sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Já não tenho a mesma firmeza

 

Nas mãos. A letra sai-me tremida, o que me humilha. A do computador não. Certinha, sem estremeções despropositados, um prazer de ler assim, direitinha, por impessoal que seja. Por email fica-se mais valorizado, porque o computador não engana. A menos que nos enganemos nós na ortografia, mas a caligrafia sai sempre um primor, coisas do progresso. Mas Miguel Esteves Cardoso tem razão, bem como os seus comentadores, tudo reflexões e experiências que também já passaram por mim. O progresso traz preguiça, sem dúvida. (A Covid também, mas é outra história). O que me admira, nisto tudo, é que haja tanta gente a trabalhar para a minha preguiça. O mundo não pára, não há que dizer. Onde iremos parar?

CRÓNICA

As novas preguiças

O e-mail criou a preguiça de escrever uma carta e pô-la no correio. Ora escrever uma carta e pô-la no correio não é assim tão trabalhoso ou demorado.

MIGUEL ESTEVES CARDOSO

PÚBLICO, 30 de Outubro de 2020

Cada novidade tecnológica cria uma preguiça particular. O e-mail criou a preguiça de escrever uma carta e pô-la no correio. Ora escrever uma carta e pô-la no correio não é assim tão trabalhoso ou demorado. Nem tão-pouco um mail substitui uma carta escrita à mão dentro de um envelope que nos trazem a casa.

Daí que, não num mundo perfeito e não num mundo já perdido, os mails servem para mandar coisas mais impessoais e as cartas para as coisas mais íntimas.

O que acontece é que há cada vez mais maneiras de comunicarmos uns com os outros. Se desapareceram algumas com uma graça específica (como os telegramas) é só porque caíram em desuso. E – atenção –​ podem ressurgir com a maior das facilidades. Em 2020 o ser humano dispõe de um número imenso de formas de comunicação mas, em vez de escolher entre elas, age como se só tivesse as duas ou três mais fáceis.

Como não tenho WhatsApp e uso pouco o telemóvel as pessoas que querem falar comigo mandam-me mails. E queixam-se que é uma chatice, que dá muito trabalho. Falam dos mails como se fossem pombos-correios que é preciso alimentar antes de lhes enrolar um pergaminho na perna.

Pessoas com boas máquinas fotográficas e jeito para a fotografia passaram a fotografar tudo com os telemóveis cujas lentes são “cada vez melhores” mas são uma merda comparadas com as tradicionais.

E queixam-se que é uma chatice descarregá-las para um portátil, apesar das fotografias digitais serem gratuitas e imediatas, sem necessidade de revelar, ampliar e imprimir.

É a preguiça que é antiquíssima.

Colunista

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COMENTÁRIOS:

Fugo EXPERIENTE: Com a era digital, ao longo de mais de vinte anos a escrever emails quer no trabalho, quer a título particular com familiares, amigos, hospitais, lojas, hotéis, e por aí fora, já quase nem sei escrever em papel. Quando fui renovar o cartão do cidadão, para assinar o meu nome, vi-me e desejei-me. Ainda tenho bem guardada a máquina de escrever que era do meu avô depois da minha mãe que já deixou de enviar correspondência por mail e passou a usar o email; sai mais barato, é mais prático e demora segundos a chegar ao destino. O mail fica para a memória e, sim, pode ser usado com alguma dose de saudosismo como tudo o que é ultrapassado por alternativas mais eficientes.

Pedro Bingre INICIANTE

De há poucos anos a esta parte retomei o hábito de escrever cartas à antiga usança, manuscritas, enviadas pelo correio. Correspondo-me com antigos amigos e com novas amizades feitas numa página de internet para “pen pals”. Merece a pena. Entretanto os serviços postais e as papelarias também mudaram. Entregas que demoravam dias passaram a tardar semanas. Há menos estações e marcos de correio. Já não se encontra à venda papel de carta. Em contrapartida, são precisamente estas pequenas dificuldades a dar mais encanto a este passatempo.

 

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