Afinal, a questão da liberdade
matrimonial dos homossexuais, por decisão do papa Francisco, decisão que fere ainda, talvez, muita gente, tenaz
conservadora dos preceitos católicos, dá pano para mangas em debates de uma
tenacidade nem sempre amena. O texto de JMT parece justo e equilibrado, de um conceito menos
anquilosado talvez, mas nem todos os comentadores seguem o mesmo trilho modernista.
Leiamos, meditemos, concluamos, na paz de Deus, se o seguirmos:
OPINIÃO
O princípio do fim da obsessão
sexual na Igreja?
É hora de a Igreja deixar de olhar para as partes
baixas e voltar a colocar o seu olhar onde ele deve estar – lá bem em cima.
PÚBLICO, 21
de Outubro de 2020, 22:53
Ao
longo dos últimos 60 anos, falar de Igreja Católica no espaço público foi
sinónimo de falar de sexo. Não havia outro assunto. Falava-se
da Igreja porque ela proibia a pílula e o preservativo. Falava-se da Igreja e da
encíclica Humanae Vitae (1968) porque ela dificultava o combate à sida em
África. Falava-se da Igreja para criticar a exclusão dos homossexuais.
Falava-se da Igreja a propósito do celibato dos padres. E depois, claro, veio o escândalo da pedofilia, e não se
falava de outra coisa.
Há mais de meio século que tudo tem
andado à volta do sexo e da sua repressão, o que é tanto mais absurdo quanto o
sexo está praticamente ausente da doutrina evangélica. Em nenhum dos Evangelhos se fala directamente de
celibato ou de homossexualidade, a tolerância de Jesus para com prostitutas e
adúlteras é avassaladora, e a forma como a Igreja foi sustentando, ao
longo dos anos, a sua doutrina nesse campo, advém de uma mistura de tradição
secular com a interpretação tortuosa de versículos escolhidos a dedo.
A
Igreja Católica queixava-se de que o problema não era dela, mas sim dos meios
de comunicação social, que não davam atenção a mais nada. Desculpas. O
problema era mesmo do velho catecismo, que corporizava uma longa história de
preconceito contra o sexo, hipervalorizando aquilo que na Bíblia nunca passou
de notas de rodapé. Até que a brutalidade e a dimensão do escândalo da
pedofilia, em conjunto com as estratégias miseráveis de ocultação da verdade,
colocaram a Igreja numa posição insustentável.
Nesse
sentido, a notícia de hoje, de que o Papa Francisco afirmou num documentário que “os
homossexuais têm o direito de fazer parte de uma família” e que “ninguém deve ser deixado de fora ou
sentir-se arrasado por causa disso”, é
algo simultaneamente óbvio e digno de ser celebrado. Finalmente as coisas são ditas com esta
clareza, para mais com Francisco a defender ainda “uma lei de união
civil” para que os casais homossexuais
estejam “legalmente seguros”.
Isto
é mais do que reafirmar a separação entre o que é de César e o que é de Deus –
é declarar as leis de César essenciais para que se faça justiça neste mundo, e
que o casamento civil entre homossexuais não é apenas um mal menor, mas antes
um instrumento virtuoso e necessário. Para quem conhece tantos homossexuais
escorraçados da Igreja e obrigados a procurar formas semi-subterrâneas de
continuar ao seu serviço, é caso para dizer: aleluia!
Aquilo
que o Papa Francisco parece ter
percebido (ainda que alguns possam continuar sem perceber) é que a Igreja pode
ser conservadora, mas não pode ser retrógrada. Quando o olhar da sociedade em
relação aos homossexuais é mais cristão do que o olhar da Igreja que se diz de
Cristo, há aí um problema grave, de que Jorge Bergoglio em boa hora se apercebeu. E não se trata aqui de ser
“moderninho” ou “popular” – trata-se apenas de seguir a doutrina de
acolhimento dos excluídos.
Aos
poucos, desejo muito que as consequências desta postura de Francisco não se fiquem pela questão da homossexualidade, e
sirvam para superar a tal obsessão pelo sexo que domina a Igreja há décadas,
desviando atenções da mensagem central que ela tem para oferecer a quem é
católico, ateu ou qualquer coisa lá no meio: o mundo não se esgota na sua superfície e há uma
dimensão espiritual extraordinária à nossa disposição. É hora de a Igreja
deixar de olhar para as partes baixas e voltar a colocar o seu olhar onde ele
deve estar – lá bem em cima.
Jornalista
TÓPICOS
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COMENTÁRIOS:
Marcelo Melo: INICIANTE: A
Igreja tem uma convicção muito própria de que o matrimónio é vocacionado para a
procriação. A mensagem é clara, e a título de exemplo basta citar que quem
contrai matrimónio tem de assinalar em formulário que vai educar os filhos na
fé cristã. Uma Igreja sem regeneração, é uma religião em declínio, e portanto a
Igreja vive obcecada com a procriação-expansão. Só que o matrimónio inclui a
dimensão de casal, e neste último não cabe, à força, a ideia de
"procriação". Julgo que é preciso desenlaçar este conceito, para que
a Igreja possa aceitar no seu seio casamentos que não têm a procriação (nem a
educação de filhos na doutrina cristã) no cerne do vínculo que se quer
estabelecer. Antes dos filhos vem a dignidade civil dos próprios pais, mesmo
que não venham a ser pais efectivamente.
