janeiro passou a Dia da Fraternidade Universal e o 31 de Janeiro a Dia dos Precursores e Mártires da República. O Primeiro de Dezembro escapou como feriado, mas deixou de ser Dia da Restauração para passar a ser, mais correctamente, o Dia da Autonomia da Pátria Portuguesa. Deu-se também o habitual saneamento da toponímia e multiplicaram-se os nomes de ruas e praças 5 de Outubro e República, como, décadas depois, as 25 de Abril.

As esquerdas (liberais maçonizantes, anarco-progressistas e comunistas) promoveram, em todas as revoluções do século XX, uma encarniçada perseguição à Igreja e aos cristãos, prendendo, torturando e matando padres, religiosos e leigos – na Revolução Bolchevique, na Revolução Mexicana, nos regimes comunistas implantados na Europa Oriental, na China, no Vietname e em Espanha, na Guerra Civil, onde os frente-populistas mataram mais de sete mil bispos, padres, religiosos e freiras, e milhares de católicos, apenas por o serem. Mais que Diocleciano, que não fora meigo com os seguidores de Cristo. Tal como os primeiros séculos da Era Cristã até Constantino, o século XX foi também um século de mártires.

Mas porque se tornaram impossíveis as revoluções bolcheviques – com o ataque armado e a ocupação das centrais telefónicas, das estações de comboios, dos Palácios de Inverno –, e porque Lenine e a sua teoria da revolução foram sendo, no ocidente euroamericano, substituídos por Gramsci e pelas revoluções culturais, a guerra à Igreja, às Igrejas cristãs e a toda a transcendência monoteísta (cristã, judaica ou islâmica) foi mudando de forma.

Hoje já não se trata de expulsar ordens religiosas, de matar padres, de queimar igrejas, como fizeram os democráticos de Afonso Costa em 1910 ou os frente-populistas madrilenos na Primavera de 1936. Trata-se de descristianizar a sociedade mansamente, em suaves prestações, de modo politicamente correcto, indolor, através de leis passadas com ar inocente e distraído, como grandes conquistas da liberdade e do progresso ou já nem isso.

O que se está a fazer entre nós é uma progressiva e estratégica descaracterização da sociedade para cumprir agendas radicais internacionais, através de leis pretensamente libertadoras, passadas “à candonga”, que vêm, não só descristianizando mas desnaturalizando o país: leis inspiradas nas mais delirantes quimeras que oferecem a possibilidade (financiada pelo Estado) de mudar o corpo e moldá-lo, com hormonas, mutilações e enxertos, ao género apetecido; leis que transformam o casamento, mesmo o casamento civil, num contrato entre dois seres, quaisquer que sejam, agora dois homens ou duas mulheres, qualquer dia, quem sabe que mais; leis contrárias à geração de vida numa sociedade que já está há muito com taxas negativas de reprodução; leis que são negociadas e passadas sem qualquer respeito pelo debate público, como a da Eutanásia, aprovada ignorando o parecer negativo da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Advogados, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, da Associação Portuguesa dos Cuidados Paliativos e um abaixo-assinado de cerca de cem mil cidadãos.

Leis que uma esquerda dita moderada, que aceita os pressupostos do capitalismo europeu, vai levianamente negociando por conveniência momentânea com os esquerdistas do marxismo cultural, perante a sonolência geral e acomodada dos que assistem tranquila e resignadamente a estas mudanças – talvez sem se aperceberem que são estas as mudanças que verdadeiramente importam.

Com a Covid 19 e as necessidades de confinamento, quem decide aproveitou para dar mais um passo nas discriminações contra os cristãos. Controles para a Páscoa, mas não para o 25 de Abril; para o 13 de Maio em Fátima, mas não para o 1º de Maio na Alameda; 27 mil pessoas com luz verde para acorrerem à Fórmula 1 em Portimão, mas proibição de deslocações para que os cristãos – e os não cristãos – possam visitar e honrar os seus mortos nos cemitérios no Dia de Fiéis Defuntos. Muitos não puderam sequer acompanhar os seus familiares e amigos mortos recentemente e os cemitérios são ao ar livre, com acessos que poderiam ser controlados com facilidade para evitar aglomerações, mas pouco importa.

