sábado, 31 de outubro de 2020

Não relativizemos, pois.


Mais um escrito dos sarcasmos rigorosos de Alberto Gonçalves, que nos vão amachucando como povo exaltadamente futeboleiro e festivaleiro, que tudo reduz a amores ou ódios e pretensões de saber, de reduzida dimensão, é bem verdade. Alberto Gonçalves nos conhece e condena, nessas nossas pretensões de arrogância palavrosa, que uma difusão dos valores esquerdistas mais faz alardear, em fúria contra um homem que os repele, naturalmente, a esses valores esquerdistas, atento aos desígnios nacionalistas colhidos dos seus antepassados. Alberto Gonçalves mostra a inanidade desses nossos pretensiosismos contra um Trump eficaz, Cipião Numantino, ao citar a História dos povos e a importância-chave das grandes potências na condução do mundo, bem demonstra a necessidade daquelas, na defesa contra outras prepotências abafadoras, que deveriam assustar a todos igualmente, hoje, já que vivemos em “democracia”…

 

Se Trump ganhar, o mundo acaba outra vez? /premium

O mundo, li no “Público” e ouvi na Sic, acabou há quatro anos, mal Trump tomou posse e decretou o extermínio da humanidade. Fora isso, tudo permaneceu normal durante três anos e meio.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 31 out 2020

Engraçado. Muitos portugueses não gostam da América, embora gostem de visitar Nova Iorque na medida em que, juram eles, aquilo é essencialmente europeu e não tem nada a ver com o resto (diga-se que, em diversos sentidos, Nova Iorque é a cidade menos “europeia” e mais americana da América, mas pronto). Muitos portugueses troçam da “juvenilidade” da América, que nasceu ontem e carece de “dimensão histórica” (diga-se que os sujeitos em questão desconhecem a história da América, da Europa e da Beira Baixa, mas não sejamos picuinhas). Muitos portugueses abominam a América, que é imperialista, capitalista e fascista (e, imagine-se, o destino sonhado por todos os habitantes das verdadeiras democracias, género Cuba, mas que se lixe). Muitos portugueses riem-se dos americanos, porque são evidentemente incultos e caipiras (diga-se que os caipiras são responsáveis por boa parte dos avanços tecnológicos dos últimos 150 anos e, em média, ganham por semana o que nós ganhamos por mês, mas basta de futilidades). Não obstante, muitos portugueses, invariavelmente os mesmos, demonstram inusitado interesse pelas eleições presidenciais dos EUA.

É uma atitude difícil de compreender. Eu não sinto qualquer curiosidade ou admiração pelo Bangladesh, logo não faço ideia da linhagem de sobas locais. Em contrapartida, os portugueses que desprezam a América mostram-se preocupadíssimos em analisar ao pormenor cada novo inquilino da Casa Branca. Deve ser pelo enorme impacto da América no futuro do planeta, conquanto as pessoas informadas percebam que a América já não tem impacto nenhum, pelo menos desde que a URSS, antes, e a China, agora, reduziram a cinzas o protagonismo americano. Por regra, a inquietação dos portugueses com uma eleição em que não votam é justificada: sempre que o presidente é republicano, vem aí a IIIª Guerra Mundial. Sempre que o presidente é democrata, a apreensão modera-se um pouco. Se o presidente é democrata e meio negro (o facto de ser meio branco não conta), chega a haver relativo entusiasmo. Se o presidente é republicano e completamente Trump, é óbvio que o mundo acabou.

O mundo, li no “Público” e ouvi na Sic, acabou há quatro anos, mal Trump tomou posse e decretou o extermínio da humanidade. Fora isso, tudo permaneceu normal durante três anos e meio. A economia deles manteve-se em franco crescimento. O proteccionismo não foi demasiado além das ameaças. As prometidas carnificinas globais consistiram em refrear os delírios bélicos do sr. Obama e em estabelecer ou influenciar acordos de paz na Coreia do Norte e no Médio Oriente. Os lamentos pelo clima ficaram entregues a uma criança sueca, ao eng. Guterres e outros especialistas de idade similar. Os protestos nas ruas couberam tipicamente aos herdeiros da baderna hitleriana (“antifa”, “black lives matter”, etc.). As divergências raciais sérias seguiram iguais ao que eram. A “radicalização” política e social nem é inédita nem responsabilidade solitária de Trump. A demência inquisitorial nas universidades precede Trump. O muro “de” Trump, iniciado por Clinton, quase não avançou. Em suma, graças a Trump ou apesar dele, sob Trump a América viveu uma monotonia notável, tão notável e tão monótona que o debate público se deu ao luxo de versar temas vitais como o “género”. E depois, no início de 2020, veio a China mostrar que uma superpotência se distingue por produzir vírus em mercados medievais e infectos.

