Enviou-me João Sena este documento, por email, que nos alerta para vidas de nações que ajudam a definir as nossas, não direi com igual parolice, mas com idêntica esperteza, isso sim. Pedro Barroso sabia-o. Diremos com ele: «Viva quem canta! Quem canta é quem diz! Quem diz o que vai no peito… No peito vai um país.»
E o país aí vai, com os que sabem cantar.
Espanha à beira do precipício
Triste, assustador e perigoso, e qualquer semelhança com a Venezuela de
Chávez e Maduro não é pura coincidência.
Corria o ano de 1992 e o então
comandante venezuelano Hugo Chávez, aventurou-se numa tentativa de golpe de Estado
militar que o condenou a dois anos de prisão.
Quatro anos mais tarde, em 1998, o mesmo Hugo Chávez, numas
eleições democráticas, ganhou e tornou-se presidente daquele país.
Chávez percebeu que as revoluções
contemporâneas já não se faziam com tanques e armas, com ameaças de morte ou
exílios forçados; mas, antes, “por dentro” e legitimadas por eleições e
processos eleitorais democráticos.
Outros, com maior ou menor pudor, e, claro, com
maior ou menor sucesso, seguiram-lhe o caminho: Evo Morales, na Bolívia, ou Cristina Kirchner, na Argentina, são exemplos.
Ora, em todos estes fenómenos houve
um resultado comum: um nível de corrupção e de
concentração de poderes nunca antes vistos em Estados considerados democráticos.
No entanto, o exemplo de Hugo Chávez não
se limitou (nem se limita) à América Latina.
Em 2013, numa entrevista à televisão
pública venezuelana, Pablo Iglesias definiu o país sul-americano como um “ejemplo democrático”.
Um ano
antes, num tweet entretanto eliminado, Alberto Garzón afirmou que “el único cuyo modelo de consumo es sostenible y tiene un
desarrollo humano es…Cuba”.
Hoje, em 2020, Pablo Iglesias e Alberto Garzón são,
respectivamente, Vice-Presidente e Ministro do Consumo do governo espanhol.
Os perversos, mas inteligentes, dirigentes do Unidas
Podemos cedo perceberam que a sua revolución só
ultrapassaria a utopia da rua, das Puertas del Sol e das salas de aulas de
Ciência Política da Complutense de Madrid, chegando ao governo e ao Palácio
da Moncloa.
E assim foi; com dois detalhes não menos
importantes: primeiro financiados ilegalmente por narco-ditaduras; e segundo, manipulando a opinião pública com
a invenção de casos judiciais, apresentando-se como vítimas de realidades
paralelas e construídas pelos mesmos.
Ainda assim, e com o pior resultado
eleitoral de sempre do partido de extrema-esquerda radical, Pablo Iglesias fez xeque-mate
ao PSOE e conseguiu, por fim, um lugar cimeiro no Conselho de Ministros do
governo espanhol. Uma vez no poder, o guião, que
nem precisou de ser traduzido, chega a confundir-se com o da Venezuela de Hugo
Chávez.
Primeiro
objectivo (este ainda em curso): silenciar e vilipendiar a oposição
com insultos do tipo fascistas e franquistas, pelo simples facto de, os outros,
acharem que retirar os restos mortais de um ditador desaparecido há mais de 40
anos não é um assunto relevante para a Espanha do século XXI, onde o desemprego
está prestes a ultrapassar a barreira dos 15% num país com mais de 40 milhões
de habitantes.
Segundo
objectivo (este aparentemente falhado): adoptar uma postura de confronto
declarado a qualquer meio de comunicação social independente, que não siga a
narrativa imposta por si e pelo actual governo.Sobre este ponto, o
executivo espanhol chegou a exigir, durante a Primavera de 2020, que qualquer
jornalista presente nas conferências de imprensa sobre a Covid-19 em Espanha,
enviasse as suas perguntas de maneira prévia, para que estas fossem revistas e
seleccionadas pelo chefe de gabinete de Pedro Sanchéz, o sinistro
Iván Redondo, qual Ministro da Verdade Orwelliano.
Esta tentativa de silenciamento falhou, porque vários
jornalistas e distintos meios de comunicação social de referência, como o El Mundo e o ABC, ameaçaram
boicotar esta tentativa deliberada e desavergonhada de tornar as conferências
de imprensa em tempo de antena do governo.