Como todos os regimes que, no passado, quiseram regular e imprimir a sua marca nas coisas da Vida e da Morte, ainda que contra a liberdade, o sentimento e as convicções do “povo ignaro”, o poder político resolveu agora esvaziar uma celebração cristã, o Dia dos Fiéis Defuntos, e impedir uma prática enraizada, dando-nos magnanimamente em troca uma bandeira a meia-haste e um asséptico e socialmente distante “Dia de Luto Nacional por Todos os Falecidos, em Especial as Vítimas da Pandemia da Doença Covid-19”.

Mas o povo e a Igreja, por mais adormecidos que aparentemente estejam, têm acabado sempre por acordar. E por resistir.

RELIGIÃO    SOCIEDADE    CORONAVÍRUS    SAÚDE PÚBLICA   SAÚDE    CRISTIANISMO    FERIADOS    LIBERDADES

 

COMENTÁRIOS:

Maria M CB.:  Muito bom. Obrigada!       Gonçalo Pires:  Bravo, Jaime Nogueira Pinto, bravo!!!!!!: Clarisse Seca: JNP traça-nos uma realidade fiel do mal que as esquerdas radicais e radicalizadas, comunistas e neocomunistas nos querem impingir. Querem deturpar a nossa cultura, os nossos valores cristãos. Querem acabar com a nossa liberdade, aos pouquinhos, querem o contrôle total do Estado e querem empobrecer-nos para melhor nos dominarem. Maldita hora em que um perdedor de eleições, tudo usurpou em favor pessoal de salvar a face, para nos conduzir a este cozinhar o povo em lume brando, tal qual o sapo. É preciso que todos os Portugueses acordem urgente, para acabar com estes políticos em causa própria, antes que seja tarde. A própria constituição tem brechas que infelizmente permitem isso e até o próprio sistema semi-presidencialista contribuiu contra um governo ganhador de eleições, para nos trazer a este marasmo a que estamos sujeitos. Temos que acabar com este sistema político e destronar este Presidente já em Janeiro.     Eduardo Abreu Excelente diagnóstico da decadência da civilização ocidental, fundada sobre os valores judaico-cristãos.     Jorge Carvalho Obrigado Jaime Nogueira Pinto por esta excelente lição de História que nos dá. Sem a verdade eles são uns perdedores. Nada resiste à falta de ética! Cá estamos para empurrar esta gente!    JORGE PINTO Excelente! Obrigado! Deveria ser de leitura obrigatória na disciplina de Educação para a Cidadania!      Manuel Magalhães Mais uma vez a realidade descrita por JNP, só não vê quem não quer ou nem sequer tem inteligência para isso...      Domingas Coutinho: Excelente! Pena que o Presidente da República tão cristão, católico apostólico romano como diz ser, esteja também a ser manipulado e levado por esta orquestra contra, não só os nossos usos e costumes, mas também contra a nossa tradição católica. Não consigo perceber porquê. JORGE PINTO > Domingas Coutinho: Porque, acima de qualquer outra coisa, o pr é „addicted” em ser amado, muito especialmente pelos media e academia, ambas esquerdofilizadas. Tem absoluto pavor que ambas o detestem, por isso alinha e alinhará sempre com elas, custe o que custar, renegando o que tiver que renegar. Clarisse Seca > Domingas Coutinho Infelizmente enganou-nos. Parece um yes man do regime    Alberto Pereira Extraordinariamente bem escrito. Obrigado!   Carminda Damiao Excelente texto.    maria aurora: Pouco cristão é ver numa medida que também os defende um ataque. Bem haja a posição sensata, da cúpula ao simples crente, da Igreja Católica em Portugal! Pena alguns insistirem em não ouvir Francisco. Francisco Matos >  maria aurora Que dados tem para dizer isso? A ida ao cemitério não é feita aos magotes, por que então esta proibição?      josé maria > maria aurora Bem visto. JNP não resistiu mais uma vez em baixar de nível de intervenção depois de ter defendido o inenarrável Trump numa das suas anteriores crónicas.      