Um rio, talvez, por lá pela Lua, onde os
homens irão construir novos povoados, a começar, singelamente – ou talvez não -
por aldeias de roupa branca para curtirem em limpeza … de costumes. Já não vou
assistir. Mas ouçamos a Beatriz
Costa, para curtir por cá, neste clima sombrio
de Covid-19, que transformou estranhamente a nossa Terra, mas onde, de vez em
quando, se detecta que os cientistas continuam a desenvolver ciência, de efeitos
extraordinários e imprevisíveis, quem sabe?
Boa e serena Lua que os homens vão devassar…
Ai rio não te queixes, Ai o sabão
não mata, Ai até lava os peixes, Ai põe-nos cor de prata.
Roupa no monte a corar, Vê lá bem, tão
branca e leve, Dá ideia a quem
olhar, Vê lá bem que caiu Neve.
Água fria da ribeira, Água fria que
o sol aqueceu, Ver a aldeia, traz à
ideia, Roupa branca que a gente
estendeu.
Três corpetes, um avental, Sete
fronhas, um lençol, Três camisas do
enxoval, Que a freguesa deu ao rol…. (“Aldeia da
Roupa Branca”, por Beatriz Costa)
NASA confirma existência de água nas
regiões polares da Lua e abre novas potencialidades para a exploração do espaço
/premium
Há 40 mil metros quadrados de Lua que
podem contar água. Está concentrada nas regiões polares. Confirmação pode vir a
facilitar os planos para as estadias na Lua e a levar avante as viagens a
Marte.
MARTA LEITE
FERREIRA
OBSERVADOR, 26 out
2020
É uma notícia que pode revolucionar o
futuro da exploração espacial: está
confirmada de forma “inequívoca” a existência de água na superfície da Lua e em
maiores quantidades do que se julgava, anunciou
a NASA em conferência de imprensa. As moléculas de água foram
detectadas nas regiões polares do satélite natural da Terra através do SOFIA, um Boeing 747 adaptado com um
telescópio que rastreia o espaço no espectro infravermelho.
A
existência de água na Lua é uma desconfiança antiga: outras investigações já tinham detectado sinais de
hidratação na superfície lunar, sobretudo na bacia do Pólo Sul—Aitken, precisamente onde a NASA tenciona montar uma base
lunar no âmbito do programa Artemis. No entanto, essas descrições
baseavam-se em assinaturas espectrais — a radiação reflectida por um objecto em
função do comprimento de onda — na ordem dos três micrómetros, o que não
permite distinguir entre água (H2O) e outros hidroxilos (OH), moléculas
compostas por um átomo de oxigénio e apenas um átomo de hidrogénio.
A
confirmação chegou esta segunda-feira em dois artigos científicos publicados na
revista Nature Astronomy.
Num deles, uma equipa de cientistas interpretou os dados recolhidos pelo SOFIA,
que observou a Lua num comprimento de onda na ordem dos seis micrómetros,
e descobriu assinaturas espectrais únicas das moléculas de água.
De
acordo com o relatório, a água estará em regiões de alta latitude numa abundância
muito modesta, entre 100 e 400 partes por milhão, provavelmente armazenada nos
espaços entre os grãos na superfície lunar, que a protegem do ambiente hostil. Noutro estudo, os investigadores referem que há
40 mil metros quadrados de área lunar capaz de reter água, a maior parte em
latitudes superiores a 80º.
Neste
último relatório, os autores examinaram a distribuição de áreas permanentemente
sombreadas, também conhecidas como “armadilhas frias” — regiões tão
frias que o vapor de água em contacto com a superfície permanece estável por
longos períodos de tempo. Após estudarem os dados do Lunar
Reconnaissance Orbiter, um
orbitador norte-americano que estuda a Lua, descobriram que há pequenas
armadilhas frias (com um centímetro) em ambos os pólos lunares (mas 60% estão
no sul) e que são milhares de vezes mais comuns que as armadilhas frias de
maior dimensão (com até um quilómetro).
Água na Lua: o que é novo e porque é que importa?
