Nas mãos. A letra sai-me tremida, o que
me humilha. A do computador não. Certinha, sem estremeções despropositados, um
prazer de ler assim, direitinha, por impessoal que seja. Por email fica-se mais
valorizado, porque o computador não engana. A menos que nos enganemos nós na
ortografia, mas a caligrafia sai sempre um primor, coisas do progresso. Mas Miguel Esteves Cardoso tem razão,
bem como os seus comentadores, tudo
reflexões e experiências que também já passaram por mim. O progresso traz
preguiça, sem dúvida. (A Covid também, mas é outra história). O que me admira,
nisto tudo, é que haja tanta gente a trabalhar para a minha preguiça. O mundo
não pára, não há que dizer. Onde iremos parar?
CRÓNICA
As novas preguiças
O e-mail criou a preguiça de escrever
uma carta e pô-la no correio. Ora escrever uma carta e pô-la no correio não é
assim tão trabalhoso ou demorado.
MIGUEL ESTEVES
CARDOSO
PÚBLICO, 30 de
Outubro de 2020
Cada
novidade tecnológica cria uma preguiça particular. O e-mail criou a preguiça de
escrever uma carta e pô-la no correio. Ora escrever uma carta e pô-la no
correio não é assim tão trabalhoso ou demorado. Nem tão-pouco um mail substitui
uma carta escrita à mão dentro de um envelope que nos trazem a casa.
Daí
que, não num mundo perfeito e não num mundo já perdido, os mails servem para
mandar coisas mais impessoais e as cartas para as coisas mais íntimas.
O
que acontece é que há cada vez mais maneiras de comunicarmos uns com os outros.
Se desapareceram algumas com uma graça específica (como os telegramas) é só
porque caíram em desuso. E – atenção – podem ressurgir com a maior das
facilidades. Em 2020 o ser humano dispõe de um número imenso de formas de
comunicação mas, em vez de escolher entre elas, age como se só tivesse as duas
ou três mais fáceis.
Como
não tenho WhatsApp e uso pouco o telemóvel as pessoas que querem falar comigo
mandam-me mails. E queixam-se que é uma chatice, que dá muito trabalho. Falam
dos mails como se fossem pombos-correios que é preciso alimentar antes de lhes
enrolar um pergaminho na perna.
Pessoas
com boas máquinas fotográficas e jeito para a fotografia passaram a fotografar
tudo com os telemóveis cujas lentes são “cada vez melhores” mas são uma merda
comparadas com as tradicionais.
E queixam-se
que é uma chatice descarregá-las para um portátil, apesar das fotografias
digitais serem gratuitas e imediatas, sem necessidade de revelar, ampliar e
imprimir.
É
a preguiça que é antiquíssima.
Colunista
TÓPICOS OPINIÃO INTERNET QUESTÕES SOCIAIS WHATSAPP CTT
COMENTÁRIOS:
Fugo EXPERIENTE: Com a era digital, ao longo de mais de vinte anos a
escrever emails quer no trabalho, quer a título particular com familiares, amigos,
hospitais, lojas, hotéis, e por aí fora, já quase nem sei escrever em papel. Quando
fui renovar o cartão do cidadão, para assinar o meu nome, vi-me e desejei-me.
Ainda tenho bem guardada a máquina de escrever que era do meu avô depois da
minha mãe que já deixou de enviar correspondência por mail e passou a usar o
email; sai mais barato, é mais prático e demora segundos a chegar ao destino. O
mail fica para a memória e, sim, pode ser usado com alguma dose de saudosismo
como tudo o que é ultrapassado por alternativas mais eficientes.
Pedro Bingre INICIANTE
De
há poucos anos a esta parte retomei o hábito de escrever cartas à antiga
usança, manuscritas, enviadas pelo correio. Correspondo-me com antigos amigos e
com novas amizades feitas numa página de internet para “pen pals”. Merece a
pena. Entretanto os serviços postais e as papelarias também mudaram.
Entregas que demoravam dias passaram a tardar semanas. Há menos estações e
marcos de correio. Já não se encontra à venda papel de carta. Em contrapartida,
são precisamente estas pequenas dificuldades a dar mais encanto a este
passatempo.
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