Helena Garrido bem se
esforça por aligeirar as medidas recomendadas pelo Conselho Europeu para a recuperação económica do país, como regras passíveis
de cumprimento fácil e não dispendioso. Não há, praticamente quem não sorria
com tais normas, utópicas num país que se reconhece orientado sem critério de
honestidade e eficiência, na avidez de um governo de compadrio perdulário e
cínico.
Mesmo sem dinheiro, há muito para fazer /premium
Boa parte das recomendações que temos
de cumprir para aceder aos subsídios europeus requerem pouco ou nenhum
dinheiro. Exigem sim coragem para fazer reformas. E a promessa de mais e melhor
crescimento
HELENA GARRIDO OBSERVADOR,
05 out 2020
Reduzir o poder das ordens no acesso
às profissões; diminuir as barreiras à entrada em determinados negócios por via
de excesso de regulação ou licenciamentos; tornar mais rápidos os processos de
recuperação e insolvência das empresas; melhorar o funcionamento dos tribunais
administrativos e fiscais; tornar o mercado de trabalho menos dual e combater a
pobreza de forma mais eficaz.
Estas são medidas recomendadas pelo Conselho Europeu a Portugal que
praticamente não custam dinheiro. As outras
conhecemos melhor, exigem dinheiro e são todas as que passam por uma
economia mais verde e digital e por um país que contribua também para ser mais
resistente a choques futuros.São estas medidas que não precisam de dinheiro
que merecem maior atenção, pelo efeito multiplicador que podem ter no
crescimento da economia portuguesa, na era do plano que trará
para o país pelo menos 13 mil milhões de euros a fundo perdido no prazo de três
anos.
O Plano
de Resiliência e Recuperação (PRR) deverá ser
entregue, na sua versão preliminar, a 15 de Outubro, conforme recomendado pela Comissão Europeia no seu guião para
que a versão definitiva esteja em Bruxelas a 30 de Abril de 2021. Existe
inclusivamente um “template” para a elaboração do plano. Como se pode ver
nesses documentos, há um capítulo em que os países terão de relacionar o seu plano
com as recomendações do Conselho, todas, com excepção das que na avaliação
foram identificadas como “totalmente cumpridas” ou registando um “progresso
significativo” (ver aqui na página 7) – Portugal não tem nenhuma destas
excepções, como veremos adiante.
Existem
igualmente recomendações gerais, associadas
às prioridades europeias, como o combate à lavagem de dinheiro, reformas que
melhorem o ambiente de negócios e medidas contra o planeamento fiscal agressivo.
Além, obviamente, das prioridades europeias da agenda verde e digital, assim
como as políticas associadas a aumentar a capacidade de a União Europeia
enfrentar melhor, no futuro, choques como o da pandemia. Existe assim um
quadro de condições para aceder aos fundos que o primeiro-ministro tem referido
como um “contrato”,
levando já as comparações com o que foi o Programa de Ajustamento Económico e
Financeiro, como se pode ler neste artigo de Sérgio Aníbal, “as semelhanças e diferenças em relação à troika”.
Claro que uma diferença óbvia é não estarmos perante a ameaça de
bancarrota, dependentes do cheque da troika, para o Estado honrar os seus
pagamentos a funcionários públicos e pensionistas. Neste plano, se não
cumprirmos ficaremos, em princípio, com menos acesso a fundos para investir.
Vale
a pena visitar os documentos que vão ser revisitados pela Comissão Europeia
(CE) quando avaliar o PRR português. São três os documentos que vale a pena
ler: a recomendação do Conselho de Julho de 2019; o relatório da CE sobre Portugal com data de Fevereiro de 2020
onde se pode perceber com pormenor as recomendações; a recomendação do Conselho de Maio de 2020, já incluindo os
efeitos da pandemia. Há uma única recomendação que
não foi cumprida de todo até agora e que é bastante antiga: reduzir
as restrições de acesso às profissões reguladas. O que significa isto? Basicamente
medidas que reduzam o poder das ordens profissionais e que funcionam como
barreiras à entrada de novos profissionais.
