terça-feira, 20 de outubro de 2020

Seja o que for, pouco importa

 

A mim parece-me uma polémica de trazer por casa, como as muitas nossas.

Um texto altivo e relevante de José Pacheco Pereira, que dá prazer ler e nos eleva o moral de pessoas rebeldes a uma imposição – mais uma – porém esta, abusiva da nossa privacidade, além de apreciadores de belas escritas, como a dele, PP. E assim resvalamos de uma máscara obediente, não sei se indispensável, para uma app ainda mais abusiva, embora muitos expliquem que é para nosso bem e que o 1º ministro, evidentemente, só quer safar o seu povo, seu dele, apreciador da Vila morena, como somos quase todos, e julgo que JPP também é, ou foi. Mas neste caso da app, ele bate o pé, como pede o Max. E já que o PM não faz cerimónia connosco, sempre a sorrir, até mesmo por detrás da máscara, nós sorrimos também, rasgadamente, pois cuido que a maioria de nós ama quem por nós zela, e o Pacheco Pereira até o ama há mais tempo, pois ajudou a metê-lo no governo, mais aos seus compinchas da esquerda viril da nossa geringonça bem nutrida.

OPINIÃO

A voo de pássaro

Nunca, jamais, em tempo algum usarei a dita aplicação, nem que isso signifique ter de deixar de andar de telemóvel.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 7 de Outubro de 2020

"Uma sociedade que troca um pouco de liberdade por um pouco de ordem acabará por perder ambas, e não merece qualquer delas"  Thomas Jefferson a Madison

Numa altura em que não há verdadeira crítica mas muita intriga, ou seja, falsa crítica pelas costas e para as costas, num país pequeno, onde toda a gente depende de toda a gente, ou, como eu costumo dizer, “somos todos primos uns dos outros, a fome é muita e os bens são escassos, por isso a democracia é difícil” (perdoe-se a extensa citação mas a frase saiu bem), vale a pena voltar a Camilo, e aos seus textos polémicos, para respirar melhor. E como hoje vou fazer um daqueles artigos que se escrevem quando não apetece nenhum dos temas correntes, vou acantonar-me na velha expressão francesa de à vol d’oiseau e andar por cima das coisas e supostamente a direito. E que Camilo me guie para que o vol d’oiseau não se torne no voo de pássara.

Começo na pássara. Leiam o texto magnífico e corrosivo, machista até ao limite, que Camilo escreveu, num tom muito moderno usando a imaginação poliglota das palavras, para castigar um livro mau, escrito pela Princesa Ratazzi sobre Portugal “de relance”, como foi traduzido o à vol d’oiseau. Como hoje não há livros maus, porque ninguém diz que eles são maus para não irritar as múltiplas pequenas cortes culturais que dominam o que sobra dos suplementos “culturais” e os vários grupos de pressão associados, fico-me pela sombra do pássaro sobre a pássara.

Que vejo eu no meu voo? O tema que estava predestinado para este artigo era a intenção governamental de nos obrigar a ter por força de lei a aplicação StayAway Covid no telemóvel. Mas como várias pessoas disseram tudo sobre o carácter inconstitucional e violador de direitos que tal obrigação representa, não vale a pena acrescentar mais nada. Tudo estava e está mal feito nessa intenção, de tal maneira que sou capaz de enumerar dezenas de perguntas sobre tal obrigatoriedade cuja resposta é muito complicada de dar, ou mesmo impossível. A proposta também foi feita de “relance”. Acrescento que esta evidente falta de bom senso revela como no Governo prevalece uma forma pervertida de tecnocracia, que acha que tudo se pode resolver com aplicações de telemóvel, sem a mínima preocupação com direitos, liberdades e garantias, que acham que são do mundo pré-Internet.

Afirmo por isso que nunca, jamais, em tempo algum, usarei a dita aplicação, nem que isso signifique ter de deixar de andar de telemóvel. De facto, a pior ameaça nos dias de hoje aos direitos individuais e à privacidade vem de devices e aplicações que usam o actual instrumento de controlo mais eficaz, o telemóvel, até porque está colado ao nosso corpo. Como o relógio de bolso ou de pulso nos impôs o tempo industrial, o telemóvel inseriu-nos na rede de controlos que usam a Rede, uma forma moderna do mundo kafkiano do Processo, onde K. caminha até à morte sem nunca ter acesso a saber o que se passa com ele, quem o acusa, quem o julga, quem o condena.

Ele não teve o poder do voo de pássaro, hoje o verdadeiro poder dos poderosos, perdoe-se o excesso, que é não o de estar na “rede”, que é o destino dos que não têm poder, mas o de a poder ver de cima, qual o sentido e direcção das diferentes teias e, mais do que isso, poder tecê-las com algoritmos numa ou noutra direcção.