A confirmação de água na Lua é
entusiasmante para os exploradores espaciais por dois motivos principais: permite aos astronautas numa base lunar ter
acesso a ela sem necessidade de transportar a partir da Terra (o que permite
poupar 20 mil dólares por litro de água nas missões); e porque pode ser usada
para produzir combustível. Mas já lá
vamos.
Certo
é que as quantidades de água reportadas esta segunda-feira nos estudos
científicos não são suficientes para levar estes planos avante, alerta José Augusto Matos, astrónomo e sócio da Associação de Física da
Universidade de Aveiro (FISUA). No entanto, os estudos confirmam
definitivamente que “a Lua tem capacidade para reter gelo”. Quanto? É a pergunta que mais importa, mas que
continua por responder.
A água mencionada nos dois
artigos científicos está presente na superfície lunar e na atmosfera da Lua —
uma atmosfera muito residual chamada exosfera.
De acordo com os cientistas, essa água pode ter várias origens. Uma das
teorias é que estas moléculas foram depositadas na Lua pelos micrometeoritos que
atingem diariamente a superfície do nosso satélite natural.
Outra teoria sugere que o
próprio impacto dos meteoritos pode
conduzir a uma reacção química entre as moléculas de hidroxilo que, ao juntar
com mais um átomo de hidrogénio, dá origem a moléculas de água. Uma
terceira hipótese menciona que o vento solar também pode conduzir a este tipo
de reações químicas. Num caso ou
no outro, a água acaba por escapar para a atmosfera lunar.
Estas são as teorias que têm o
suporte de melhor evidência científica.
Mas há uma que, embora hipotética, é a que mais impacto teria
para a exploração espacial: núcleos
de gelo a muitos metros de profundidade que podem entrar em difusão até chegar
à superfície. “Ao longo
dos 4,5 mil milhões de anos da Lua, sobretudo quando era mais jovem, ela foi
bombardeada por asteróides e cometas que podem ter depositado grandes
quantidades de gelo. Esse gelo pode estar enterrado na Lua”, explica José
Augusto Matos.
A
confirmar-se a presença desses depósitos maiores de gelo em profundidade na
Lua, ela pode ser útil não só para consumo pelos astronautas, como também
para ser como combustível, através de um sistema de electrólise que separa o
oxigénio do hidrogénio, permitindo usar esses elementos em foguetões. No
entanto, isto exige um “processo de extracção muito complicado” e que “nunca
foi experimentado”: “Mesmo que se confirme este mecanismo, as missões dos anos
20 e dos 30 vão continuar a ter de levar estes produtos da Terra“, conclui José Augusto Matos.
Confirmação
da NASA “justifica interesse em visitar” a Lua
Jonti Horner, vice-reitor e
bolseiro de investigação na Universidade do Sul de Queensland (Austrália), afirma que estas novidades “justificam
o interesse que muitos países têm em visitar e até em construir bases no pólo
sul lunar”. Para o investigador, a confirmação
de água na Lua “sem dúvida será uma grande vantagem para exploração lunar
futura”.
“É
importante notar que o programa Artemis dos Estados Unidos, que visa regressar
à Lua até 2024, inclui um plano para uma base permanente no pólo sul da Lua. A
suspeita de presença de água no pólo sul da Lua desempenhou um papel importante
na sua selecção como o melhor local para a Base de Acampamento Artemis”,
sublinha Jonti Horner.
Aliás,
a existência de água na Lua pode levar ainda mais longe a exploração
espacial — até Marte: “Pode até ser que haja futuras missões direccionadas às
missões ao pólo sul da Lua para reabastecerem na base de acampamento,
utilizando a água da Lua para reduzir directamente os custos de viagem de e
para o nosso vizinhos mais próximo”.
Alan Gilmore, ex-superintendente
no Observatório de Monte John, também realça a importância desta descoberta
para o projeto Artemis: “O gelo será um recurso valioso para
qualquer base humana de longa duração na Lua. Colocar essa base numa cratera
sombreada perto de um polo vai protegê-la das flutuações extremas de
temperatura entre o dia e a noite lunares. Também forneceria alguma protecção
contra os raios cósmicos solares, partículas de alta energia irradiadas pelo
sol”.
EXPLORAÇÃO
ESPACIAL ESPAÇO CIÊNCIA
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