… neste caso da pandemia. Jaime Nogueira Pinto explicou,
com dados precisos e números que soube colher. E também o problema de Angola, de dívida anterior, por conta da crise
do petróleo, da crise de probidade, do presidente deslumbrado pela riqueza pessoal
e menos pelo bem-estar pelo povo que ele governou, crise… Os muitos devedores e
os credores nesta “África minha”, tão
pujante, que JNP tão
excelentemente nos soube transmitir…
África: a epidemia da dívida /premium
Os ministros das Finanças de África
pediram um pacote financeiro de alívio no valor de 100 mil milhões de dólares.
Até que ponto os credores aceitarão este pedido, é o nó da questão. Sobretudo a
China.
Jaime Nogueira
Pinto
OBSERVADOR, 16 out
2020,
Siga Jaime Nogueira Pinto e
receba um alerta assim que um novo artigo é publicado.
A
pandemia lançou sobre todo o mundo uma espécie de maldição suspensa,
misteriosa, ambígua, com comportamentos erráticos. Em consequência, as reacções dos povos e dos
governantes – dos homens e mulheres da rua e das elites e até das comunidades
científicas e dos encarregados de velar pela saúde pública da Humanidade –
foram também ambíguas e erráticas.
Todos
concordamos que houve, no passado, flagelos bem mais letais que este, que
mataram mais gente e mais depressa:
da velha Peste Bubónica – a que
vinha com os ratos e as pulgas dos ratos e martirizou a Europa durante quatro
séculos –, à Gripe Espanhola de há cem
anos. E se compararmos os números da população mundial desses tempos com os de
hoje, as diferenças são ainda maiores.
Num tempo de optimismo
Mas esta epidemia surgiu num tempo de
optimismo quase utópico, sobretudo na Euroamérica e nalgumas terras da Ásia, em
que parte das elites, e mesmo das classes médias jovens e emergentes, já se
sentia livre deste tipo de más notícias e piores realidades, confiando na
Ciência e na Técnica de um modo tão crédulo e absoluto como os primitivos se
entregavam a oráculos e bruxas.
Só
levando em conta este optimismo instalado, esta certeza de que as sociedades
modernas – rumo ao imortal Homo Deus do “profeta” Hariri, com domínio sobre a natureza das coisas e sobre a sua
própria natureza – estariam blindadas contra os males da velha Humanidade, se
pode entender o que se abateu sobre o coração da Europa e do mundo: o excesso
de pânico, o desequilíbrio entre a imprevidência de uns governos e o
fundamentalismo de outros, as falhas e os exageros constantes.
Agora que, para o bem ou para o
mal, a Pandemia entrou na normalidade e
sabemos que vamos ter de viver com ela “habitualmente”, mesmo que isso signifique viver perigosamente, é
que nos damos conta da globalidade da ameaça, mas também dos diferentes modos
como está a actuar sobre os diferentes povos e continentes.
Temos agora mais de 38 milhões de
infectados e cerca de 1.100 000 mortos. A maior incidência letal é nas Américas
(cerca de 600.000 mortos), depois na Europa (235.000), depois na Ásia
(215.000), depois na África (39.000), e finalmente na Oceânia (1008).
Desta
análise pareceria que a África seria privilegiada, mas não é assim. E não é
assim porque em África – como na Europa e nas Américas, sobretudo para os
muitos desfavorecidos –, os efeitos económico-sociais, as causas
periféricas, ameaçam matar muito mais gente que a Covid-19. Até porque a
pandemia chegou a África sobre uma situação estruturalmente muito difícil.
Neste
ano de 2020, os Estados africanos tinham a pagar, em função da dívida, 44 mil
milhões de dólares em capital e juros. Isto é mais do que esses Estados
poderiam gastar em saúde e assistência médica.
Embora
o continente registe números relativamente baixos em termos de infectados e
mortos, as consequências económico-sociais da pandemia sobre uma já precária
situação económica vão ser muito graves.
África: Os efeitos colaterais
A
incidência directa da Covid-19 é relativamente baixa, sobretudo na África
Tropical e Subtropical, por razões que temos repetidamente referido e que,
sumariamente, são o calor, a juventude da população, a imunidade criada pela
exposição a outras e mais graves epidemias e a falta de registos.
Mas
como também já sabemos na Europa e na América, uma coisa são os efeitos
directos na saúde pública, outra são os efeitos na economia e na vida social.
A
África também é atingida pelas medidas de confinamento: nas grandes cidades, a
precaridade de emprego faz com que quem não saia para trabalhar não coma, nem
alimente a família.