Este problema estava já identificado no programa da troika e sistematicamente
referido como não tendo registado qualquer progresso. Vamos a caminho dos dez anos – o PAEF
foi assinado em 2011 – sem que
se tenham reduzido o poder das ordens profissionais. O Governo está já a
avançar com medidas neste domínio.
Embora a iniciativa tenha sido interpretada como uma espécie
de reacção ao relatório da Ordem dos Médicos sobre o lar de Reguengos, na
realidade é uma exigência antiga da União Europeia que agora terá de ir
finalmente para a frente, como uma das condições para receber os fundos
europeus. E esta é uma das
medidas que não custa dinheiro, exige coragem política que não houve até hoje.
Vamos ver se é desta.
Ainda
no quadro das barreiras à iniciativa económica, o Conselho recomenda que se “reduza o peso
administrativo e regulatório” que recai
sobre as empresas, diminuindo, designadamente as barreiras e simplificando os
licenciamentos. Simultaneamente, e também relacionado com um melhor ambiente
para a actividade económica, recomenda-se que se torne mais
eficiente os processos de insolvência e recuperação, assim como os tribunais fiscais e administrativos –
que têm prazos inimagináveis.
Todas
estas medidas, da redução do poder das ordens à diminuição do poder das
empresas instaladas por via de complexos processos de licenciamentos, passando
por insolvências e recuperações mais rápidos e tribunais que funcionam, nada
disto requer muito dinheiro.
Deste conjunto de medidas, apenas a aceleração dos processos nos
tribunais administrativos e fiscais exige algum investimento em recursos
humanos. Tudo o resto significa, apenas, simplificar legislação.
No
domínio do mercado de trabalho,
a principal recomendação é igualmente antiga: adoptar medidas para acabar ou
reduzir a segmentação do mercado de trabalho. O diagnóstico está igualmente
feito há muito tempo e algumas medidas foram adoptadas na era da troika, com
a revisão da legislação laboral. Mas o problema subsiste: o país está dividido
entre os trabalhadores que têm empregos fixos ou pelo menos com alguma segurança
e trabalhadores que vivem em total insegurança. A crise provocada pela pandemia expôs esta dualidade
de forma bastante dramática, nomeadamente no domínio da Cultura.
Sobre
o mercado de trabalho, a líder da bancada parlamentar do PS Ana Catarina Mendes também revelou em Julho ser intenção do Governo avançar com alterações. Em que termos? Não
se percebe ainda, sendo certo que só existem condições políticas para
aproximar o grupo dos que vivem em insegurança laboral – os precários – dos que
vivem em total segurança. É melhor
isso do que vivermos num país em que “uns são mais iguais do que outros”. A intenção do Governo de limitar a três o número
possível de renovação dos contratos de trabalho temporário parece ir nesse
sentido.
Um
outro desafio em matéria de recursos humanos é o de aumentar a qualificação
dos portugueses, uma prioridade identificada pela UE, mas igualmente
sentida em Portugal, como se percebeu pelo debate público do designado plano
Costa Silva. Mais uma vez, estamos perante um conjunto de prioridades que
requerem medidas que não custam dinheiro e poderiam, também elas, ter um efeito
significativo de multiplicação do crescimento da economia. O combate à pobreza é outra das recomendações presente nos documentos da
Comissão Europeia e do Conselho, considerando-se que “a capacidade de
redução da pobreza das transferências sociais (que não as pensões), assim como
a sua adequação, continua a ser comparativamente baixa em Portugal”. Há um conjunto
de medidas em negociação no Orçamento do Estado para 2021 que vão no
sentido de respeitar transitoriamente esta recomendação, designadamente a criação
de um novo apoio social extraordinário. Mas estamos longe de medidas que
tornem mais eficazes as transferências sociais.
As
outras recomendações estão na linha do que tem sido anunciado, nomeadamente no
que diz respeito ao investimento na ferrovia, nas energias renováveis,
na digitalização da economia e na redução das assimetrias regionais ou reforço
da integração das redes europeias de transporte.
Além disso, estão aqui incluídas todas as políticas que reforcem
os serviços de saúde, com o Conselho a destacar a necessidade de assegurar a
resiliência do sistema e o acesso, em condições de igualdade e qualidade, aos
serviços de saúde. Estas sim,
são medidas que exigem dinheiro. Ficam ainda
em alerta medidas no sentido de melhorar as finanças públicas e
o equilíbrio financeiro das empresas que pertencem ao Estado. Podem não ser políticas que mereçam especial atenção
nesta fase, mas estarão em foco assim que a economia comece a recuperar.
