quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O terceiro ponto

 

Dos comentadores que se debruçaram sobre o artigo de Maria João Avillez, nenhum pegou no terceiro ponto, na justeza das observações sobre o tema – eutanásia – que o encarniçamento de uma esquerda juvenil, não contente com as mortes trazidas pela pandemia, traz novamente à baila, com a unção misericordiosa que é seu esteio. Amen.

Reponho o parágrafo, revelador de nobreza - de consciência como de escrita:

3 - «E pensar que é neste ambiente turvo, aflito, sofredor, com mortos e doentes a eito, uma crise económica dura, um governo titubeante e um futuro incertíssimo que se vai discutir a eutanásia. Como se fosse urgente, prioritário, indispensável. Esgrimir o poder acabar com a vida hoje e aqui, tem qualquer coisa de insultuoso, não me ocorre melhor palavra. Para não falar que só um país que se perdeu a si próprio se disporia a isso. (perder-se quer dizer perder o norte, o chão, a responsabilidade, o respeito, a vergonha).

 

Sim, senhora Ministra, estamos a empurrá-la (para a realidade) /premium

Ninguém responsabiliza os senhores governantes? Só pelo voto podem ser notificados? Os portugueses vivem hoje entre o desamparo de não saberem como pensar e o desconcerto de não saberem como agir.

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 20 out 2020

1.É isso, sra. Ministra, tem razão no que sugeriu, estamos a empurrá-la. A ver se troca a ideologia pela responsabilidade de modo a produzir os planos B e C que se pensava terem sido reflectidos e aprontados em Julho e Agosto mas parece que não. Planos seguros, e eficazes, confiáveis com os privados, os semiprivados, ou um bocadinho privados, com quem quisesse. Só queríamos ter a certeza de não haver um Pedrogão 3 e quando digo Pedrogão 3, digo mortes por uma incúria sem perdão, com ocorreu por duas vezes, há três anos. É que a olho nu não se vê ampliada a capacidade dos hospitais nem reforçados os meios humanos como as circunstâncias dramaticamente reclamam e nada era mais previsível do que a entrada em cena dessas mesmas circunstâncias, vieram apenas aterradoramente um pouco mais cedo. Na última primavera os serviços de saúde aguentaram porque nos encafuaram em casa, mas como desta vez havia o aviso de que não encafuariam — uma quase jura solene, aliás — espanta este comportamento que não sei definir nem adjectivar. Um, como dizer? desapego das “autoridades” face à previsão do previsível, que o mesmo é dizer face à realidade. Espantará ainda mais que se atrapalhem desta forma, em tudo parecendo que agem em cima da hora, como se cavalgassem uma calamidade-surpresa. A falta de confiança que este estado de coisas pode gerar não tem medida. Presumo que tal como ocorre com o resto dos portugueses normalmente constituídos, a minha desconfiança das “autoridades” seja inversamente proporcional à confiante admiração (que heróis santo Deus!) que sinto pelos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde, do primeiro ao último escalão. Gente duplamente heróica que não só está há longos meses confinada a uma única linha — a da frente — como depende de incapazes com as suas instruções descoordenadas, atrasadas, confusas. Até aqui tiveram, que se saiba, a Champions de presente, oxalá tenham gostado da prenda. Em Espanha, há dias, o Rei depositou nas mãos de representantes da saúde o Prémio Princesa das Astúrias deste ano, o que é ligeiramente diferente da bola. Sucede porém que o facto de ouvir publicamente (ou privadamente) esses nossos médicos, enfermeiros, auxiliares, confere-me legitimidade para me indignar ampliando-se tal indignação com o medo sobressaltado que sinto no Governo. E há ainda um outro pasmo face ao que apetece chamar uma espécie (daninha) de irresponsabilidade incólume: não acontece nada, ninguém responsabiliza os senhores governantes? Só pelo voto podem ser sancionados? E até lá?

É que alguém terá de perceber que os portugueses vivem actualmente entre o desamparo de não saberem como pensar e o desconcerto de não saberem como agir. Literalmente.

