Da Mafalda e das suas réplicas que esporadicamente li. A minha
formação em BD iniciou-se
nos anos 60, com Hergé e o seu Tintin, Albert Uderzo e René Goscinny e o seu Astérix, que lia em Francês, nos anos 60 e se
ficou por aí. Mas dum modo geral, não tinha estômago para essa literatura
cartoonista que começou a aparecer nos próprios livros escolares, como meio de
formação e que costumávamos comentar, a minha colega Telma e eu, avessas a essa
forma de expressão redutora da palavra escrita, e que cada vez mais libertava o
aluno da fadiga de uma leitura mais ampla, favorecida a interpretação pelas
imagens e os esgares da B.D. Tintin
e Astérix
eram
outra coisa, histórias de aventuras com humor sadio e não rancoroso nem pedante,
sobre o Homem universal que atravessou os tempos. Quanto à Mafalda, apesar de
lhe achar graça, também pela expressividade da figura, nunca a vi como menina
ingénua, embora o seu mundo infantil fosse malabaristicamente transposto para o
universo adulto do seu autor Quino, ou vice-versa. Suponho que estava ali em
formação a menina sueca dos novos tempos, Greta Thunberg que, Mafalda sofisticadamente teatral, porque
adolescente instigada por saberes e ódios habilmente instilados, desenvolveria
o seu raciocínio crítico com muitos esgares dramáticos, e passeando-se pelo
mundo, a defender o planeta do seu futuro, contra a agressão adulta ao seu
mundo presente.
I -CRÓNICA: Quino. Vou explicar ao Gui porque é que ele
se chama Gui
O mundo da Mafalda era tudo menos
infantil e muitas coisas sérias se passavam dentro da maior das criações de
Quino.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 30 de Setembro de 2020,
Sobre
Quino
posso dizer isto: o meu terceiro filho chama-se Guilherme apenas para termos o
prazer de o chamar “Gui” (ninguém o conhece por outro nome), tal como o
adorável irmão mais novo da Mafalda. Há uma tira em que o pequeno Gui insiste,
como todas as crianças, em perguntar “puquê”, “puquê”, “puquê”, e ao fim do
quarto “puquê”, Mafalda suspira: “Só um ano e meio e já candidato ao gás
lacrimogéneo.” Essa frase recorda-nos que o mundo da Mafalda era tudo menos
infantil, e que muitas coisas sérias se passavam dentro da maior das criações
de Quino.
Se
Mafalda era uma menina que não gostava de sopa, Quino era um artista que não
gostava de opressões, injustiças, atentados à liberdade ou autocratas. Era
também um artista brilhante e inquieto, que não gostava de se repetir, razão
pela qual pôs um ponto final na sua criação mais famosa em 1973, após menos de
dez anos de publicação de Mafalda. E nunca mais lhe tocou.
Quino
continuou a ser um extraordinário cartoonista e ilustrador, dotado de um traço
extremamente virtuoso na sua aparente simplicidade, e com um sentido de humor
apurado, que se transformava numa máquina de produzir metáforas visuais, como
pode ser atestado nos seus numerosos álbuns de cartoons, que foram sendo
publicados em Portugal ao longo dos anos 90 pela D. Quixote, e mais tarde pela
Teorema.
A
Argentina, vá lá saber-se porquê, é um dos mais prodigiosos albergues de
autores de banda desenhada e de ilustração, e Quino era um dos maiores entre os
maiores. Neste dia
triste, resta-me aproveitar para voltar a explicar ao Gui porque é que ele se
chama Gui, modesta forma de insuflar um pouco de vida a quem se foi de vez.
TÓPICOS CULTURA-ÍPSILON BANDA DESENHADA
II - CRÓNICA: Quino,
um dos meus
Essa coisa que era a Mafalda vingou
pela agudeza das observações, pela fineza do traço e da comunicação, pelo
divertimento do humor, sem dúvida, mas também pela identificação imediata com
aquelas personagens, que passaram a existir naqueles espaços vazios que os
jovens têm para ser ocupados pelos heróis e pelos amigos.