Nesta
lista não exaustiva de recomendações do Conselho Europeu a Portugal, que o
Governo terá de considerar no seu plano de resiliência e recuperação, percebe-se
que há muitas medidas que não requerem dinheiro, exigem sim coragem política e
capacidade de organização. E percebe-se
bem que são essas medidas, mais do que os investimentos em infra-estruturas,
que poderão aumentar a capacidade de Portugal crescer a um ritmo mais elevado
do que os 2% que tanto nos satisfez nestes últimos quatro anos.
CRESCIMENTO
ECONÓMICO ECONOMIA UNIÃO
EUROPEIA EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS:
CarlosMSantos: Depois da
bancarrota do Sócrates, tivemos apoio externo mas fiscalizado "in
loco", que não foi bonito mas parece que foi eficaz; se calhar e tendo em
conta o que vamos lendo e ouvindo, não seria má ideia a CE controlar a
aplicação destes fundos de forma semelhante. Joaquim Moreira: Se é verdade que "Mesmo sem dinheiro, há muito
para fazer", não é menos verdade que, mesmo sem dinheiro muito se pode
fazer. Mas, para isso, a primeira condição é querer. O que, com
esta gente que assaltou o poder, é muito difícil ou impossível de acontecer. E,
por uma razão, muito fácil de entender: só o dinheiro move esta gente que
apenas quer estar no poder. Não para os grandes problemas do País ajudar a
resolver, mas apenas para distribuir o dinheiro que dizem vamos receber. Por isso, quando diz que, "o Governo terá de
considerar no seu plano de resiliência e recuperação, percebe-se que há muitas
medidas que não requerem dinheiro, exigem sim coragem política e capacidade de
organização", está a dar-me razão, ao mesmo tempo que dá a explicação. Ao
exigir, coragem política e capacidade de organização! Duas condições que não
existem na actual "governação", como ainda hoje disse o líder da
oposição. obdest
cipo: ×Mesmo sem dinheiro, há muito para
fazer ????? Mas não há para roubar !!!! Gens Ramos: Essa
questão da “igualdade de oportunidades”, no m/ p. vista, é polémico. Num regime
liberal, como todos defendemos, o esforço, a competência, a perseverança, o
planeamento, o trabalho, a capacidade criativa e imaginação, têm de ser
compensados. Reparem, no problema da cultura: licenciei-me em escultura da
FBAP e tive de trabalhar no privado e no público para sobreviver; se estava
à espera, neste país de favores, de viver das aptidões que me deram com a minha
licenciatura estava fluem arranjado. Ora bem! Madalena Magalhães Colaço: A engenheira Elvira Fortunato, que pôs o laboratório da Faculdade de Ciências e
tecnologia na UNL da qual é responsável como um dos melhores a nível mundial.
Diz ela numa entrevista ao expresso. Diz ela que há mais de um ano que tenta
comprar para a faculdade um grande microscópio de 2 milhões de euros e que o
dinheiro para a compra não vem do orçamento do estado mas de uma bolsa que
recebeu. Sobre a máquina da Administração Pública diz Elvira o seguinte:...há muitas
portas, muitas autorizações, muitos procedimentos...Depois dizem-nos sempre que
o problema está relacionado com as regras europeias mas é mentira. Porque a
burocracia da Administração Pública é diabólica, as plataformas informáticas e
os formulários são muito complexos. Este caso completamente absurdo, onde há
dinheiro mas o estado não o deixa aplicar, é paradigmático do que se passa no
país. È de nos revoltarmos contra a administração pública e eliminar estas
burocracias inúteis. bento guerra: Fazer
sem dinheiro, seria governar, mas a "esquerda" está cá para espatifar
e atingir um novo "resgate"
josé maria: Ó Helena
Garrido, você também é só mais uma que não põe o dedo na ferida em relação ao
maior cancro da economia portuguesa, os escandalosos ajustes directos?
