Uma vez mais, um bem elaborado artigo de
António Barreto, como
sempre preenchido com o rigor e a precisão de dados, enfiados numa argumentação
sequente, desta vez sobre a ineficiência dos processos médicos e pedagógicos
por cá, com a falta constante de médicos e professores, apesar das estatísticas
nos situarem num posicionamento razoável em relação aos mais serviços europeus.
E à questão final sobre o porquê disso,
apontando António Barreto várias
razões justificativas, naturalmente pertinentes, eu alvitro mais uma ou duas
razões para explicar tanta ineficácia, culpabilizando este bom clima soalheiro
que nos faz menos enérgicos e menos trabalhadores que os povos mais
setentrionais, tornando-nos mimados e médico-dependentes. No caso das escolas
também se verifica tal desorganização inicial (e progressiva) talvez pela pouca
compostura dos meninos e meninas a quem é permitida a indisciplina atrevida,
exigindo mais empregados auxiliares dela, e as turmas, sendo demasiado
preenchidas, com 28 ou mais alunos, requerendo mais professores para as
repartir…
OPINIÃO
Médicos e professores
PÚBLICO, 18 de Outubro de 2020
Com
ou sem crise, no início do ano lectivo ou em pleno período de exames, por
altura das matrículas ou na época das avaliações, uma evidência parece
impor-se, de tal modo é proclamada: não há professores que cheguem! Os
professores estão velhos, há demasiados alunos por turma, há alunos sem aulas
por falta de professores… É verdade que faltam auxiliares, os edifícios estão
em mau estado… Mudam os programas e mudam os manuais… Mas um tema se sobrepõe: faltam
professores!
Na saúde, há fenómenos paralelos. Fora
da actual crise (em que tudo falta, evidentemente), em qualquer
situação sanitária, com as gripes de inverno ou os calores do verão, com
as centenas de milhares de pessoas em espera de cirurgia e consulta, na evidência de uma enorme desigualdade
social no acesso aos cuidados de saúde, na polémica entre o público e o
privado, na discussão sobre o orçamento ou no debate sobre as carreiras… um tema sobressai: faltam médicos! Episodicamente, os enfermeiros entram em cena: além
de médicos, faltam enfermeiros.
A insuficiência destes profissionais, aliás, seria a responsável pela
ineficiência dos serviços de saúde. Na verdade, médico sem
enfermeiro é problema.
Não
é claro que outras profissões sejam afectadas pela mesma reputação de
insuficiência ou de carência. Mas estes casos são clássicos e merecem
conferência. Vale a pena olhar para os números e as comparações
internacionais. Mesmo sabendo que se trata de médias e de categorias muito
gerais e tendo a certeza de que os contextos são diferentes, as comparações são
interessantes. E ajudam-nos não só a perceber, como também a fazer as perguntas
adequadas. Com a ajuda da Pordata,
do INE, do Eurostat e da OCDE, preparemo-nos para algumas surpresas.
O
número de médicos por habitante pode ser um indicador do estado de
desenvolvimento de um país ou da prioridade que a política confere à saúde. A média
europeia é de 378 médicos por 100 000 habitantes. Num total de 27 países, Portugal
figura num honroso terceiro lugar, com 515 médicos.
O primeiro europeu é a Grécia, com 610, o último é a Roménia, com 301. Na Europa, com mais médicos do que
Portugal, só a Grécia e a Áustria. Com menos, contam-se 23 países, entre os
quais os mais ricos e com sistemas de saúde mais famosos.
O
número de médicos de clínica geral mostra também realidades interessantes. Portugal
encontra-se em primeiro lugar na Europa. Já na
saúde dentária a realidade é menos brilhante, mas Portugal não está nos últimos
lugares. Com 101 dentistas por 100 000 habitantes, Portugal está longe da
Suécia (173). Onze países têm melhores indicadores do que o nosso, mas oito
estão pior. O caso dos enfermeiros é diferente. Os resultados
portugueses são medíocres. Com 716
enfermeiros por 100 000 habitantes, Portugal está muito longe dos 1 722 da
Alemanha. Quinze países estão em melhor situação, mas ainda há sete com menos
enfermeiros do que Portugal.
A despesa
com a saúde é outro indicador frequentemente citado. Na
Europa, doze países têm mais recursos do que Portugal, enquanto onze têm menos.
Quer isto dizer que nos encontramos a meio da tabela. Mas os 1
870€ por ano e por habitante ficam muito longe dos 5 226€ da Dinamarca. Em percentagem do PIB, rácio indispensável,
Portugal fica na metade superior, com oito países em melhor situação, mas
dezasseis em pior. Os nossos 9,5% não estão muito longe dos 11% alemães.
Finalmente,
a esperança de vida. Portugal
está acima da média da UE, com 16 países revelando menos anos de esperança de
vida e 15 com mais.
Com
excepção do número de enfermeiros, todos os indicadores quantitativos
revelam uma situação confortável, em franco progresso. São
resultados surpreendentes, quando pensamos nas filas na recepção, nos tempos de
espera para cirurgia e consulta, nas demoras com a Internet, no acesso tão
difícil aos pobres e aos que não têm recursos para a medicina privada! O que está errado? Serviços mal
organizados? Os médicos trabalham pouco? Acumulam funções no privado e no
público? Os serviços e os hospitais estão mal equipados?
Na
educação, há paralelos possíveis. A falta de professores é um dos
temas mais frequentes em toda a discussão sobre aulas e escolas, êxito e
insucesso, literacia e abandono. A
falta de professores é tida como responsável pelos maus resultados, pela má
preparação de tantos profissionais e pela reduzida qualificação dos
portugueses. A exigência de contratação de professores é unânime.
Todavia,
as comparações quantitativas internacionais não traduzem essa falta. No caso do
número de professores do ensino básico (1º e 2º ciclos), Portugal fica a meio
da tabela com 12 alunos por docente, abaixo da Roménia (19) e acima da Polónia
(8). Com mais alunos por docente, há doze países, mas quinze com menos. No caso
dos docentes do ensino secundário, há na Europa 19 países em piores condições
(com mais estudantes por professor) e oito países em melhores condições (isto
é, com menos estudantes por professor). O número de professores do ensino
superior também não envergonha Portugal, antes pelo contrário. Na óptica
dos estudantes por docente, Portugal fica no primeiro terço, com 6 países em
melhores condições, mas 21 em pior situação. A despesa com educação atinge
em Portugal cerca de 6,3% do PIB, o que coloca o país em quinto lugar, num
total de 27.
Sabemos que os progressos, em
Portugal, ao longo das últimas décadas, foram enormes. Também sabemos agora
que, na saúde e na educação, certos indicadores revelam condições e realidades
que não confirmam o sentimento de catástrofe e a noção de carência tão usuais.
Mas também sabemos que a ineficiência dos serviços públicos, a má qualidade das
prestações e sobretudo a desigualdade social no acesso são relevantes e
notórias.
Com excepção dos enfermeiros e dos auxiliares de educação, a falta
de profissionais não parece ser uma causa importante dos atrasos, da
ineficiência e da desigualdade. Nem as percentagens da despesa no produto. Há
que procurar causas e remédios noutras áreas. Na
organização dos serviços? Na disciplina de trabalho? No poder excessivo das
organizações profissionais? Nas relações entre privados e públicos? Na falta de
autonomia e de responsabilidade das instituições? Na indiferença das
autarquias? No centralismo burocrático? Na interferência do poder político? Na
insuficiência dos orçamentos? Na falta de
professores e de médicos não é com certeza.
Sociólogo
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