PÚBLICO, 30 de
Setembro de 2020
Quando
eu era pequeno, aí pela Idade do Bronze, e, na minha especialidade, achava que
ainda não era ninguém, tive a fortuna de ser visitado, por livros e por
brinquedos, por artistas que tiveram artes de me conquistar para sempre na
gratidão de me darem o que eu não conhecia, mas sabia que me faltava. Devo
ao inventor do Lego um brinquedo com que fazer eu mesmo todos os brinquedos:
carros, pistolas, casas, camiões, navios, aviões, labirintos para moscas a que
era preciso tirar as asas para que não fizessem batota, até cofres com segredo
e “leitores” de cartões perfurados dos primeiros computadores de empresas.
Devo
a uma dieta de Lego e de bicicleta a exploração do próximo e do distante
e à Enid Blyton, ao Júlio
Verne, ao Verbo Juvenil, as
sensações de aventuras que a aldeia em que vivia não me dava. Nas passagens
pela cidade e quando acabei por me fixar nela, conheci o Hergé e muitos
outros, na revista Tintin, que era preciso comprar aos bocados, todas as semanas
para não se perder o fio à meada. E perdeu-se. Até se fazer a revelação mágica
do “álbum”: uma aventura completa ali. E os álbuns do Edgar Pierre Jacobs,
mestre dos mestres.
E
então apareceu o Quino,
no liceu, emprestado no intervalo das aulas, em
livrinhos pequeninos, fininhos, com tiras independentes de história inteira, da
Mafalda. Aquilo era
outra coisa. Tal como o Tintin tinha
sido outra coisa. Tal como os Blake e Mortimer tinham sido outra coisa.
Essa
coisa que era a Mafalda vingou pela agudeza das observações, pela fineza do
traço e da comunicação, pelo divertimento do humor, sem dúvida, mas também pela
identificação imediata com aquelas personagens, que passaram a existir naqueles
espaços vazios que os jovens têm para ser ocupados pelos heróis e pelos amigos. Ao grupo de colegas do liceu pude acrescentar – e
tantos outros o fizeram – os que não tinha, mas gostaria de ter. E aprendia-se
muito. Por exemplo, que a liberdade era pequenina. Por acaso, era,
embora eu não soubesse. Mas deu-se logo o 25 de Abril, por esses dias, e eu
percebi. Mas o Quino já me tinha avisado. E avisou-me de outras coisas no álbum
“Não Me Grite!”, que eu comprei por 200 escudos: a vida nas cidades, o
materialismo, a exploração, a ecologia, a solidão.
E
em Gente, Bem, Obrigado, e Você?, Quinioterapia e outros, pude confirmar, vezes sem conta, que ele
continuava em forma, que continuava lúcido, a ser meu amigo, a partilhar os seus
pontos de vista comigo e eu a partilhar dos dele. Em 1984, na agora defunta
Livraria Bertrand de 31 de Janeiro, no Porto, onde tanta coisa se passou até
fechar, fui dos que entraram na bicha para uma dedicatória e um aperto de mão
ao amigo que vivia tão longe e que eu não conhecia, mas que me tinha
acompanhado, tal como aos outros meus amigos, nos anos em que nos construímos.
Levei-lhe o Não Me Grite!. E aqui está: “Para Aurélio, Quino 84”. Quanto
vale? Não é quanto vale no eBay, é no coração… Obrigado, Quino. És um dos meus.
NOTAS DA
INTERNET:
Quino
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Joaquín Salvador Lavado Tejón Mendoza, 17 de julho de 1932
— Buenos Aires, 30 de setembro de 2020),
mais conhecido como Quino, foi
um pensador, historiador gráfico e criador de banda desenhada (história em
quadrinhos).
Filho
de imigrantes espanhóis da Andaluzia, nasceu em 1932 na província de
Mendoza na Argentina. Desde cedo
foi chamado pelos familiares pelo apelido com que é conhecido - Quino - para
diferenciá-lo do tio homónimo, desenhista,
com quem já aos 3 anos de idade aprendeu o gosto pela arte.