Não seria tempo de haver algum colunista do Observador a denunciar essa
pouca-vergonha? Andam todos distraídos ou politicamente coniventes com
tamanha escandaleira que tem vindo a roer os alicerces da nossa democracia e a
degradá-la cada vez mais? Carlos
Quartel: Pode a autora sentar-se confortavelmente,
esperando que o PS mexa a mínima palha, antes que apareça o dinheiro.
Pode haver muito que fazer, há muito que fazer, mas
como se dinamizam as vontades, sem lhes aquecer as costas com os milhões de
Bruxelas?? Se bem que
tenha descido a temperatura, este pessoal não é muito defensor de trabalhar
para aquecer ...... Carlitos Sousa: Alguma
ingenuidade de Helena Garrido.
Depois de muitos anos ainda não entendeu
que o xuxalismo só vive com o dinheiro
alheio. Ou dos empréstimos estrangeiros, ou dos impostos dos contribuintes.
Sem dinheiro eles não se dão ao esforço de fazer seja o que for. Nesse dia
preferem passar o poder à oposição e deixar os "outros" a resolver o
problema. O xuxalismo
vai eternizar-se nos próximos anos, enquanto chover dinheiro europeu. Vai ser
uma Festa que eles não querem perder.
Kifas Ribeiro. "diminuir
as barreiras à entrada em determinados negócios por via de excesso de regulação
ou licenciamentos". Leia-se: " agilizar as negociatas para melhor e mais depressa se sacar
ao Estado".... Antes
pelo contrário. Em suma, o que é
preciso são medidas para agilizar a incompetência e a corrupção... Aqui está um
perfeito exemplo das razões pelas quais a UE nos tem sido perniciosa, no
sentido em que Portugal na realidade não se desenvolveu - apenas passou a
gastar mais dinheiro. É que estes
alemães (ou outros povos europeus) não conhecem Portugal a não ser pelas
estatísticas que lhes fornece o governo (ainda por cima). Os dinheiros
europeus desapareceram sempre neste país, onde apenas uma pequena parte acabou
por servir para qualquer coisa, que em geral foi paga três vezes o seu custo
real a empresas que ainda ficaram a receber rendas e subsídios, e o resto, nos
bolsos de uma quantidade de pequenos vigaristas que ainda aproveitaram para
fazer calotes aos bancos, e deixaram o País destruído de Norte a Sul, cheio de
monos em betão, empresas falidas, automóveis por pagar, e estruturas inúteis,
degradadas, ou em vias de degradação Pelo contrário, do que
Portugal precisa é de mais centralização, maior controlo e fiscalização, e
verificação - inclusive dos diplomas e das universidades - por entidades centrais,
que não estejam corrompidas pelas teias de interesses locais nem pelos
partidos!!! Filipe Paes de Vasconcellos: Espero, sincera e ansiosamente, que os países bem
governados e por isso prósperos, não nos dêem qualquer espécie de chance para a
batota e trapalhadas a que o governo nos tem vindo a habituar. Temos um
governo socialista apoiado pela extrema esquerda que não joga com esta
mentalidade de rigor e exigência. Luis
Martins: Esperar que os nossos políticos tomem
medidas impopulares mas que sejam o melhor para o futuro do país é o mesmo que
esperar que o sol comece a rodar em redor da terra Adelino Lopes: Medidas que não custam dinheiro? (mas que podem
causar muitos prejuízos pessoais) É preciso aqui recordar a frase “em
Portugal mandam os portugueses”? O que o ministro quis dizer é que em Portugal
manda o governo PS, e se for necessário existe uma maioria progressista que
pode levantar a mão para aprovar. São conhecidos os custos daquelas medidas
(sem custos para o utilizador = SCUT). Por exemplo, está a ver
os juízes a prescindirem do dinheiro “sacado” pelos gestores judiciais? Eu não.
E dos rendimentos dos advogados nas questões administrativas e fiscais? Eu não.
Está a ver os sindicatos a prescindirem dos privilégios (direito) dos funcionários
públicos? (aqui os custos serão políticos) Ordens profissionais? Aqui é que eu
estranho. A menos da questão do corporativismo dos que já lá estão e de
caciques, não consigo encontrar a lógica da situação. Mas atenção: a regulação
dos profissionais é fundamental para controlar o anarquismo.
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