2.Um substantivo que se dissolveu na política foi a “estabilidade. Está desaparecida em (mau) combate político entre as esquerdas onde nos fora vendido que estaria. Amparando o edifício governamental de ventos mais bravos ou até de qualquer inesperado ciclone: não era esta uma segunda edição exitosa da geringonça? Era, mesmo que não nos mesmos exactos termos mas a estabilidade, essa, lá estaria sempre. Afinal não está em lado nenhum. E no entanto… a curtíssimo prazo ela será o bem mais indispensável para a aprovação do OE, até aqui uma negociação quase patética, dançada através de sucessivas polcas que deslizam por entre moradas partidárias disponíveis. Em cada polca, há novas cedências do PS e haverá coisas que correm o risco de ficar  irreconhecíveis no funcionamento do tecido económico do país, de tão mudadas que irão ser. O Governo no auge da sua fragilidade e no cume do seu cansaço, exibe — ou impõe — uma força que não tem. Mais desencorajador é impossível. Há uns anos Cavaco Silva então em Belém exigiu um acordo escrito ao Primeiro Ministro António Costa e assim ocorreu. Cavaco fez bem. Por qualquer razão que sempre me escapou não sucedeu o mesmo com o locatário seguinte. O locatário fez mal.

O chão que pisamos a todos os níveis – sanitário, político, económico, social – está cada vez menos firme. Pisar areias só movediças cansa, cansa muito (mas talvez o Presidente da República se lembre de aumentar a sua magistratura de influência, fazendo ouvir a sua voz — tem-na em maior quantidade do que julga.)

3.E pensar que é neste ambiente turvo, aflito, sofredor, com mortos e doentes a eito, uma crise económica dura, um governo titubeante e um futuro incertíssimo que se vai discutir a eutanásia. Como se fosse urgente, prioritário, indispensável. Esgrimir o poder acabar com a vida hoje e aqui, tem qualquer coisa de insultuoso, não me ocorre melhor palavra. Para não falar que só um país que se perdeu a si próprio se disporia a isso. (perder-se quer dizer perder o norte, o chão, a responsabilidade, o respeito, a vergonha).

4.Partiu um Amigo. Especialíssimo, o que foi um dom. Só por vezes vivia entre nós porque voava. Comandava aviões — era dos briosos tempos da TAP que ele servia com devoção e tanto nos orgulhava — mas quando não voava, voava de outra maneira. Como fazem os poetas, andava entre as estrelas e a lua, entre o céu e a terra e só às vezes pousava no nosso pobre mundo. Deambulava pela vida fora de horas, vagueava pela ciência, dançava com os livros, sonhava com as palavras. Era um ser doce e muito amado. Tinha um olhar azul aquoso, chamava-se Eduardo e era um poeta.

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GOVERNO  POLÍTICA  MINISTÉRIO DA SAÚDE  CORONAVÍRUS  SAÚDE PÚBLICA  SAÚDE

COMENTÁRIOS:

