De pedir ao Papa liberal, abertura para
a liberalização matrimonial entre o clero católico, como existe entre o clero
protestante, e mal não veio ao mundo por isso. Creio que o pai das irmãs Brontë
era pastor anglicano, instruído, portanto, e nesse seu meio, cresceram três
filhas ilustres como escritoras e mundialmente famosas. Cá entre nós, tivemos
quem da censura ao celibato eclesiástico fizesse tema de obras-primas
literárias, como Herculano no seu “Eurico o Presbítero” ou Eça, em “O crime do
padre Amaro”. Entre outros escritos. Não me esqueço também de um livro que na
minha adolescência, encontrei na estante do meu pai, escondido atrás dos que
tinham direito a uma exposição mais visível - talvez para defender as filhas
dessas leituras pecaminosas - e que se chamava “O Convento Desmascarado”. Como era eu que limpava a estante, bastas
vezes ficava sentada no chão a ler, na ausência do meu pai, no seu trabalho de
funcionário, e assim me dei conta dos mundos de lascívia e crueldades
praticadas nesses conventos. Também meu pai era um ser um tanto revoltado e
triste, porque criado sem pai, já que era filho de um padre, o que constituíra
mancha indelével para a minha avó, pessoa isolada na sua aldeia, vivendo
marginalizada, por orgulho próprio ou por desprezo alheio. Mas a minha mãe
soube estimá-la, e quando regressámos a África, para junto do meu pai, depois
da guerra, levámo-la connosco, e pôde morrer junto do filho.
Hoje em dia, num mundo menos sombrio no
capítulo das relações humanas, o próprio papa interfere fraternalmente nas
uniões gay, permitindo o seu matrimónio civil. Mas, porque não uma igual
compreensão para com os seus representantes em Cristo, frades, freiras,
sacerdotes e mais dignitários? Embora o matrimónio ofuscasse a dignidade do
Alto Clero, é certo, equiparando a nobreza dos representantes de Deus na Terra,
a esses da alta nobreza palaciana, com todos os seus desvarios… Mas talvez
obstasse a muita indignidade ou mesmo crime, ao nível do clero regular, ou
mesmo do clero secular de menor preponderância hierárquica…
EDITORIAL
Papa, uniões gay e Igreja Católica
Francisco acabou de atravessar uma
espécie de Rubicão no seu papado. Já não é só acolher os gays, é defender a sua
organização familiar em moldes mais ou menos idênticos aos casamentos entre
homem e mulher, que os católicos encaram como um sacramento.
ANA SÁ LOPES
PÚBLICO, 21 de Outubro de 2020
E
o Papa lançou ontem uma bomba: Francisco, o chefe da Igreja Católica que mais
se tem esforçado por acolher gays e famílias gay na congregação, defende a legalização de uniões civis
de homossexuais. As palavras
do Papa, que vão expressamente contra a posição actual da Igreja, aparecem num
documentário apresentado ontem em Roma que tem o seu nome – Francesco. Desta
vez, o discurso de Francisco é inequívoco e dificilmente abre espaço a que os
serviços de imprensa do Vaticano venham temperar a coisa a não ser para dizer o
óbvio: o que o Papa disse não corresponde à doutrina oficial da Igreja.
E
é verdade que não corresponde. Francisco esteve entre os “perdedores” no Sínodo de Outubro de 2014, quando os parágrafos do documento preparatório que
defendiam uma maior integração dos gays na Igreja Católica não obtiveram a
maioria de dois terços necessária à sua aprovação. Os bispos reunidos em Roma,
na altura, não aceitaram que ficasse escrito que os homossexuais tinham
“qualidades a oferecer à comunidade cristã”. Só foi aprovado que a
discriminação contra gays “deve ser evitada”.
Mas
Francisco nunca foi tão longe como nesta sua entrevista: “Os homossexuais têm
direito a viver em família”; “São criaturas de Deus e têm direito a uma
família”; “O que temos de criar é uma lei de união civil. Dessa forma,
estarão legalmente protegidos”. E, no documentário, diz ainda que já
defendeu as uniões civis, provavelmente quando se discutiu o casamento gay na Argentina, aprovado em 2010. Na época, Bergoglio era cardeal de Buenos Aires e
fez campanha contra a legalização do casamento.
Francisco
é o chefe da Igreja Católica, mas não é a Igreja Católica – a prova disso foi a
sua derrota no Sínodo de há seis anos. Os mais cínicos, como o correspondente da BBC em Roma, dirão que Francisco segue uma linha de fazer
pronunciamentos que agradam aos mais liberais, enquanto vai mantendo mais ou
menos intacta a ordem tradicional da Igreja Católica.
Contudo,
as coisas movem-se, mesmo numa instituição conservadora. Francisco acabou de
atravessar uma espécie de Rubicão no seu papado. Já não é só acolher os gays,
é defender a sua organização familiar em moldes mais ou menos idênticos aos
casamentos entre homem e mulher, que os católicos encaram como um sacramento.
Estamos a assistir a um corte epistemológico no Vaticano, contra as leis até
agora aprovadas pela congregação. Francisco abre o caminho para que a Igreja
Católica não se divorcie totalmente do mundo que quer doutrinar.
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COMENTÁRIOS
teresa
cravalho INICIANTE: Bergoglio apresenta claros sinais de radicalismo
ideológico e é simplesmente ridículo. Onde já se viu o responsável máximo de
uma qualquer organização, com posições doutrinárias definidas de forma
colectiva e democrática, fazer declarações públicas contrárias e conflituantes
com a doutrina institucional oficial. Se não acredita ou perfilha de tal
doutrina, é óbvio que nunca deveria sequer ter aceitado ser papa e há muito se
deveria ter demitido. Antonio INICIANTE: O
teólogo de João Paulo II foi Joseph Ratzinger. Desde 1990, pelo menos que eu
conheça, Ratzinger defendeu, sobretudo perante a juventude, uma liberdade
sexual que era preciso entender. Está documentado. No 1º trimestre do seu Pontificado
como Bento XVI, quando Feitor Pinto defendeu o uso de preservativos e foi muito
criticado, ele tornou-o Monsenhor. Continua a ser um dos 3 Teólogos mais
importantes dos últimos 1.000 anos. Enquanto Papa Emérito, Francisco tem nele
um teólogo actual, do nível de S. Tomás de Aquino ou de S. Domingos, com a
vantagem do maior conhecimento. Bento XVI abdicou e indicou o seu sucessor
porque lhe era difícil falar a nossa linguagem. Ser homossexual não o impede de
ter uma inteligência cintilante. Esta decisão de Francisco tem, seguramente,
influência de Bento XVI. 21.10.2020
Bom dia,
Lisboa! INFLUENTE: ?... teresa
cravalho INICIANTE: Mas o senhor está a acusar quem de ser homossexual?
Ratzinger ou Bergoglio? antoniorsgm.864382 INICIANTE: O
sacramento do matrimónio continua (e bem) reservado para a relação entre um
homem e uma mulher que queiram procriar. A Igreja costuma fazer um paralelismo
com a Santíssima Trindade, para aludir aos pais e ao filho criado! Mas ainda
bem que a nossa Igreja deu este passo na aceitação da comunidade LGBTI: que
nunca volte atrás! 21.10.2020
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