São sucessivos os artigos sobre o
provável mau uso dos tais fundos europeus, ainda nem sequer eles cá chegaram -
nem tão cedo chegarão, ouviu-se hoje nas notícias. O artigo de Paulo Rangel, que segue, é só mais um, severo e
oportuno, nas informações que dá, até sobre a não recondução de Vítor
Caldeira
para a presidência do Tribunal de Contas, com as explicações esfarrapadas e
impassíveis de António Costa sobre o assunto, ouvi-o eu hoje também, por detrás da
sua máscara, que bem lhe quadra, como elemento de fuga e riso. O riso da sua
fuga, é mais que certo. E todos nos regozijamos, porque ele está lá, a
defender-nos, no seu regozijo, na sua fuga...
OPINIÃO: O
tiro aos fundos: prevenção da corrupção não passa pela contratação pública
Começam a ser coincidências a mais na área da justiça e
do estado de direito para delas não se fazer caso.
PAULO RANGEL PÚBLICO, 6 de Outubro de 2020
1. O mesmo
governo, a mesma ministra da Justiça e o mesmo primeiro-ministro que, ao fim de
cinco longos anos de inércia, apresentaram uma estratégia de combate à
corrupção, querem, nas vésperas da chegada da “bazuca” de fundos europeus,
“flexibilizar” e “simplificar” o regime da contratação pública. Recorro intencionalmente à palavra “bazuca” – que diz muito do modo ávido e quase larvar como se
encara o instrumento de recuperação – porque é essa a terminologia que o
primeiro-ministro se deleita e compraz em utilizar. Quanto mais carrega e insiste
na imagem da “bazuca”, mais inculca a ideia de que o que importa é “disparar” e
“bombear” dinheiro de qualquer maneira.
As denominações e as etiquetas raras vezes são acidentais. Pois
bem, em nome de um suposto alívio da burocracia e de ganhos de eficiência, o
governo amanhou e rascunhou um conjunto de alterações ao regime dos contratos
públicos. Alterações
essas que levantam todas as dúvidas, alimentam todos os receios e libertam
todos os fantasmas do desperdício, do arbítrio, do favorecimento, do desvio e
da instrumentalização dos fundos que aí vêm. Não se trata aqui de matéria
de opinião ou de embirração da oposição; ela está sufragada pela posição
sustentada do Tribunal de Contas, mas também por um amplo consenso na
comunidade jurídica.
2. É
de facto incompreensível que um governo que diz ter uma agenda contra a
corrupção, ainda por cima alicerçada na prioridade dada à prevenção, ordenhe, ao mesmo tempo, uma legislação “facilitadora”, laxista e complacente numa área tão sensível como a
dos fundos europeus. Ou seja,
num dos campos do direito administrativo em que mais deviam incidir as ditas
regras de prevenção da corrupção e do abuso. Agora que
o Ministério da Justiça quer que as empresas fiquem obrigadas a ter planos e
estratégias de detecção e prevenção da corrupção, vem o governo dispensar a
administração pública dos mais elementares cuidados que a podiam contrariar. Os privados têm de se precaver dos riscos que os
decisores públicos passam a estar dispensados de prevenir. O governo
não pode alegar sequer que desconhece os meandros técnicos da legislação, pois,
ao mais alto nível, tanto a ministra da Justiça como o ministro da Economia são
reputados especialistas destas áreas, conhecendo muito bem o terreno que pisam.
Eis um campo em que não há folga para
atenuantes ou desculpas.
3. No
quadro europeu, a propósito dos fundos mobilizáveis na estratégia de
resiliência e recuperação, tem-se debatido muito a questão da “condicionalidade”. A palavra é maldita, para quem como nós sofreu
as constrições da troika.
Mas posta de lado uma qualquer receita desse género, há, sem dúvida, duas
garantias – ou se se quiser, duas condições – a que a atribuição e a utilização
de tais fundos devia estar sujeita. Uma é o respeito pelo
princípio do Estado de Direito – a regra do rule of law. Outra é a
existência de mecanismos que assegurem o bom uso dos fundos e
previnam os desvios e as fraudes. Tenho
insistido abundantemente neste ponto: a União Europeia e os Estados Membros
têm de fazer depender o recurso aos fundos de garantias do seu bom uso. Talvez o governo português e o primeiro-ministro,
deleitados com a linguagem explosiva das “bazucas”, não se tenham apercebido: a
generalidade das pessoas com que falo olha com reservas e cepticismo para este
novo pacote de ajuda. Não porque
não o ache necessário ou até imprescindível. Antes porque receia que seja
utilizado para projectos megalómanos, amiguismos partidários, empresas
fantasma, formações no papel, miragens digitais. O sucesso do
programa de relançamento da economia depende da confiança na qualidade e na
transparência do mesmo. As regras
de atribuição e utilização dos fundos – largamente inscritas no regime da
contratação pública – não podem deixar de ser claras, transparentes e
fomentadoras da qualidade das candidaturas. Ao contrário do que o governo faz
supor na justificação atabalhoada desta “tentativa-tentação”, a transparência e
o escrutínio não fomentam a burocracia nem a complicação. Ao contrário, as
soluções simples favorecem a garantia de controlo externo. Mas uma coisa são
procedimentos simples e claros, outra, bem diferente, são procedimentos
simplistas e não controláveis; uma coisa são regras fáceis, outra, assaz
diversa, são regras facilitistas.