Mário Rui Martins: O artigo toca nos pontos certos. Costa está a sacudir a água do capote, a ministra está a cumprir uma agenda politica e o povo está por sua conta. É pena conseguirem distrair as pessoas menos atentas com futilidades como a App para não se discutir o que é importante e que nos anda a afectar a vida. É preciso acordar para um país que vai ter uma crise enorme pela frente, e um conjunto de incapazes para a enfrentar. Alfaiate Tuga: Os tugas tem o que merecem, 50% não levanta o dito da cadeira para votar num partido diferente, dos que vão fazer a cruzinha a maioria vota na esquerda, portanto amanhem-se....    Domingas Coutinho: Uma legislatura é muito tempo quando se trata de um mau Governo, um Governo apoiado por uma esquerda oportunista, sem moral, sem escrúpulos e sem valores. Um devaneio que vai sair caro. Obrigada MJA. lopez turrillo: Temido é uma funcionária. Diz o que o Costa manda.     Antonio Lobo: e as vacinas da gripe que não existem. Fui a 3 farmácias e não havia: não reservou não vendemos    Jorge Bastos > Antonio Lobo: Azar dos Távoras! Já tomei a minha na farmácia, na passada sexta-feira. Mas fiz mal, porque duas horas depois ligaram-me do centro de saúde a dizerem para ir lá hoje tomar a vacina grátis.   António Afonso: Uma voz necessária! E eu pergunto: Quando é que os portugueses vão perceber o que nos está a acontecer? Continuam, por mais quanto tempo, a acreditar na propaganda deste governo? Chega de tanta incompetência!    Paulo Guerra: Uma tia fanática ideológica e lobista da mama do Estado pura e dura a acusar os outros de ideologia?! Se não andassem a mamar e a espremer o SNS há décadas até dava vontade de rir. De infectados e Covid nem querem ouvir falar. Querem é €€€ como sempre!     André Ondine >Paulo Guerra: Que disparate. Desculpe, mas o fanático parece ser o Senhor, com esse tipo de resposta ressabiada e intencionalmente maldosa. É óbvio que a ideologia da Ministra tem estado no caminho dos portugueses e de uma coordenação harmoniosa entre os serviços de saúde privados e públicos, que, com toda a certeza, significariam um forte alívio no SNS e uma garantia acrescida na saúde dos Portugueses. Não ver isso é ser mais fanático do que a Ministra.    Paulo Guerra > André Ondine: O SNS recorre ao sector privado sempre que precisa. Não precisa de empurradores de fora. O que o SNS não faz é parasitar o sector privado. Que é só o que o sector privado fez em relação ao SNS nas últimas três décadas. Já que a ideia era mesmo destruí-lo em prol do crescimento do sector privado. Basta ir ler a lei de bases de 1990 que só foi revogada na legislatura anterior. A lei de bases do ministro do Cavaco, entretanto condenado, que gostava de dizer que o SNS nunca passou de uma doença infantil, um sub-produto de um falso romantismo iluminado. Paulo Guerra > André Ondine: E não vale a pena continuar uma discussão Impossível. Para mim, tal como aliás na carta dos direitos humanos, a saúde não é uma hipótese de negócio. Há muitas outras. Até em termos de mercado basta ter uma pequena noção dos custos actuais dos cuidados de saúde para perceber que os Estados estão muito mais aptos para todos os cidadãos terem acesso aos melhores cuidados de saúde que cada cidadão per si. E não fossem as portas giratórias das últimas décadas e o SNS ainda estaria muito mais forte. Ainda assim e em termos de cuidados integrados faz o que nenhum privado sonha sequer em Portugal. Basicamente são bons para arranjar as unhas. E ainda assim sem ADSE não havia uma Unidade de saúde privada em Portugal.   Nuno Jacinto > Paulo Guerra: Sr. Paulo Guerra: Os números de todas as auditorias independentes e do próprio tribunal de contas desmentem-no. E por que razão é no sector da saúde que a maioria dos países europeus tem uma relação entre serviço do estado e serviço privado integrando num todo de serviço nacional de saúde. Devemos ser os inventores da roda. Precisamos de um SNS que nos sirva como cidadãos. Acho que no fim da pandemia será necessário repensar bem o modelo, sem visões meramente ideológicas (como esta ministra tem demonstrado).      antonyo antonyo > Paulo Guerra: Os privados fazem melhor e mais barato . Vide o hospital de Braga. Paulo Guerra > antonyo antonyo:  Se o António já alguma vez tivesse visto algum contrato programa da gestão privada nos hospitais públicos parava logo de dizer asneiras. Essa história dos rankings só resulta de esses hospitais enviarem para os hospitais com gestão pública os casos mais onerosos. Basta pensar que esses gestores maravilha saíram todos do público. Aliás de um modo mais amplo não há teoria económica nenhuma mais retrógrada que o neoliberalismo que só se apoia em rankings da treta e diz que temos que ser todos muito competitivos e muito empreendedores. Nós já não temos que sair das cavernas todos os dias para caçar. A riqueza produzida no mundo já é mais que suficiente - não é preciso esgotar mais o planeta - só tem que ser mais bem distribuída. E cada um de nós mais solidários com o vizinho. É a isto que se chama progresso civilizacional. Ao contrário da ganância do capitalismo selvagem e dos mercados financeiros que só produzem novos escravos todos os dias e cada vez que vão à falência ainda põem sempre os mesmos escravos a pagar a crise. O que se passa no mundo desde a década de oitenta do século passado chama-se retrocesso civilizacional.    Fernando Prata: Excelente artigo, que escreve aquilo que todos deveríamos ver, a realidade.      Manuel Carneiro: Obrigado MJA, por épica crónica.     Carlos Monteiro: Ninguém responsabiliza os senhores governantes, desde que eles todos os dias se mostrem na CS eufóricos com os resultados obtidos. Com aumento de despesa superior a 2.000 milhões, ainda evitam de falar em austeridade. Esse complexo tem-lhes mantido as sondagens. Falar verdade, é sempre prejudicial num povo amordaçado. O mais curioso, é vermos o meu PR, não ter em conta a opinião de pessoas, que sempre foram seus apoiantes. Maria Maravilhas > Carlos Monteiro: São todos responsáveis e coniventes na desgraça em que caiu Portugal: o (des)Governo, o PR e a CS submissa e rastejante que ecoa as mentiras e baboseiras do Governo. Mario Areias: Olhe Maria João, existem dois problemas para já insolúveis. o primeiro é falta de dinheiro. Contratualizar com os privados sai caro. O segundo é a falta de competência. Qualquer deles só se resolve quando o governo for embora.   Manuel Magalhães: Muito bom Maria João, só gostaria de comentar três coisas, a primeira é que devemos afirmar que é CRIMINOSO pôr a ideologia à frente de vidas humanas e o que faz a “ministra” da saúde é exactamente isso, hoje morre muito mais gente de outras doenças por o SNS não ter capacidade de as tratar, a “ministra” é paga por todos nós para cuidar da saúde de TODOS nós. A segunda diz respeito ao “locatário”, o que acho uma designação óptima pois ele não é mais do que isso além de que o que faz, faz quase sempre mal... A terceira é o lindo elogio ao querido Eduardo e que bela descrição daquilo que ele foi, ele era sem dúvida uma pessoa de excepção. RIP!!!     Pedro Ferreira: A ministra é uma funcionária do governo, e faz o que lhe manda fazer. Não ilibem os responsáveis: Costa & Marcelo.   Joaquim Moreira: Ao estar a empurrar a "senhora Ministra (para a realidade)", está a dar-lhe mais uma oportunidade. Mas não é só a ela, é a quem ela obedece como um cão e não como uma cadela! Ou seja, com este discurso muito elaborado, está a proteger o verdadeiro culpado. Ainda hoje o Público traz na 1ª página uma notícia, quase trágica. "Faltas por doença nos hospitais aumentaram 64% na pandemia". O que prova que o SNS não funciona, por muita razão e ainda por mais esta situação. Que é bem a prova da incompetência da "governação". E como tenho vindo a dizer, no caso concreto da saúde, mais do que incompetência, é uma verdadeira indecência. Ou, para ser mais rigoroso, é mesmo criminoso. Não se pode aceitar que, por uma questão de ideologia, não se ponham todos os meios disponíveis do Sistema de Saúde, ao serviço do combate à pandemia. E deixemo-nos de rodeios, o verdadeiro responsável é quem tem poder para usar e não usa todos aqueles meios.     Maria Nunes:  Excelente crónica MJA.     Carlos Quartel: Pouco contundente a cronista. O que está por explicar é o aumento de óbitos não covid, da ordem dos milhares, nos últimos meses e a sua provável associação à falência do SNS, totalmente dedicada à covid. O que seria de averiguar é se não teria havido possibilidade de salvar algumas ou muitas dessas vidas, se se utilizassem todos os meios disponíveis, incluindo o sector privado.   Uma investigação interessante a fazer, estabelecer a relação entre essas mortes que estragaram as estatísticas e os atrasos nas consultas, nos rastreios, nas operações, etc E mais, nos cancros, quantos verão agravar-se a situação por falta de rastreio atempado e quantos irão pagar com a vida esse atraso ?? E se, depois de averiguado, não restassem dúvidas sobre a relação causa/efeito, não haveria lugar a inquérito mais profundo, que suscitasse o interesse da justiça ??