Manuel Magalhães > josé maria O que é que tem a ver Trump com os fiéis defuntos, só uma mente completamente obsessiva e distorcida é que se lembraria de tal coisa... a propósito em ambas as crónicas dou inteira razão a JNP!!!     Rita Salgado Obrigada pelo texto!        ANTONIO MADUREIRA Concordo com tudo, menos com o ultimo parágrafo: de facto, os chefes da Igreja que infelizmente temos, a começar pelo Papa, não parecem estar à altura das circunstâncias. Parece salvar-se apenas o Pároco de S. Nicolau em Lisboa    Maria Alva Excelente. Muito pedagógica a síntese da actividade maçónica na Revolução Francesa e na implantação da República.       H Almeida Muito bom! Muito grato JNP.        Carlos Quartel Há, de facto, uma agenda, um ritmo, a famosa táctica do salame, uma fatia todos os dias, lenta, mas sem interrupção. Começou na linguagem, na lenta viragem em favor do crime e do desprezo pelo vítima, subtis trocas de palavras (género por sexo), passou pelo jovem em vez do ladrão, já entrou na escola com os tais lápis vermelhos por fora, mas azuis por dentro, do brinquedos, dos banhos e das retretes unissexo e não sabemos onde parará. Parece haver uma eminência que tudo controla, e há mesmo sinais curiosos como o apoio ao Islão, para enfraquecer Roma e a agenda dos costumes, para enfraquecer a família. Andará mesmo por aí Belzebu à solta ???        Mário Unas Carlos Quartel À solta e infiltrado na Igreja. Anda por ali um diabo que muito se afadiga para escorraçar Jesus e Maria de sua própria casa.        Paulo Alexandre Ateu > Carlos Quartel Anda, sim! Chama-se Deus e é venerado por milhões de pessoas acríticas, incapazes de ver como são injustas e criminosas as lógicas do dito cujo.     Maria Nunes Excelente. Obrigada JNP.    Adelino Lopes Penso que a vida está impregnada de ironias. Desde logo a “liberdade, igualdade e fraternidade” apregoadas pelos franceses ao mesmo tempo que condenaram (sem julgamento em tribunal) à morte (e outras prisões) milhares de cristãos. Reparem, nem o Salazar (que todos temos de condenar) conseguiu tal feito. Mas, pronto, o Salazar é que é o fascista mau de serviço. Os outros comunistas são bons. A tal ironia. Outra ironia dos nossos tempos tem a ver com a posição do nosso papa. Afinal o papa que se esforça para dar mais “progresso” e “fraternidade” à igreja, que se tem posicionado ideologicamente (muito criticável) a favor de muitos dirigentes progressistas, continua a ver a sua igreja a ser atacada pelos mesmos progressistas. Caso para dizer: é a vida. Ou não. De qualquer modo, é possível concluir por uma certeza: os progressistas actuais não defendem a liberdade, nem a igualdade, nem a fraternidade. E estão-se marimbando para “direitos”, ou o que quer que seja, que permita às pessoas alcançarem aqueles desideratos.     Paulo Alexandre : Ateu  > Adelino Lopes Lindo discurso! Pena é que V. Exa. seja adepto de um Hitler cósmico que assassinou todos os habitantes da cidade de Sodoma e que tirou a vida a todos os primogénitos do Egipto! Isso, sim, já é louvável e digno, certo?      Fernando Pité > Adelino Lopes Comparar Salazar com outros dirigentes fascistas, incluindo Franco de Espanha, é um disparate. Salazar sendo sem dúvida um ditador (e quem não tem de o ser quando tem de preservar a sua segurança e a unidade do EStado, foi de entre todos o melhor estadista. Mesmo que com alguns erros, com um Estado fraco, fez um jogo politico muito hábil, conservando a neutralidade da Península Ibérica, fazendo um jogo do "gato e do rato" com os beligerantes, livrando-nos de um conflito bélico de terríveis consequências, e ajudando a salvar milhares e judeus e outros, mesmo que tivesse de "bater o pé" aos que estavam em guerra.

 

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