domingo, 18 de outubro de 2020

Mas a tartaruga ganhou…

 

… na fábula, por a lebre se ter deixado adormecer. Não vai acontecer por cá, Manuel Carvalho escusa de se preocupar.

O que nos parece a nós, cá por casa – na minha, pelo menos – é que Rio vive refastelado, à sombra da sua bananeira, com o olho semiaberto sobre os procedimentos dos seus confrades apáticos, mas sobretudo sobre os dos partidos que governam e onde não joga, mas a que se aferra, esperando a vez e a migalha. Simplesmente, a lebre não é dessas estouvadas, como a da fábula, e está sempre atenta aos movimentos alheios, na sua corrida de vencedora, num terreno propício, de apoiantes cegos, surdos e mudos, num país há muito a saque.

Em dois saltos, a lebre atinge a meta. O sono dela foi de ficção apenas, para espreitar o ambiente e desferir na ponta final, feitos os cálculos.

EDITORIAL

O PSD e a fábula da lebre e da tartaruga

Desiludam-se por isso os que vêem na atitude de Rio e do PSD uma inaptidão para cavalgar os tempos de instabilidade e as crescentes fragilidades do Governo. Se há algo que ele provou, é que não pode ser subestimado nas suas capacidades de ler a política a prazo

MANUEL CARVALHO

PÚBLICO, 17 de Outubro de 2020

A menos de um ano depois das últimas legislativas, o sistema político e partidário está tão frenético que até parece que vamos ser chamados a votos para eleger um novo Governo no prazo de semanas. Todo o país político? Não, há uma ilha de paz e sossego onde nada disto parece acontecer: é o PSD de Rui Rio. Conhece-se a proposta do Orçamento? Sim, mas para já não é momento de se anunciar o sentido de voto. Há uma votação sobre o referendo à eutanásia à porta? Sim, mas o PSD dirá só na véspera como vai votar. Há uma proposta de lei polémica que propõe, em casos determinados, a instalação obrigatória da aplicação StayAway Covid? Pois, mas o PSD diz apenas que defende quatro meses de uso obrigatório de máscaras. Há ruído e protesto com a substituição do presidente do Tribunal de Contas? Sim, há, mas o PSD não o alimenta e entra no jogo do Governo pronunciando-se sobre a figura que lhe vai suceder.

Há um lado bom nesta atitude que leva o PSD a assobiar para o lado, a acatar sobras do poder em negociações como a das presidências das CCDR, a abdicar do maior palco para confrontar o Governo que eram os debates semanais, a assumir o “nim” como pose de Estado, a deixar que terceiros assumam as vantagens e os ónus de um debate exaltado: o de temperar o clima político. Num tempo de gatos assanhados, o PSD de Rui Rio faz de Garfield. A opção pela subalternidade não tem mostrado grandes ganhos nas sondagens, não acabou com o tumulto interno, não tem permitido a Rui Rio afirmar-se como dono de uma proposta política alternativa. Mas também tem evitado que se desgaste.

E isto acontece não por falta de jeito ou por incompetência. Pelo contrário: Rui Rio é conhecido pela sua frieza e por uma proverbial capacidade de jogar no tempo longo. Ele sabe que o Governo de António Costa está a ser desgastado pela mais terrível crise que o país enfrenta em muitas décadas. E, acredita, manter-se discreto, colaborante e indiferente à guerrilha política que sobe de tom é a melhor forma de esperar que o poder lhe caia nas mãos. Desiludam-se, por isso, os que vêem na atitude de Rio e do PSD uma inaptidão para cavalgar os tempos de instabilidade e as crescentes fragilidades do Governo. Se há algo que ele provou, é que não pode ser subestimado nas suas capacidades de ler a política a prazo. Na fábula da corrida entre a lebre e a tartaruga, ele será sempre uma tartaruga.

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