Uma
outra consequência da epidemia foi adiar o início da Africa Free-Trade Zone
(AFLFTA), uma iniciativa em que se depositaram grandes expectativas de
desenvolvimento, porque ia criar uma zona de livre concorrência com 54 países,
1300 milhões de pessoas e 3,4 triliões de dólares de valor.
Ao
contrário, o PNB das principais economias da África Subsaariana – Nigéria, África do Sul e Angola – vai cair substancialmente, já que a Nigéria e Angola
sofrem com a queda do petróleo, e a África do Sul é o país mais atingido pela
Covid-19.
Pagar ou morrer
A
queda dos preços das matérias-primas, dos hidrocarbonetos aos produtos
alimentares, em mercados como Angola e a África do Sul, bem como a interrupção
do Turismo, que atingiu o Ruanda, são exemplos das consequências negativas da
pandemia no continente. Mas também os capitais e investimentos que se
retiraram, esperando melhores dias. A acrescentar a isto, na maioria dos países
da África Subsaariana, dois em cada três empregos são no sector informal, ou
seja, isentos de ajudas sociais.
O
entendimento geral e global para o mundo tem sido que a pandemia criou
uma situação de estado de necessidade no limite da sobrevivência da própria
vida civilizada e que, por isso, teria de haver medidas excepcionais no sector
financeiro e económico, mesmo à custa de uma espiral de endividamento. Era preciso fazer chegar a uma economia em colapso
meios de pagamento; e é o que se tem estado a fazer.
Quanto a África, os efeitos colaterais podem tornar-se apocalípticos se
não houver uma rápida e responsável mobilização do mundo em relação ao problema.
Actualmente, há um relativo
entendimento que, a fim de desagravar a situação económico-social e também
sanitária africana, os credores internacionais devem considerar planos de
perdão de dívida (capital e juros) de uns países e a dilatação de prazos de
pagamento de outros.
Os
credores de África são os países desenvolvidos da Euroamérica e a China.
Mas
enquanto nas sete economias mais desenvolvidas do globo a média da renda per
capita anda pelos 45.500 dólares, na China ela é cerca de 10.000.
A China, que é um dos grandes credores da África (cerca de 20% dos
créditos), está numa situação que não lhe permite grandes generosidades.
A
dívida chinesa provém de empréstimos governamentais e de bancos e fornecedores
a África a partir de 2000, num valor que ronda os 150 mil milhões de dólares.
Países como Angola, o Quénia, a Etiópia e a Nigéria contam-se entre os
principais devedores da China.
Os
ministros das Finanças de África pediram, no início da crise pandémica, um
pacote financeiro de alívio no valor de 100 mil milhões de dólares, dos quais
uma parte seria constituída pelo perdão ou adiamento do serviço da dívida no
valor de 44 mil milhões. Pediram também que uma parte da dívida dos países mais
pobres fosse anulada e outra convertida em empréstimos de longo prazo e baixos
juros.
Até
que ponto os credores aceitarão este pedido, é o nó da questão. Sobretudo a
China, detentora de uma posição substancial dos créditos sobre África.
O caso angolano
O
caso de Angola é um bom exemplo: a dívida externa angolana está neste
momento em cerca de 49 mil milões de dólares e as reservas do país em cerca de
10 mil milhões. Nos anos de
ouro do pós-guerra e do petróleo alto, as reservas chegaram a ultrapassar os
110 mil milhões. A quebra dos preços do crude afectou o valor de uma
economia que era, desde há muito, essencialmente uma petroeconomia. Desta
dívida externa, a maior parte é à República Popular da China, a quem Angola deve 20 mil milhões de dólares. O
segundo credor é o Reino Unido.
Cada angolano (são 30
milhões) deve 1500 dólares ao exterior: 700 à China e cerca de 250 ao Reino
Unido. A maior parte desta dívida é comercial, a Bancos e
fornecedores vários. A ministra das Finanças, Vera Daves, espera que da renegociação da dívida no quadro do
G20 e fora dele resulte uma poupança de cerca de seis mil milhões de dólares
até 2023.
Desta
dívida de 20 mil milhões, metade foi para a capitalização da Sonangol.
Não deixa de ser curioso comparar estes números no momento em que o Presidente
João Lourenço, numa nova fase da denúncia da cleptocracia e corrupção no
passado próximo, venha
dizer, em entrevista ao Wall Street Journal, que os desvios de
valores do Erário Público terão atingido 24 mil milhões de dólares, dos quais
metade foram destinados à capitalização da Sonangol.
O valor destes “desvios” significa metade da dívida externa, é maior
que a dívida à China e é mais do dobro do valor das reservas do Banco Central
Angolano.