Se Trump perder as eleições, o que é provável que aconteça, perde-as por causa da Covid. É possível que também as perca por causa das suas declarações acerca da Covid. Nesse e noutros assuntos, Trump, um pantomineiro, perde frequentemente pela língua, que ora tem piada na ofensa de adversários, ora não tem. No caso, acaba por ser injusto. Sobre a Covid, descontadas as sucessivas atoardas, Trump esteve essencialmente bem: ao invés dos charlatães que apelam ao medo, Trump fez o que fazem os líderes e lutou para que o medo não vencesse. À sua destrambelhada maneira, respeitou as pessoas, por oposição ao enxovalho hoje vigente nalguma Europa. Se calhar, não resultou. Se calhar, até na América a maioria das pessoas já prefere ser enxovalhada.

Não tenho muita pena da eventual derrota do homem. Tenho um bocadinho. O primeiro motivo é racional: se, em geral, os sujeitos que detestam a América estão contra Trump, é lícito suspeitar que Trump é bom para a América, país de que gosto. O segundo motivo é irracional: não apreciando o estilo fanfarrão e malcriado de Trump, aprecio a repulsa que o estilo fanfarrão e malcriado de Trump provoca em criaturas imensamente mais repulsivas do que Trump – e não falo apenas do lendário Costa Ribas. Sobretudo aprecio o que Trump, com equívocos pelo meio, representa para os que o elegeram: um desafio à arrogância das costas Leste e Oeste, que olham para o “interior profundo” com uma mistura de divertimento e nojo. É estranho que um promotor imobiliário, e bilionário, de Nova Iorque simbolize a revolta dos “esquecidos” contra as classes dominantes, repletas de prepotência, culpa, hipocrisia, susceptibilidade e mimo. Mas alguém teria de o fazer.

Se Trump continuar a fazê-lo por novo mandato, óptimo. Se não, o mundo não acaba (acabou há quatro anos, lembram-se?). Com sorte, o sr. Biden, um taralhouco simpático rodeado por alguns doidos antipáticos, não destruirá a União. Ao contrário de muitos portugueses, gosto da América (não sei se já o disse), conheço-a razoavelmente para um turista e aprendi uma coisa: é impressionante a indiferença da vida americana ao indivíduo que serve de chefe de Estado. Andei repetidamente por lá nas presidências de W. Bush, Obama e Trump e, salvo pelo residual “merchandising” (exaltador de Obama, insultuoso dos outros dois) em lojas “fofinhas” de Nova Iorque ou Boston, de Los Angeles ou São Francisco, a “presença” do presidente no quotidiano é nula. Não existe a percepção de quem manda.

Principalmente porque na América quem manda, manda pouco. A ideia de uma figura tutelar e omnisciente é própria de sociedades pré-civilizadas, em que qualquer burgesso chega ao poder e desata a tratar os cidadãos abaixo de bonequitos, dependentes, reverentes, medrosos e infantis. Se eu fosse certos portugueses, deixava Washington em paz e dedicava-me a escrutinar um lugar assim.

 

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA  AMÉRICA  MUNDO  DONALD TRUMP  JOE BIDEN  EUROPA

 

COMENTÁRIOS:

