segunda-feira, 12 de outubro de 2020

E a alegoria continua…

 

“Quero eu!” Assim responderam vários animais à Carochinha que se pôs à janela, a conselho da vizinha - depois de ter achado a moeda de cinco réis quando andava a varrer papéis, e de ter comprado as tais sedas, brincos, anéis, como a vizinha amiguinha lhe recomendara e de se ter posto bonitinha a interpelar os vários animais passantes, oferecendo-se para casar com algum dos bichos bué ávidos que todos a requestavam, assim fofinha. Mas ela a todos desdenhou, até que chegou o João Ratão, com quem casou. O pior foi o caldeirão que ficou a cozer feijão enquanto a Carochinha foi ao supermercado comprar as coisinhas do jantar. Em vez de descansar, como lhe aconselhara a doce Carochinha, depois das naturais trocas de doçuras matrimoniais prévias, João Ratão debruçou-se para apanhar um feijãozito, e “Zás, caiu! Nunca mais ninguém o viu!”. Foi o que deu ser glutão.

Não sei se com as freguesias se passará o mesmo, o Costa-Carochinha anda a varrer os papéis, para achar os cinco réis, ou antes, enfiar no caldeirão um ror de eleitores que o elegerão, definitivamente acomodados, por a sua terra ter ascendido de posição. Amílcar Correia acha isso mal, mas di-lo discretamente, apontando a insensatez de tal caldeirão. Não sei se terá razão nisso. Mas as carochinhas, que gostam de varrer papéis para apanhar bué cinco réis, no fim de contas é que sabem cozer feijõezitos, ou amassar eleitorzitos, tudo para papar, não direi feijões, mas ostras, sobretudo as com pérolas dentro.

EDITORIAL:   Quem quer uma freguesia?

Concluir o processo legislativo de criação de novas freguesias a seis meses das autárquicas é pouco sensato, por permitir que se instale a dúvida sobre o critério e oportunidade das mesmas.

AMÍLCAR CORREIA

PÚBLICO, 12 de Outubro de 2020

Não há um estudo taxativo que nos diga que a fusão de freguesias em 2012 foi um rotundo fracasso ou um retumbante sucesso. A primeira avaliação sobre a reforma territorial das freguesias, conduzida pela Universidade do Minho quatro anos após a sua aplicação, chegava à conclusão de que só 26% das freguesias agregadas pretendiam regressar ao modelo anterior e que a maioria destas assumia ter aumentado a “prestação de serviços à população” e a eficácia na gestão do dinheiro público.

Um outro estudo, divulgado pelo ISEG, em Janeiro, indicava que a fusão de freguesias não se traduzira, à excepção do Algarve e do Alentejo, no aumento da eficiência nos serviços prestados. A informação que existe sobre esta reforma, que extinguiu 1200 freguesias, e que antes tinha feito o mesmo com 18 governos civis, é quase toda ela circunscrita ao nível concelhio e regional, reflectindo a diversidade do território e a ausência de uma visão global. Precisávamos de saber mais sobre a sua eficácia e não sabemos.

A eliminação de freguesias nos principais centros urbanos não levanta dúvidas. O território contínuo assim o exige. Foi o que António Costa fez enquanto presidente da Câmara de Lisboa. O que de mais radical se alterou para os munícipes deve ter sido a dificuldade de enumerar as freguesias que passaram a integrar a suaa rebaptizada freguesia do centro histórico do Porto é um excelente exemplo. Um bairro não pode ser uma freguesia.

O processo de vinculação e as ligações identitárias nas localidades do interior são, naturalmente, diferentes, e ainda explicam o facto de em algumas delas o número de habitantes não coincidir com o número de eleitores. A reforma territorial teve os seus erros. Mas vale a pena recuperar o tema, abrindo a possibilidade de criar mais 600 freguesias, como admitido pelo Governo, a reboque da discussão em curso sobre o Orçamento do Estado? É discutível.

O programa eleitoral do PS em 2019 mencionava, genericamente, essa possibilidade, e o PCP é particularmente insistente na necessidade de reverter a reforma de Miguel Relvas. Mas concluir este processo legislativo a seis meses das eleições autárquicas parece pouco sensato, por permitir que se instale a dúvida sobre o critério de criação de freguesias. Algumas delas podem ter sido eliminadas a “regra e esquadro” com a troika como álibi, mas não podemos correr o risco de termos novas freguesias criadas no Parlamento por meras estratégias eleitorais. O mapa administrativo não pode ser o mapa do voto.

tp.ocilbup@aierroca

TÓPICOS: POLÍTICA  EDITORIAL  OPINIÃO  FREGUESIAS  AUTARQUIAS  GOVERNO  PS

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