DemocrataXXI EXPERIENTE: A Igreja peca sempre, por se posicionar tarde e a más
horas, em temas da maior relevância para a dignidade humana. No seu delay, faz
vítimas, muitas, mais do que as que seriam necessárias, assim acompanhasse a
natural evolução das mentalidades, e é nessa base, que há que avaliar da bondade
do seu projecto. A bênção da igreja católica, à união de facto, é disso mesmo
um retardatário exemplo, como antes foram outros fundamentais valores: a
dignificação da mulher aos olhos da igreja, a delação da pedofilia após décadas
de encobrimento, e mais recentemente o tema do referendo à eutanásia. delta EXPERIENTE: A Igreja não é obcecada com sexo, a cultura moderna é
que é, e encontrou na Igreja o seu principal adversário. Quem é o sujeito em
"falar da Igreja Católica no espaço público" ou "falava-se da
Igreja"? Fun.eduardoferreira.883473 EXPERIENTE: Refira por favor um período na história em que sexo
não fosse “obsessão” pela negativa ou pela positiva... de toda a minha
investigação histórica não conheço nenhum. Claro que quando as Morais criadas
pelas religiões (ou vice-versa! É como a história do ovo e da galinha) reprimem
o sexo e tornam algo ignóbil pese embora seja parte natural e fundamental da
existência humana, chegamos a esta discussão absurda de um não assunto.
Catarina Fiolhais INICIANTE: Mas afinal a pertença à IC alguma vez foi ou é
coerciva? Que eu saiba, quem não se identifica com os seus ensinamentos,
nomeadamente em matérias de moral sexual, é livre de adoptar outros que os
contrarie. A posição de que parte para esta exposição é totalmente falsa. Nunca
houve qualquer obsessão da IC com o sexo. O que há sim, e desde sempre, é uma
obsessão dos debochados com os ensinamentos IC nessa matéria. O que, aliás, é
bem revelador do aleijão moral e do recalcamento psicológico que os traumatiza
e afecta todas as esferas da sua vida. Não conseguindo sequer tolerar a
existência de pessoas que repudiam o deboche como forma de vida. Exigindo,
outrossim, da forma totalitária, que também os caracteriza, que o dito deboche
seja de obediência obrigatória e universal. Manuel Figueira EXPERIENTE: Catarina Fiolhais: Esta sua frase aplica-se a si,
lindamente. «A posição de que parte para esta exposição é totalmente falsa.» O
seu raciocínio é espectacular, mas assente numa premissa falsa: a de que o que
ocorre no seio dos grupos a que se pertence não extravasa para as sociedades. A
IC tem um poder simbólico e um poder fáctico de uma dimensão incomensurável nas
sociedades ocidentais. Por isso, questionar a IC decorre desses poderes,
simbólico e fáctico. É simplório acreditar que o assunto se circunscreve
à mera filiação na agremiação, como pretende fazer-nos crer no seu comentário.
É este extravasamento que nos legitima para questionarmos a IC. Soeiro INICIANTE Se se fizesse um filme com o que vai na sua cabecinha
era para maiores de 21 anos!
Marcelo Melo INICIANTE Penso que a questão se coloca é mais ao contrário: a
pertença coerciva da IC numa sociedade que pretende ser cada vez mais plural.
Fun.eduardoferreira.883473 EXPERIENTE Exactamente @Miguel Figueira e até porque a IC tem uma
tradição totalitária e de poder. Mas tiradas como a da nossa cara @Catarina
reflectem aquilo que é recomendado por essa igreja aos seus fiéis, não
reflectir sobre os dogmas (em tempos era considerado heresia e era passagem
directa para a fogueira) e ainda eliminar da história os episódios de
intolerância e crimes contra a humanidade dessa instituição retrógrada. Se não
se sabe história e não se reflecte sobre os dogmas, seremos todos mais umas
Catarinas e é isso que as “igrejas” pretendem. A religião trata da fé e não
pode ou deve dirigir comportamentos individuais. joao.prudente INICIANTE Finalmente vejo transcrito aquilo que verbalizo há
tantos anos. A igreja católica tem uma obsessão com o sexo como mais nenhuma
instituição não ligada à pornografia José Luís
INICIANTE De facto a igreja anda há séculos
obcecada com sexo, parece que nem pensam noutra coisa. Manuel Ribeiro INICIANTE Das melhores crónicas que o João Miguel Tavares
escreveu. Parabéns. 21.10.2020
pedroavalente INICIANTE :Caro JMT, muitas pessoas acham que a Igreja só tem
olhado para as partes baixas por um simples motivo: essas pessoas não querem
saber da Igreja e suas mensagens e querem saber (e muito) das suas partes
baixas. Dá muito trabalho e exige muitos sacrifícios pessoais viver em
consistência com as mensagens que a Igreja transmite e dá muito prazer viver em
consonância com os instintos das partes baixas. Como a mensagem da Igreja
incomoda quem o faz, mais vale atacar a Igreja de forma simplista e cega,
tentando limitá-la nesse universo (das partes baixas) que lhes é tão familiar. Árctico INICIANTE O problema é que as partes baixas têm muito mais
impacto no mundo do que os resquícios dos ensinamentos de JC que a Igreja ainda
se incomoda em pregar. Como ateu convicto admiro Jesus Cristo e a sua mensagem
igualitária e universal, mas a Igreja actual está longe de ser igualitária ou
universal.
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