Sabem quem ganha com isto? Quem sabe o que “isto” é: as grandes empresas de tecnologia e os serviços de informação

A StayAway Covid controla-nos de forma cómoda, barata e eficaz, por isso os governos preferem este tipo de mecanismos a gastar mais dinheiro na saúde pública, e aproveitam-se dos preguiçosos, que somos quase todos nós, que não se importam de trocar a sua privacidade por um falso sentimento de segurança. Aliás, é o que fazem já todos os dias, aceitando aplicações aparentemente grátis em troca de serviços, numa cultura crescente de promiscuidade na rede, que vai do bullying nas escolas com fotografias às fake news. Sabem quem ganha com isto? Quem sabe o que “isto” é: as grandes empresas de tecnologia e os serviços de informação.

Chegados aqui, estamos no mesmo sítio. Pássaro, pássaro, levanta-te! Mostra-me o mundo lá de cima! Pois sim! O objectivo do voo era escapar do StayAway Covid e não é que o malvado pássaro nos ensina que não voa quem quer, mas quem pode, e me deixou a falar do mesmo que eu não queria falar. Em 700 palavras, só se pode voar como a pássara Ratazzi, baixinho. Acho, mesmo assim, que a vou enviar para aconselhar os nossos governantes a pensarem duas vezes antes de nos colocarem um chip como aos cães.

Historiador

TÓPICOS

GOVERNO  COVID-19  APPS  PRIVACIDADE  INTERNET  APLICAÇÃO MÓVEL  CORONAVÍRUS

COMENTÁRIOS:

Maria Odete Vilas Coutinho MODERADOR: O que é extra-divertido é observar o afã com que a dita cuja app foi descarregada, e é agora discutida, sem que uma percentagem mínima de alminhas questione a miséria da base de registos que a sustenta: só vislumbrei dois ou três reparos que se referem ao mínimo dos registos, à falta de normalização no fornecimento dos códigos pelos médicos, etc., etc. Mete-se a aplicação, que é o que manda o PM, e é o que está a dar, e depois logo se verá se serve para alguma coisa!! Valha-nos a Santa, e esperemos que ela não exija também uma app!        Arpi INICIANTE: JPP não perdeu o emprego. Confessou há pouco que pode pagar cuidados privados. Defende o individual, borrifando-se contra o geral, o colectivo. Ignora que os direitos individuais são conflituantes entre si. Passou-se. É pena. 17.10.2020