Dando
conta, na mesma entrevista, dos valores que foram recuperados, o Presidente
falou em 4 mil milhões de dólares recuperados no país, acrescentando que mais
cerca de 5,4 mil milhões poderão em breve ser recuperados no exterior – Suíça,
Holanda, Portugal e Reino Unido.
Entre
a recuperação dos valores desviados e a renegociação da dívida, Angola pode
encontrar um substancial alívio das suas contas e recursos para prosseguir com
a urgentíssima diversificação da economia.
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COMENTÁRIOS:
Martelo de Belem ....: Tudo o dito parece que acontece em Portugal. Andrade QB: A moeda de
pagamento da divida de muitos dos países africanos, não todos, mas muitos,
nunca será em dinheiro e o único país preparado para receber em géneros é a
China. Sendo a China um dos maiores credores, caso não seja o maior a título
individual, nunca vai perdoar nada, aceitará umas moratórias e, mesmo essas,
não será a troco de nada. Luís
Martins: A destituição do
anterior presidente angolano, verdadeiro esteio da cleptocracia que durou
décadas, aconteceu somente devido à queda brusca e persistente do preço do
petróleo, o que fechou a torneira do desvio de fundos da Sonangol e da fazenda
pública. Deste modo, a agenda
justiceira de João Lourenço tem mais que ver com a repartição/recuperação do
roubo, do que genuínas preocupações com o estado de direito. Caso contrário, há
muito que o ex-presidente Santos teria sido afastado....e julgado. A China
nunca perdoará a dívida aos países africanos. Só aceitará alterações
contratuais (alargamento de prazos, moratórias, mexidas nas taxas) por troca
por mais dependência desses países.
Toy Taborda: Os países africanos precisam é que se pare de ajudar por tudo
e por nada. Têm quantidades de população absolutamente enormes, quando
comparadas com a sua capacidade de produzir. O resultado é óbvio: muitas
pessoas terão de morrer até se atingir o equilíbrio. José
Coelho Maia > Toy Taborda : Isso é uma falsa
questão. Ou uma visão eurocêntrica Angola tem uma área superior a 1,2 milhões km2
de território e tem um população de 30 milhões de pessoas, . Tem uma área
superior à da França, Espanha e Alemanha juntos!! E esses 3 países têm em
conjunto mais de 180 milhões de pessoas. Ou tens a Holanda e a Bélgica que tem
áreas geográficas de 30/40 mil km e tem 12/15 milhões de habitantes. Se Angola
e restantes países africanos, modernizaram a agricultura, igual à Europa, EUA,
serão capazes de suportar a população actual e a futura. África é o continente
que vai ter maior crescimento entre todos os continentes, e vai ter a população
mais jovem. Até 2100, a Nigéria vai ser o 3º país mais populoso do mundo, com
700 milhões, Angola e Moçambique terão mais de 130 milhões cada 1. Entre os 10
mais populosos 4 serão africanos!! Andrade
QB > José Coelho Maia: Isto é responder a alhos com bugalhos. Toy Taborda referiu a relação entre
população e capacidade de produção e não a relação entre população e área do
país. Onde pode estar o erro é no confundir a ajuda às cliques dirigentes com
ajuda ao desenvolvimento desses países. Gens Ramos: A solução do endividamento externo é uma prática ancestral e generalizada,
não podemos, focar-nos demasiado no problema? Talvez. Ou não. O problema são as
dívidas individuais que se generalizaram com/após as colectivas. Estarei certo? Adelino Lopes: Confiança
absoluta na ciência e na tecnologia? De uma coisa estou certo; o absolutismo
não existe na ciência, ou se quiser, o absolutismo até pode existir até se
provar o contrário. Por exemplo, uma cura para uma dada doença pode ser
absoluta até existir outra, ou até se mostrar que não é uma cura de todo.
(minha teoria) A sociedade em geral tende a olhar para as ciências e
tecnologias como se olha para a matemática; tipo 1+1=2. Na aritmética, o
resultado é aquele na base 10. Só que isto não é assim em todos os domínios.
Por exemplo, em informática (base 2), 1+1=10. Entre outras coisas, aconselho as
pessoas a verem que 2+2 vale aproximadamente 4 (2+2~4). Ou seja, existe um erro
associado. O objecto da ciência consiste em tornar esse erro o menor possível
para que seja compatível com a humanidade. Mas temos de o dizer peremptoriamente:
Não vejo alternativa à ciência para a resolução dos problemas tipo pandemias. Quando
a política se mete no caminho só estorva e vai atrasar a solução.
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