domingo, 25 de outubro de 2020

Mas o povo, hoje, saiu à rua


Poderia ser um começo de acção, copiada, naturalmente de outros modelos europeus e não só. Mas já passou. E amanhã não haverá mais. Estávamos a falar disso, a minha irmã e eu, da passividade do nosso povo ante as sucessivas ordens do nosso Primeiro, mais ou menos contraditórias, vendo-o a distribuir as suas razões, cara cheia por detrás da sua máscara, para a confusão ser maior, e ambas considerámos que a nossa gente não iria rebelar-se, ante tanto desequilíbrio de ordens, ora fecha mais cedo, ora já pode abrir, ora impõe máscara nos ajuntamentos, ora a banaliza, ora diz que não pode mais confinar por via do depauperamento económico, ora já ameaça fazê-lo, vão-se os anéis fiquem os dedos, ora permite ajuntamentos ora os proíbe abrindo ou fechando fronteiras conforme lhe dá na gana… E tudo com a conivência do PR. Mas o povo saiu hoje à rua, e alegrámo-nos momentaneamente, a minha irmã até gabou a enchente de recalcitrantes nas ruas de Lisboa. Eu achei que fora mais por espírito desordeiro ou de diversão – de imitação, sem dúvida - mas não tenho a certeza, comodamente instalada nas minhas dores de costas, que não me permitem grandes andanças participativas nos eventos de importância. Demais, velha que estou, mais esperaria qualquer fisgada pelas costas, para me tirar o pio de vez, em eutanásia por antecipação, por já não ter o direito de fazer parte dos eventos. No fundo, fiquei contente, pela démarche de resistência, num fogacho de liberdade, da gente protestante, mas lembro a resistência noutros lados do mundo e sei que a nossa nada tem de semelhante, mesmo que a economia morresse de vez…

Manuel Villaverde Cabral põe essencialmente a tónica sobre o trabalho subterrâneo de A. Costa, tirando partido de uma pandemia inesperada, para executar outros projectos pessoais e de grupo, que o beneficiarão, naturalmente, e aos seus meninos do coro.

 

De novo o dito por não dito /premium

Esta tragédia da sul-americanização do regime político promovida pelo PS e comparsas, combinada com a corrosão provocada pela pandemia, arrisca-se a destruir o sistema partidário saído do 25 de Abril.

MANUEL VILLAVERDE CABRAL

OBSERVADOR, 22 out 2020

A única coisa que se pode dizer em favor do Primeiro-Ministro, é que deve haver muitos políticos pelo mundo fora a darem constantemente o dito por não dito perante essa recrudescente pandemia que não deixa país algum funcionar normalmente. António Costa tem sido, com efeito, useiro e vezeiro em dar o dito por não dito desde o início da pandemia, começando por tentar varrê-la para debaixo do tapete e voltando a fazer o mesmo a respeito do Orçamento para 2021: agora é a ameaça de se demitir.

Com efeito, há semanas que o Primeiro-Ministro anda a ameaçar abrir uma crise no país, a propósito de tudo e de nada, se os outros partidos não fizerem a vontade dele. No limite, perante a pandemia, é compreensível que os responsáveis hesitem perante as melhores formas de responder à crise sanitária. Daí a ideia de obrigar toda a gente a usar uma “aplicação” de telemóvel contra a Covid-19, mas parece que já recuou na ameaça.… O que já não é aceitável, é que o Governo continue a negar as dificuldades do SNS para lidar com a nova vaga pandémica e a recusar apelar aos hospitais privados conforme devia ter feito desde o início.

Mais grave ainda é, porém, a ameaça que o Primeiro-Ministro tem vindo a fazer há algum tempo com uma “crise política”, isto é, com a demissão do Governo no caso de o Orçamento para 2021 não passar no Parlamento, como se isso fosse algo de inaudito, para não dizer um ataque pessoal. Depois de a televisão repetir incessantemente a notícia dessa “crise” e de o Presidente da República se imiscuir de novo nas relações entre os partidos como se tivesse poderes executivos, António Costa vem de novo dar o dito por não dito. Acusa o BE e o PCP de se aliarem à chamada “direita” para “chumbar” o Orçamento, como se este valesse alguma coisa perante a crise sanitária e económica que estamos a viver, mas à medida que o momento da verdade se aproxima… declara, afinal, que não se demite!

Possivelmente, conhecendo nós os seus parceiros da “geringonça”, estes acabarão por deixar passar o Orçamento, já que este só tem valor se os fundos gratuitos prometidos da UE vierem algures para o ano… Se a pandemia permitir! E se o PCP e o BE chumbassem o Orçamento, nada mudaria na prática concreta perante a pandemia: os lares, teoricamente supervisionados e indirectamente financiados pelo Estado em benefício de “instituições sem fins lucrativos”, como as Misericórdias, continuarão a deixar morrer os idosos, os quais representam metade ou mais dos óbitos provocados directa e indirectamente pela Covid-19.

