Nuns casos, a destruição provém da mente
humana, e descobre-se uma bomba atómica, com grande potencial para ajudar a destruir
e a vencer – para além, é certo, dos outros múltiplos meios de progresso e
conforto que a ambição humana, também generosa, igualmente produz. Quando a
destruição absurda provém da natureza – talvez em reacção animista à ânsia imparável
de progresso humano que àquela vai secando as fontes - é sobre a saúde que a mente
humana se debruça, com afinco, como resposta. Propósito generoso? Humanista? Interesseiramente
capitalista? Venha a vacina depressa. A saúde manda, neste caso – também pornográfico
- da pandemia.
OPINIÃO
A pandemia, as universidades e as lições de Darwin
A crise desencadeada pela covid-19
representará, porventura, uma ameaça séria para o sistema universitário.
Contudo, há caminho para ousar uma mudança.
JOSÉ FRAGATA NOTÍCIAS, 2 de Outubro de 2020
Qualquer
crise é, normalmente, encarada com melancolia e desgraça. Mas pode também
representar uma oportunidade séria de mudança. Tomemos o caso concreto da
ciência: a pandemia de influenza, em 1918, chamou a atenção para a
virologia; a Segunda Guerra Mundial estimulou a física e a engenharia; a actual pandemia produzirá
efeitos na ciência, na tecnologia e nas universidades que as desenvolvem.
A
crise desencadeada pela covid-19 representará, porventura, uma ameaça séria
para o sistema universitário, quer pela potencial perda de alunos, quer pela
quebra nas receitas ou pela perturbação induzida no ensino e na investigação. Contudo, há caminho para ousar uma mudança.
O
ensino sofrerá alterações, baseando-se num novo modelo de conteúdos
programáticos, que, tirando partido das novas tecnologias, possa melhorar a
experiência, a eficiência e a eficácia do mesmo, numa harmoniosa hibridização entre presencial e remoto. Há, aqui, duas enormes oportunidades de
melhoria para o ensino universitário: alargar o
acesso, tornando-o mais acessível a quem não pode aceder-lhe; estreitar a
ligação entre as universidades e a indústria, nomeadamente a da comunicação
digital, envolvendo-a nas novas soluções de ensino.
Quanto à investigação, achou-se,
repentinamente, focada na covid-19. Só o volume de artigos
científicos sobre a pandemia, publicados nos últimos seis meses, terá ultrapassado as duas dezenas de milhar.
Mas também o modo como fazemos investigação
foi forçosamente alterado, encurtando-se o caminho que conduz à inovação e
levando-nos a uma nova missão: produzir soluções rápidas para
minimizar os efeitos da pandemia. Os investigadores passaram a partilhar mais abertamente os seus resultados e a responder à
pressão do tempo para obterem respostas. Mas
haverá também mudanças estruturais, forçadas pelo financiamento, reduzido pelo
enorme buraco económico gerado. Assim, a necessidade de colaborações com a
indústria e o tecido empresarial impõe-se à ciência e à investigação no futuro,
desafio que devemos tomar como oportunidade positiva para uma nova era de
desenvolvimento.
Também
a competição de mercado, que tem
levado à excessiva proliferação de escolas, deve ser agora repensada. É
essencial ter como primado a oferta de programas distintivos de alta qualidade,
a justificar a atracção das elites nacionais e internacionais de alunos.
A
pandemia produziu um choque cultural nas sociedades, colocando ênfase no
papel da saúde. O que
parecia despesa é, antes, investimento. Esperando-se uma maior procura académica por esta
área, cabe às universidades dar resposta. Aos governos, cabe, no investimento
e na priorização, colocar um maior foco na saúde, o que, verdadeiramente, nunca existiu.
Como
após todas as crises, haverá, na sequência da covid-19, uma
procura acrescida pelo ensino superior.
As universidades deverão manter a responsabilidade social de permitir o acesso
aos financeiramente mais afectados pela pandemia. As universidades, os governos
e as empresas deverão atender a mais esta responsabilidade ética e social,
também ela uma nova aprendizagem forçada pela crise que atravessamos. É por
todas estas razões que as Universidades encaram, no período
pós-pandemia, uma
colossal oportunidade de mudança, o pretexto de que precisavam para se
transformarem e para melhor cumprirem a sua nobre missão. Como dizia Darwin, os que mais sobrevivem
e melhor evoluem são os que se adaptam. É tempo de adaptação.
Vice-reitor da Universidade NOVA
de Lisboa e médico-cirurgião
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