Faisal Al Meida: Muito bom artigo, como sempre, caro AG! Há-de um dia escrever um artigo menos bom... só para vermos como seria. Mera curiosidade intelectual. Para provar que é possível, pronto.          João Belém: Terça-feira Donald Trump ganhará as eleições. Os media estão apenas a fingir que vai ser ao contrário. As sondagens não são fiáveis, servem apenas de propaganda e os media também sabem isso. Faz tudo parte da encenação. Eventualmente servir-se-ão dos resultados das sondagens para invocar fraude eleitoral e justificar mais uns protestos nas ruas a assaltar lojas, incendiar carros e edifícios como têm feito nos últimos tempos, tudo feito de forma pacífica evidentemente... Você está enganado Alberto, mas de resto o seu artigo é justo.     Cipião Numantino: A título preambular direi que nunca me senti seduzido pelo “American way of life”. E tanto assim é que declinei “in illo tempore” uma oportunidade de estudo que me haveria colocado num contacto mais que directo com a realidade americana. Bastas vezes tenho pensado que fiz mal, mas o instinto imediato que me acudiu à época, nunca por norma me deixou ficar mal em tantos e tantos casos. Águas passadas e pronto. E mesmo em relação a turismo tenho preferido outras paragens que não as respeitantes aos States (sou mais um adorador de calhaus) e nem família chegada que por lá reside, me fez activar a curiosidade. Talvez um dia me atreva a percorrer a mítica route 66 e a mais, sinceramente, não aspiro. Posto isto, ripo da primordial premissa que serei um pouco insuspeito quanto ao apreço ou não que dedico a este grandioso país. E da concepção que tenho quanto ao desempenho que esta imensa nação tem jogado no tabuleiro político nos últimos 100 anos. Uma coisa desde logo registo é que se trata de um povo generoso eivado de alguns defeitos mas com soberbas virtudes. E nem numa situação nem na outra posso ficar indiferente ao papel que tem desempenhado como polícia do mundo livre. Como é por aqui sabido e consabido apoio-me várias vezes na História para ajudar a situar quem me lê e, simultaneamente, suportar certas teses sociais, culturais ou políticas que pretendo esmiuçar. E é aqui chegado que reconheço aos EUA o seu papel importante no concerto das nações. Diz-nos a História que sempre que nos deparamos com a ausência tutelar de uma superpotência os tempos são invariavelmente de guerras, caos e desastre. Por exemplo, durante muitos séculos, Roma foi a luz e o farol que guiaram os destinos do mundo ocidental e a sua sombra tutelar servia de regulamento e ao concerto entre os povos “socii et amici” e não é por acaso também que os povos que a precederam adoptaram a lógica da pax romana e acolheram os ensinamentos da cultura greco/romana, a sua religião, o seu direito e a sua praxis política. Desaparecida Roma, foi o que se viu. E a grande e terrível noite medieval fez o seu curso horrendo de guerras, fome, pragas e miséria.

E é aqui que eu queria chegar, para estabelecer um paralelo onde a ausência de uma superpotência nos pode conduzir. E à assunção da inevitabilidade que constitui uma espécie de luta de galos quando no xadrez político só existem, médias-potências que logo se envolvem em disputas territoriais ou de influência do poder pelo poder. Basta aliás reparar, entre outras, nas guerras dos 7, 30 e 100 anos que colocaram a baixa idade média a ferro e a fogo, num frenesim de guerra caótico que tornou a terra num local horrendo para se viver. E, mesmo antes disso, as invasões bárbaras tardias ou as invasões dos mongóis e dos hunos, fazem-nos lembrar a falta que fez a força e o poder da Roma da república ou dos imperadores até ao desastroso reinado de Comodus. Mediante a tese acima expressa, Deus nos livre, portanto, que os EUA deixem de desempenhar o seu papel como superpotência. Depressa apareceriam Estados Islâmicos dispersos ou médias potências como foram a Prússia, França, império Austro-Húngaro, Inglaterra ou Alemanha nos cerca de últimos 200 anos, que tratariam de tentar amarfanharem-se umas às outras instalando o completo caos e desordem. A própria Alemanha das duas últimas grandes guerras não se teria atrevido a desencadear tais excessos se os EUA não estivessem ainda num estádio inicial de poder. Por isto mesmo, sorrio condescendentemente, quando observo por aqui os esquerdosos tontos e apressados a desejar a “morte” da América. Coitados, são mais brutos que portas e devem ser olhados de soslaio e com suspeição antes que façam mal a eles próprios e, pois claro, aos demais. Os EUA após Carter, passaram a ser levados pouco a sério. E o bailarino tonto do Obama, veio dar quase a machadada final, deixando lavrar guerras regionais por tudo quanto é sítio que se estavam a tornar um modo de vida sem qualquer sentido ou propósito. E chega assim o “grande satâ”, epíteto que os os loucos, alucinados e esquerdosos, colocaram ao Sr. Trump. Ou seja, o único presidente americano que não promoveu uma única guerra seja onde for, nem que seja a jogar berlinde, é considerado por toda esta malta estulta como um boçal assassino e até mesmo louco! Nem créditos ou loas lhes dão por promover a paz entre alguns países no médio-oriente ou acalmar o Kim coreano! É obra, sim senhor! E nem se chocam por haver sido entregue o prémio Nobel da Paz ao tonto do Obama que distribuiu guerras por aí como infestação de uma grande praga de piolhos! Sei bem que esta malta rebaldeira e alucinada esquerdosa não é para ser levada muito a sério, mas que faz impressão, lá isso faz! Tirem-mos da frente!...       Miguel Antunes:  Land of the free, home of the brave.

 

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