Em
1945 perdeu a mãe e em 1948 o pai.
No ano seguinte abandonou a Faculdade de Belas Artes com
a intenção de se tornar um autor de banda desenhada, e logo vendeu o seu
primeiro desenho animado, um anúncio de uma loja de seda. Tentou encontrar
trabalho no editorial Buenos Aires, mas não conseguiu. Depois de
fazer o serviço militar obrigatório em 1954, estabeleceu-se
em Buenos Aires em condições precárias.
Por fim, publicou a sua primeira página na revista de humor semanal. Isto é, de
logo se seguiram outras editoras: Leoplán, TV Guía, Vea y Lea, Damas y Damitas,
Usted, Panorama, Adán, Atlántida, Che, o diário Democracia, entre outros.
Em
1954 começou a publicar regularmente no Rico Tipo e no Tia Vicenta e Dr.
Merengue. Logo depois começou a tirar fotos de publicidade. Publicou as suas
colecções primeiro no livro "Mundo Quino" em 1963, e logo
surgiram algumas encomendas para algumas páginas numa campanha de publicidade
encomendada por Mansfield, uma empresa de electrodomésticos. A campanha não
chegou a ser realizada pelo que a primeira história de Mafalda foi publicada
no Leoplán,
e pouco depois passou a ser publicado regularmente no semanário Front Page já que o editor do semanário era
um amigo de Quino. Entre 1965 e 1967 foi publicado no jornal (entretanto
desaparecido) O Mundo, logo publicou as
primeiras colecções de livros, e começou a ser lançado em Itália, Espanha (onde
a censura forçou-o a rotulá-la como "conteúdo para adultos"), Portugal e
outros países. Depois de por um fim à Mafalda a 25 de junho de 1973, segundo o
próprio por as suas ideias estarem a esgotar-se, Quino mudou-se para Milão,
onde continuou a fazer as páginas de humor que lhe caracterizam.
Em 2008, a cidade de Buenos Aires imortalizou-o. Por iniciativa do Museu de Desenho
e Ilustração e com curadoria de Mercedes Casanegra, a Buenos Aires
empresa Subway realizou dois murais da sua personagem Mafalda, na estação
Peru, ou seja na histórica Plaza de Mayo.
Isto assegurou o conhecimento do seu trabalho para as gerações futuras. Em
2009, com uma peça original da sua personagem Mafalda,
realizado para o jornal El Mundo, na exposição "Bicentenário: 200 Anos
de Humor Gráfico" que o Museu de
Desenho e Ilustração, realizada em Eduardo Sivori Museu de Buenos
Aires, homenageando os mais importantes criadores de Humor Gráfico na Argentina
através de sua história. Morreu em 30 de Setembro de 2020, aos 88 anos, de acidente
vascular cerebral.
Uma menina questionando o mundo
A
obra mais famosa de Quino é a tira cómica Mafalda, publicada entre os anos 1964
e 1973. Editada em
tiras nos jornais, Mafalda questionava todos os problemas políticos, de género,
e até científicos que afligiam sua alma infantil e, ao mesmo tempo, refletia o
conflito que as pessoas da época enfrentavam, sobretudo com a progressiva
mudança dos costumes e a já incipiente introdução da tecnologia no cotidiano.
Um
bom exemplo é a tira onde Mafalda ouve no rádio: "O Papa fez um chamado à paz" E, com sua ingenuidade infantil, responde ao aparelho:
"E deu ocupado
como sempre, não é?" Apesar de ter
sido interrompida ainda no começo dos anos 1970,
Mafalda possui uma legião de fãs, e o trabalho de Quino ainda tem
reconhecimento internacional, como um dos maiores cartunistas do mundo. Quino
criou vários personagens, mas a personagem
mais famosa é Mafalda, uma menina
de quase 8 anos que odeia sopa.
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