viana EXPERIENTE: Vejo por aqui comentários de gente que não percebeu patavina da razão de tanta indignação. Não sabem por acaso que já houve 2 milhões de descarregamentos da aplicação? O que é que isto diz sobre o modo como a maioria dos portugueses vê a aplicação? E no entanto, houve muito mais indignação do que apoio à proposta do governo, incluindo de muitos que têm, ou tinham, instalado a aplicação. Lessem mais, percebessem o que JPP quer dizer com "sou capaz de enumerar dezenas de perguntas sobre tal obrigatoriedade cuja resposta é muito complicada de dar, ou mesmo impossível", e compreenderiam que o problema principal é a o-b-r-i-g-a-t-o-r-i-e-d-a-d-e e a f-i-s-c-a-l-i-z-a-ç-ã-o da medida. Percebem? Percebem o problema de dar poderes à polícia para exigir fiscalizar o telemóvel de quem for?     joorge EXPERIENTE: Tweeter, Facebook, etc. Espiam-nos, cobram-nos e não pagam impostos. Espero que Pacheco Pereira não tenha redes sociais. Se tiver, este texto é balela pura.     fernando ferreira franco EXPERIENTE: As gerações presentes parecem sobreviver à angústia de não se saber para onde vamos, através da semântica. "Democracia"; na impossibilidade de alguma vez existir, vamos sugerindo-nos essa possibilidade por meio de um eufemismo e assim suportamos tudo e todos os valores em contrário. "Tecnologia"; inovando para melhor nos servirmos do carácter gratuito do que a natureza nos dá, deixamo-nos iludir prontamente com o desleixo de ela nos apagar o instinto e o saber fazer, milénios de aprendizagem deitados borda fora por algo tão primário como um algoritmo. "Saúde"; com a medicina moderna quase nos damos conta de que o normal é estar doente, pois ir ao médico por precaução, por tudo e por nada, é uma patologia moderna que nos despega da vida e nos faz esquecer o essencial... Viver é outra coisa.      Antonio Silva INICIANTE: Reduza a sua exposição colocando o Tm em modo voo. De quando em vez, ligue para receber correio e SMS. Isto só serve para quem não entra em redes sociais. Estes estão permanentemente controlados e influenciados.      JPR_Kapa EXPERIENTE: Acompanho, no sentido geral, a "moral" da história que nos traz JPP. Mas o ataque à privacidade que vêem nesta aplicação Stayaway covid (que já descarreguei porque também decidi comprar um telemóvel que o permitisse), está longe de o ser (ver Jornal 2_RTP2 ontem) da forma tão fácil como alguns dizem. O que me deixa perplexo é que está longe de ser tão intrusiva como as que hoje proliferam sob a designação de "redes sociais" ... e aí já ninguém se importa. Toda esta algazarra mostra também que entre a discussão séria que o assunto exige, a maior parte é feita de ruído hipócrita e saloio, só porque foi promovida pelo governo (a concepção é portuguesa, vinda do núcleo de excelência da nossa universidade - INESC). A estratégia adoptada na Coreia do Sul usa uma aplicação destas obrigatória.        Jonas Almeida MODERADOR: Concordo! Afinal esta modalidade do contact tracing por chaves anónimas expostas pelo bluetooth e re-emitidas periodicamente, tem como objectivo precisamente proteger a anonimidade de que é infectado e o quer comunicar para inibir uma cadeia de transmissão da doença. A alternativa convencional é muito mais intrusiva: é ter os positivos entrevistados para revelarem a identidade daqueles com quem estão em contacto. Eu acho que JPP devia ter reservado o (mais elegante no original) "those o trade Liberty for safety deserve neither" para outras coisas.      Colete Amarelo EXPERIENTE: O perigo de se utilizar o telemóvel quando se trata que este ajude a combater um perigo que se revela maior, se não me engano. Espero que este senhor nunca nos venha com um artigo sobre como as novas tecnologias nos são benéficas!     Mário Aveiro EXPERIENTE: Esta aplicação bacoca salva algumas vidas, sim: as vidas dos espertalhões que a impingiram ao Governo a troco do dinheiro dos contribuintes.        Fernando Paz EXPERIENTE: Não diga asneiras, não fale do que não sabe. Esta aplicação foi desenvolvida por uma equipa competente, dedicada e honesta, sem qualquer intenção comercial. Não irão ver um cêntimo independentemente de ser utilizada ou não. Pode não acreditar, mas ainda existe gente que sinceramente se interessa por contribuir para o bem comum.      Mário Aveiro EXPERIENTE Deve estar a gozar... A aplicação é completamente inútil. Completamente. E custou dinheiro. Quem pagou? cidadania 123 INICIANTE: Actualmente não consegue fazer um teste covid sem disponibilizar o seu número de telemóvel. Saber quem são e onde andam os positivos parece-me importante e de bom senso, para protecção de todos. Creio que o seu problema foi ter sido uma aplicação patrocinada pelo governo, pois certamente que o seu telemóvel tem instaladas outras bem mais intrusivas...        A2 INICIANTE: Não devia usar telemóvel se pensa assim. O que está em causa não é "um pouco de ordem", são vidas humanas.        Alberto Ferreira.883621 INICIANTE: Outro!... Nunca se viram tantas almas rebeldes e libertárias neste jardim à beira mar plantado... Agora usam a pandémica para fazer psicanálise e melhorar a autoestima...    Jose INFLUENTE: A comunicação de António Costa visou um reforço da atenção dos portugueses às três regras de convivência com o SARS-CoV-2: Máscara, álcool gel, distanciamento físico. A mensagem esperava a desinformação, a contra-informação e o ruído. Contava com tudo a somar à comunicação governamental. A APP foi o isco que os opinadores e também os políticos, morderam para ajudarem António Costa a provocar um choque que alterasse o comportamento desleixado dos portugueses, em matéria de protecção do vírus, após as férias. Esquecendo a APP que todos, incluindo Costa, sabem irrelevante, a comunicação de Costa foi um retumbante êxito para o objectivo a que se propunha. Os detractores de Costa ajudaram-no a construir a percepção da gravidade da contaminação e da necessidade da reposição das três armas anti-covid.    FPS INFLUENTE: Leio sempre com particular atenção os seus comentários, e se nem sempre com eles concordo sinto neles o carácter e a modéstia de quem verdadeiramente é culto e inteligente. Comentários que me ajudam a melhor pensar e ver a realidade. Não sei se no que fica acima escrito o meu caro Jose tem ou não razão, muita ou pouca que seja... mas a mim é o que me parece, que penso o assunto desse modo que vc descreve. Há ditados populares e bocas de líderes em vários sectores, a sancionarem o método que foi adoptado, um método vastamente experimentado nos trambolhões que a História tem dado. Um método, como se vê, de grande eficácia que as três armas estão aí em força outra vez.    Jose Luis Malaquias EXPERIENTE: Agora é que JPP se vai meter em sarilhos com as feministas, a elogiar o texto mais machista de CCB

 

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