Não há ninguém responsável por este não previsto aumento de óbitos?? Fraca e desatenta imprensa, fraco povo anestesiado com a bola ..... Marie de Montparnasse > Carlos Quartel: Se quisermos ler, MJA disse tudo. 

Joaquim Rodrigues > Carlos Quartel: O "confinamento" só tinha sentido se tivesse servido para levantar trincheiras contra o Covid, em particular na defesa dos Grupos de Risco. Afinal não preveniram, não trataram, não organizaram nada! Afinal, como se vê com a multiplicação de casos em lares de idosos, o confinamento só serviu para afundar ainda mais a economia!    Filipe Paes de Vasconcellos: Vivemos num país em que, com a golpada  do Costa em 2015, foi instalado um regime social comunista dos novos tempos! Este regime passou a controlar tudo e o seu contrário. Este regime teve o apoio do PR, e do PSD, apoios que nunca deveria ter tido. A nossa sociedade está completamente deslaçada, e ninguém se importa. A democracia política está doente! A democracia económica é tolerada! A democracia social é uma vergonha! Temos cada vez mais pobres e fome, a grassar entre os mais novos (veja-se as crianças nas escolas). A classe média, quase desapareceu! Não obstante, sendo um dos grandes motores de crescimento de qualquer economia consolidada, tem sido continuadamente fustigada com impostos. A caracterização que acabei de fazer e olhando para Portugal hoje, faz-me lembrar um país satélite da URSS. Mas temos um PR que não passa de um mestre cerimónia do regime social comunista e porta voz do governo socialista apoiado pela extrema esquerda. Mas temos um PM que nunca é responsável quando o Estado falha em todas as situações em que o Povo mais necessita de apoio e se encontra cada vez mais dependente desta gentalha que nos “governa”      Marie de Montparnasse: A justeza expressa na beleza das palavras com que Maria João Avillez nos mima de quando em quando, são um bálsamo nestes dias. incógnitos. Muito obrigada.

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