“Quero eu!” Assim
responderam vários animais à Carochinha que se pôs à janela, a conselho da
vizinha - depois de ter achado a moeda de cinco réis quando andava a varrer
papéis, e de ter comprado as tais sedas, brincos, anéis, como a vizinha
amiguinha lhe recomendara e de se ter posto bonitinha a interpelar os vários
animais passantes, oferecendo-se para casar com algum dos bichos bué ávidos que
todos a requestavam, assim fofinha. Mas ela a todos desdenhou, até que chegou o
João Ratão, com quem casou. O pior foi o caldeirão que ficou a cozer feijão
enquanto a Carochinha foi ao supermercado comprar as coisinhas do jantar. Em
vez de descansar, como lhe aconselhara a doce Carochinha, depois das naturais
trocas de doçuras matrimoniais prévias, João Ratão debruçou-se para apanhar um
feijãozito, e “Zás, caiu! Nunca mais
ninguém o viu!”. Foi o que deu ser glutão.
Não sei se com as freguesias se passará
o mesmo, o Costa-Carochinha anda a varrer os papéis, para achar os cinco réis,
ou antes, enfiar no caldeirão um ror de eleitores que o elegerão,
definitivamente acomodados, por a sua terra ter ascendido de posição. Amílcar Correia acha isso mal, mas di-lo discretamente,
apontando a insensatez de tal caldeirão. Não sei se terá razão nisso. Mas as
carochinhas, que gostam de varrer papéis para apanhar bué cinco réis, no fim de
contas é que sabem cozer feijõezitos, ou amassar eleitorzitos, tudo para papar,
não direi feijões, mas ostras, sobretudo as com pérolas dentro.
EDITORIAL: Quem quer uma freguesia?
Concluir o processo legislativo de
criação de novas freguesias a seis meses das autárquicas é pouco sensato, por
permitir que se instale a dúvida sobre o critério e oportunidade das mesmas.
AMÍLCAR CORREIA
PÚBLICO, 12 de Outubro de 2020
Não há um estudo taxativo que nos
diga que a fusão de freguesias em 2012 foi um rotundo fracasso ou um retumbante
sucesso. A primeira
avaliação sobre a reforma territorial das freguesias, conduzida pela
Universidade do Minho quatro anos após a sua aplicação, chegava à conclusão de
que só 26% das freguesias agregadas pretendiam regressar ao
modelo anterior e que a maioria destas assumia ter aumentado a “prestação de serviços à população” e a
eficácia na gestão do dinheiro público.
Um
outro estudo, divulgado pelo ISEG, em Janeiro, indicava que a fusão de
freguesias não se traduzira, à excepção do Algarve e do Alentejo, no aumento da
eficiência nos serviços prestados. A informação que existe sobre esta
reforma, que extinguiu 1200 freguesias, e que antes tinha feito o mesmo com 18 governos civis,
é quase toda ela circunscrita ao nível concelhio e regional, reflectindo a
diversidade do território e a ausência de uma visão global. Precisávamos de saber mais sobre a sua
eficácia e não sabemos.
A
eliminação de freguesias nos principais centros urbanos não levanta dúvidas. O território contínuo assim o exige. Foi o que António Costa fez enquanto presidente da Câmara de Lisboa. O que de mais radical se alterou para os
munícipes deve ter sido a dificuldade de enumerar as freguesias que passaram a
integrar a sua – a rebaptizada freguesia do centro histórico do Porto é
um excelente exemplo. Um bairro não pode ser uma freguesia.
O processo de vinculação e as
ligações identitárias nas localidades do interior são, naturalmente,
diferentes, e ainda explicam o facto de em algumas delas o número de habitantes
não coincidir com o número de eleitores. A
reforma territorial teve os seus erros. Mas vale a pena recuperar o tema,
abrindo a possibilidade de criar mais 600 freguesias, como admitido
pelo Governo, a reboque da discussão em curso sobre o Orçamento do
Estado? É discutível.
O
programa eleitoral do PS em 2019 mencionava, genericamente, essa possibilidade,
e o PCP é particularmente insistente na
necessidade de reverter a reforma de Miguel Relvas. Mas concluir este processo legislativo a seis
meses das eleições autárquicas parece pouco sensato, por permitir que se
instale a dúvida sobre o critério de criação de freguesias. Algumas delas podem ter sido eliminadas a “regra e
esquadro” com a troika como álibi, mas não podemos correr o risco de termos
novas freguesias criadas no Parlamento por meras estratégias eleitorais. O mapa administrativo não pode ser o mapa
do voto.
TÓPICOS: POLÍTICA EDITORIAL OPINIÃO FREGUESIAS AUTARQUIAS GOVERNO PS
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