quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Mais cambalacho menos cambalacho


Acho.

OPINIÃO: Procuradoria Europeia: um cambalacho sem fim

A ministra quis desde o primeiro momento que o procurador europeu fosse José Guerra – só que não quis assumi-lo. Foi uma escolha pessoal da ministra? Nem pensar! A ministra limitou-se apenas a impedir que todos fossem escolhidos… menos ele.

JOÃO MIGUEL TAVARES    PÚBLICO, 29 de Outubro de 2020

O caso do representante de Portugal junto da Procuradoria Europeia é uma telenovela infindável – quando pensávamos que tudo já tinha sido visto e dito, eis que aparece uma nova personagem para complexificar a trama e agravar as suspeitas de que a ministra da Justiça tudo fez para colocar um nome da sua confiança na recém-criada Procuradoria da União Europeia, órgão supostamente independente que ficará responsável pelo combate à fraude, em particular na aplicação de fundos europeus.

O caso já vai em três vagas de polémica. Vaga número um: quando se descobriu que Ana Mendes de Almeida, que um júri internacional independente classificara em primeiro lugar (foram três os candidatos apresentados), para ser a nova procuradora europeia em representação de Portugal, foi preterida pelo governo em detrimento do procurador José Guerra, segundo classificado nesse concurso, e antigo colega da ministra da Justiça no DIAP. Já escrevi sobre isso há três meses.

Vaga número dois: quando 16 académicos europeus, entre os quais Miguel Poiares Maduro e Rui Tavares, assinaram uma carta-aberta a pedir que o Parlamento Europeu movesse uma acção no Tribunal de Justiça da União Europeia para anular o processo de nomeação dos procuradores devido às interferências dos governos de Portugal, Bulgária e Bélgica (os únicos três países que não respeitaram os resultados do concurso internacional). Francisca Van Dunem respondeu a essa carta de forma bastante descabelada, insistindo no argumento ridículo da “antiguidade” do procurador José Guerra e classificando a carta-aberta como uma “manobra de guerrilha política”.

E agora, eis que chegou a vaga número três. O programa da RTP Sexta às 9 revelou um novo e surpreendente dado: o juiz desembargador José António Cunha, presidente da comarca do Porto, também se candidatou ao cargo. Embora o seu nome tenha permanecido na sombra, a verdade é que o Conselho Superior de Magistratura seleccionou-o, considerou o seu currículo competente para a função, o Parlamento ouviu-o e deu um parecer favorável. No entanto, a ministra da Justiça afastou-o sem disso dar conta a ninguém. Fê-lo apenas há dias em São Bento, quando revelou a exclusão com o argumento de que o seu currículo “não tinha uma ligação muito próxima com a investigação criminal”. José António Cunha diz que não é verdade e que o Ministério da Justiça nunca o informou de tal facto. Ficou a saber disso pelo Canal Parlamento. Francisca Van Dunem admite que o podia ter informado “por razões de cortesia institucional”, mas que não tinha o dever legal de comunicar os resultados do processo de selecção. O juiz desembargador já apresentou queixa à provedora de Justiça e pondera impugnar todo o procedimento. Mas o ponto aqui extravasa em muito as questões de cortesia ou os próprios deveres legais: afinal, quem é que era suposto escolher o futuro procurador europeu? Era a ministra da Justiça, os Conselhos Superiores de Magistratura e do Ministério Público ou era um júri internacional?

Obviamente, a ministra quis desde o primeiro momento que o procurador europeu fosse José Guerra – só que não quis assumi-lo. Donde, chutou para canto o nome sugerido pelo Conselho Superior de Magistratura, borrifou-se para a escolha do júri independente e agarrou-se ao Conselho Superior do Ministério Público e à antiguidade de José Guerra. Foi uma escolha pessoal da ministra? Nem pensar! A ministra limitou-se apenas a impedir que todos fossem escolhidos… menos ele.

Jornalista

TÓPICOS: OPINIÃO  JUSTIÇA  UNIÃO EUROPEIA  FRANCISCA VAN DUNEM  CONSELHO SUPERIOR DE MAGISTRATURA  MINISTÉRIO DA JUSTIÇA  MINISTÉRIO PÚBLICO

COMENTÁRIOS:

cidadania 123 INICIANTE: Efetivamente, os sinais de que se estão a colocar nos cargos que controlam o governo as pessoas "certas", num cenário de entrada de muitos milhões, é preocupante. Desde a PGR, o banco de Portugal, o tribunal de contas, ágora a Procuradoria europeia ...o que falta? Estamos a falhar nos " balance and checks"... Eng. Jorge Simões INFLUENTE: Excelente análise. Está em preparação o assalto em grande escala ao esperado e muito ansiado dinheiro da "basuca". Parabéns.

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