4. As
razões para preocupação com esta deriva do governo são redobradas, porque, em
várias instâncias e planos, os sinais de relaxe e complacência são cada vez
mais ostensivos. O último deles é a não
recondução do Presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira. Não se trata apenas de um magistrado que exerceu
impecavelmente as suas funções (de resto, ainda está para nascer o governo ou o
presidente de câmara que diga bem do Tribunal de Contas). É, além do mais, um
magistrado de enorme prestígio europeu: antes de vir para Lisboa, era “só” o
Presidente do Tribunal de Contas Europeu. Como é
que um país que preza o Estado de Direito e a independência dos tribunais, numa
altura em que os fundos europeus terão centralidade, se dá ao luxo de
prescindir de um magistrado deste calibre? Tanto falam das Hungrias, das
Roménias, das Polónias e de Maltas e isto não lhes faz espécie nenhuma…
Este
é o mesmo governo que afastou Joana Marques Vidal. Este é o mesmo governo que acaba de contornar a
escolha de um júri europeu independente para o lugar de procurador europeu
(painel de que, por sinal, Vítor Caldeira fazia parte), fazendo prover no cargo
o seu candidato de preferência.
Começam a ser coincidências a mais na área da justiça e do estado de
direito para delas não se fazer caso. A
imprensa continua sem questionar a Ministra da Justiça, apesar de todos os
casos se inscreverem em áreas da sua órbita. E o primeiro-ministro vai passando
pelos pingos da chuva. Podem fazer as juras que quiserem, mas também entre nós
se aperta, a cada dia que passa, o cerco ao estado de direito.
Colunista
TÓPICOS: OPINIÃO
COMENTÁRIOS
Manuel Ribeiro INICIANTE: Tem toda a razão mas omite que o PSD faz o mesmo sempre
que pode. Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE: Senhor Euro Deputado Paulo Rangel, Peço-lhe o especial
favor de considerar esta minha sugestão: Alerte os seus colegas deputados dos
países bem governados. Com esta gente só os países, os tais “forretas”, nos
podem ajudar para que não se perca a última oportunidade para melhorar o nosso
País. Os países bem governados da CE, e, por isso mesmo, PRÓSPEROS, serem
muitíssimo exigentes com a gente que nos governa (mal!), e só libertarem
capital à medida que venhamos a ter juízo. se não forem duríssimos, continuamos
eternamente um país adiado. Espero, sincera e ansiosamente, que os países bem
governados e por isso prósperos, não nos dêem qualquer espécie de chance para a
batota e trapalhadas a que o governo nos tem vindo a habituar. Temos um governo
socialista apoiado pela extrema-esquerda que não joga com esta mentalidade de
rigor e exigência. 06.10.2020 Ferrel
EXPERIENTE: Tinha de ser dito por um advogado. No
caso da contratação pública ainda vamos tendo leis para combater a corrupção!
No caso da privada, o assunto é dos accionistas e seus representantes, ou seja,
é a lei da selva onde tudo é possível!
Joao2 MODERADOR: Ora nem mais. Desafio qualquer um a ler o Código de
Contratação Pública e imaginar o que é transpô-lo para o contexto empresarial
do estado onde o mesmo se aplica. Apesar de tudo, contrata-se com regras.
Contratação pública ou contratação privada são uma
falsa questão. Até podem ser as duas, desde que os fundos sejam bem empregues e
resultem na melhor aposta e resultados positivos para o crescimento económico
sustentável do país. Este jogo da corda entre o público e o privado acaba por
ser entediante, porque o essencial não é isso. A. Martins INICIANTE: Porque será, que desde a extrema-esquerda até à
extrema-direita, toda a gente está com medo da gestão dos fundos da U. E. a ser
feita pelo governo do partido socialista? Afinal de contas, lá bem no fundo,
todos sabem, até os partidos da geringonça, o que aconteceu no passado com a
corrupção e as diversas bancarrotas desse partido. É caso para dizer "Gato
escaldado, de água fria tem medo" No
ponto. Tenho é pena que Rui Rio, que ainda por cima tem toda a legitimidade
moral do mundo para falar destes assuntos e os denunciar, tenha sido muito
"morno" a falar sobre eles. Não tem que andar a criticar por
criticar, mas quando há um ataque destas proporções à independência de
instituições e facilitação da corrupção espero que veja a criticar e de forma
dura! Henrique Duarte INFLUENTE: Absolutamente. Degui INICIANTE: Como diz o povo, não perde pela demora. Ainda não
chegou a hora certa, imagino eu. Ou então começa-se a descobrir-lhe a careca,
mais uma vez como diz o povo!
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