Dito isto, o mais grave de tudo nos anos mais próximos, para além dos danos incomensuráveis que a pandemia deixará atrás de si, é o facto de o PS ter consumado o seu golpe parlamentar em 2015. Com efeito, depois dos governos Sócrates e perante os resultados aritméticos das legislativas de 2015, apesar do bom desempenho do Governo Passos Coelho perante a terceira virtual bancarrota provocada pelo PS, António Costa não hesitou em angariar os votos do PCP e do BE, a fim de recuperar o poder e perante a impotência constitucional do PR cessante.

Acontece, que no ambiente aparentemente cordial anterior à pandemia, o novo PS não só desmantelou o bloco PSD-CDS, como iniciou a pulverização do Parlamento, ao mesmo tempo que aumentou a dívida pública a fim de encher o aparelho de Estado de governantes e funcionários públicos afins ao partido. O resultado é conhecido e, se não fosse o impacto da pandemia, já a generalidade dos eleitores se teria seguramente apercebido que está diante de um projecto político de dominação partidária para durar enquanto o actual Governo o conseguir. Foi assim que o PS adoptou todas as modalidades conhecidas de favoritismo, ao mesmo tempo que nos fez pagar com o aumento da dívida pública a angariação de votos e os apoios privados, enquanto enchia o aparelho de Estado de empregados e nacionalizava as empresas falidas com dinheiro disfarçado da UE.

Esta tragédia da sul-americanização do regime político português promovida pelo PS e os seus comparsas, combinada com a corrosão provocada pela pandemia, arrisca-se a destruir, sem apelo, o sistema partidário saído do 25 de Abril. É bom não esquecer, que nunca a Constituição foi submetida ao sancionamento popular, assim como também nunca o foi a adesão à União Europeia e aos seus tratados. A isso, acrescenta-se o facto de o abstencionismo eleitoral, sempre crescente, ser consequência e causa do comportamento dos partidos. Se e quando o PS cair, o que não é de excluir se a pandemia se prolongar, não serão novas eleições que encherão o vazio. Será pior: a luta de todos contra todos!

POLÍTICA  ANTÓNIO COSTA  PANDEMIA  SAÚDE

 

COMENTÁRIOS

Manuel Magalhães: Mais uma demonstração da desgraça que assola o país provocada pelo PS!!!

António Sennfelt: Finis patriae?

Joaquim Moreira: Manuel Villaverde Cabral, mais uma vez, estou muito de acordo com esta sua visão geral. Mas tenho algo a dizer: "Se e quando o PS cair, o que não é de excluir se a pandemia se prolongar, não serão novas eleições que encherão o vazio. Será pior: a luta de todos contra todos!" Não vai acontecer! Como dizia Manuel Carvalho, no seu Editorial de Domingo passado, há uma ilha de paz e sossego onde nada disto parece acontecer: é o PSD de Rui Rio. Por razões, que vou aqui citar ou descrever. Para além do que já citei na notícia de ontem, OE2021. PS acusa Rio de abandonar defesa do "interesse nacional", aqui mesmo no Observador. Dizia ainda aquele autor: Num tempo de gatos assanhados, o PSD de Rui Rio faz de Garfield.E terminava dizendo: Se há algo que ele (Rui Rio) provou, é que não pode ser subestimado nas suas capacidades de ler a política a prazo. Como faz a tartaruga, na fábula da corrida com a lebre, de forma diferente de muito portuga!

bento guerra: Qual regime democrático? O que conta assentos do Parlamento, para mandar no país e que o "constitucionalista Marcelo aceitou?

augusto sousa: Muito bem! Mas é tempo de se iniciar uma "nova" República! Esta já deu e está totalmente contaminada e baseada numa cultura que já não se adequa às formas de participação das "pessoas" votantes. Daí o desinteresse total, se excluirmos os beneficiários do sistema!

VICTORIA ARRENEGA > augusto sousa: Extremamente preocupante: o desinteresse precisamente na altura em que mais se justificava o envolvimento dos portugueses. Completamente de acordo que o mapa partidário está em colapso/alteração. Mas aí a culpa não pertence completamente a António Costa mas deverá ser atribuída em grande parte aos partidos da direita democrática que se perderam em divergências internas e não se souberam unir. Veja-se a perseguição interna a Passos Coelho. PSD e CDS fizeram precisamente o que António Costa desejava O resultado é o CHEGA. Neste governo há muita coisa que me perturba: é o abocanhar de tudo o que mexe nomeadamente o poder judicial, a dependência de partidos que já deram o que tinham para dar (PCP) ou que cada vez mais se radicalizam (BE) e tudo abençoado pelo desacerto de Marcelo Rebelo de Sousa, o homem que prova que com papas e bolos se enganam os tolos. Quando construímos uma casa com maus alicerces, inevitavelmente vai cair. o problema é que quando cair estamos todos debaixo e vamos levar com os destroços.

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