sábado, 3 de outubro de 2020

Venha a vacina, depressa


Nuns casos, a destruição provém da mente humana, e descobre-se uma bomba atómica, com grande potencial para ajudar a destruir e a vencer – para além, é certo, dos outros múltiplos meios de progresso e conforto que a ambição humana, também generosa, igualmente produz. Quando a destruição absurda provém da natureza – talvez em reacção animista à ânsia imparável de progresso humano que àquela vai secando as fontes - é sobre a saúde que a mente humana se debruça, com afinco, como resposta. Propósito generoso? Humanista? Interesseiramente capitalista? Venha a vacina depressa. A saúde manda, neste caso – também pornográfico - da pandemia. 

OPINIÃO

A pandemia, as universidades e as lições de Darwin

A crise desencadeada pela covid-19 representará, porventura, uma ameaça séria para o sistema universitário. Contudo, há caminho para ousar uma mudança.

JOSÉ FRAGATA     NOTÍCIAS, 2 de Outubro de 2020

Qualquer crise é, normalmente, encarada com melancolia e desgraça. Mas pode também representar uma oportunidade séria de mudança. Tomemos o caso concreto da ciência: a pandemia de influenza, em 1918, chamou a atenção para a virologia; a Segunda Guerra Mundial estimulou a física e a engenharia; a actual pandemia produzirá efeitos na ciência, na tecnologia e nas universidades que as desenvolvem.

A crise desencadeada pela covid-19 representará, porventura, uma ameaça séria para o sistema universitário, quer pela potencial perda de alunos, quer pela quebra nas receitas ou pela perturbação induzida no ensino e na investigação. Contudo, há caminho para ousar uma mudança.

O ensino sofrerá alterações, baseando-se num novo modelo de conteúdos programáticos, que, tirando partido das novas tecnologias, possa melhorar a experiência, a eficiência e a eficácia do mesmo, numa harmoniosa hibridização entre presencial e remoto. Há, aqui, duas enormes oportunidades de melhoria para o ensino universitário: alargar o acesso, tornando-o mais acessível a quem não pode aceder-lhe; estreitar a ligação entre as universidades e a indústria, nomeadamente a da comunicação digital, envolvendo-a nas novas soluções de ensino.

Quanto à investigação, achou-se, repentinamente, focada na covid-19. Só o volume de artigos científicos sobre a pandemia, publicados nos últimos seis meses, terá ultrapassado as duas dezenas de milhar. Mas também o modo como fazemos investigação foi forçosamente alterado, encurtando-se o caminho que conduz à inovação e levando-nos a uma nova missão: produzir soluções rápidas para minimizar os efeitos da pandemia. Os investigadores passaram a partilhar mais abertamente os seus resultados e a responder à pressão do tempo para obterem respostas. Mas haverá também mudanças estruturais, forçadas pelo financiamento, reduzido pelo enorme buraco económico gerado. Assim, a necessidade de colaborações com a indústria e o tecido empresarial impõe-se à ciência e à investigação no futuro, desafio que devemos tomar como oportunidade positiva para uma nova era de desenvolvimento.

Também a competição de mercado, que tem levado à excessiva proliferação de escolas, deve ser agora repensada. É essencial ter como primado a oferta de programas distintivos de alta qualidade, a justificar a atracção das elites nacionais e internacionais de alunos.

A pandemia produziu um choque cultural nas sociedades, colocando ênfase no papel da saúde. O que parecia despesa é, antes, investimento. Esperando-se uma maior procura académica por esta área, cabe às universidades dar resposta. Aos governos, cabe, no investimento e na priorização, colocar um maior foco na saúde, o que, verdadeiramente, nunca existiu.

Como após todas as crises, haverá, na sequência da covid-19, uma procura acrescida pelo ensino superior. As universidades deverão manter a responsabilidade social de permitir o acesso aos financeiramente mais afectados pela pandemia. As universidades, os governos e as empresas deverão atender a mais esta responsabilidade ética e social, também ela uma nova aprendizagem forçada pela crise que atravessamos. É por todas estas razões que as Universidades encaram, no período pós-pandemia, uma colossal oportunidade de mudança, o pretexto de que precisavam para se transformarem e para melhor cumprirem a sua nobre missão. Como dizia Darwin, os que mais sobrevivem e melhor evoluem são os que se adaptam. É tempo de adaptação.

Vice-reitor da Universidade NOVA de Lisboa e médico-cirurgião

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