Terceiro objectivo (este entretanto atingido): ocupar o
lugar de topo no Conselho Nacional de Segurança do Estado espanhol.
Com isto, Pablo Iglesias controla hoje todos os segredos de Estado e acede a toda e qualquer
informação de segurança considerada classificada. Um perigo, portanto.
Quarto objectivo
(este ainda em curso): debilitar o Estado e todas as suas instituições
democráticas resultantes (e devidamente sufragadas pelo povo no referendo à
Constituição de 1978) da transição para a democracia no final dos anos 70.
Numa palavra, abater (admito que em sentido figurado)
o Rei e a monarquia constitucional, mesmo que aquando da sua tomada de posse
jurassem proteger esse mesmo Rei e cumprir com a Constituição em vigor. E não estou a delirar ou a exagerar.
Há um mês, o Vice-Presidente do governo
Espanhol definiu como “tarea fundamental” do Unidas Podemos, acabar com a
monarquia constitucional. Na sequência destas declarações, o Rei tem sido posto à margem de actos oficiais onde tipicamente
participava, como, por exemplo, a tomada de posse dos órgãos judiciais na
Catalunha.
Com isto, admito que Santiago Carrillo, líder
histórico do Partido Comunista espanhol e um dos pais do período de transição,
deve estar a dar voltas no caixão, mas adiante.
Quinto objectivo (este é ainda
um copo meio cheio, meio vazio): controlar a Justiça.
Parte já foi conseguido com a nomeação
de Dolores Delgado, até há um ano
Ministra da Justiça do governo de Pedro Sanchéz e, hoje, Fiscal General del
Estado (o equivalente português à Procuradoria-Geral da República). Uma espécie de
braço armado do Executivo de esquerda numa função que se quer independente e
apartidária.
E, mais recentemente, alterar a forma
como são nomeados os 20 vogais do Consejo General del Poder Judicial – de onde
sai o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – e, assim, acabar com o clássico e liberal princípio da separação de poderes.
Sim: aquele princípio secular e
fundamental de qualquer Estado de Direito e que distingue as democracias
ocidentais das tiranias de aqui e ali. Aterrador, dirão.
Ora, a proposta
surgiu no início desta semana e defende que os 20 juízes passem a ser eleitos
por maioria absoluta simples, isto é, metade mais um, em vez da actual maioria
reforçada de 3/5 no parlamento espanhol e no senado. Câmaras onde o
PSOE, o Unidas Podemos e os partidos independentistas têm, somados, maioria
absoluta simples.
Explicado de outra maneira: Pablo Iglesias, Pedro Sanchéz e a
entourage de perigosos fanáticos que os seguem, pretendem mudar as regras do
jogo e alterar uma lei (mesmo que criticável e com margem de melhoria),
aprovada por um governo socialista de Felipe González, para que possam nomear,
a dedo, juízes que sirvam os seus interesses particulares.
Algo gravíssimo e que, quando visto
noutras geografias da Europa, como na Polónia – acusada de destruir o que ainda resta
do Estado de Direito naquele país – fez soar todos os alarmes e todas a
críticas (e bem!) de Bruxelas e do Partido Socialista Europeu.
A oposição espanhola e várias
associações de juízes já vieram anunciar que recorrerão a todas as instâncias
judiciais domésticas e europeias para travar uma lei que, no seu espírito não
pretende mais do que matar o princípio da separação de poderes, da independência dos magistrados
e do Estado de Direito.
Tudo isto, no meio de uma pandemia, onde Espanha lidera todos os rankings
de falecidos, de doentes e de profissionais de saúde infectados com a Covid-19.
Tudo isto, no
meio de uma crise económica e social sem precedentes: o FMI e a OCDE colocam
Espanha como a economia desenvolvida que mais riqueza perderá em 2020, com uma
queda do PIB perto dos 15% e com uma taxa de desemprego de guerra que não se
recuperará até 2026.
Esta semana, o Banco de Espanha alertou
para o crescimento do risco de pobreza e que esta poderá atingir 11 milhões de
pessoas no final deste ano.
Triste, assustador e perigoso, e
qualquer semelhança com a Venezuela de Chávez e Maduro não é pura coincidência. É antes
consequência e resultado da mesma cartilha que não vale, além de criar Estados
falhados, falidos e que multiplicam a inflação, a pobreza e a fome a um ritmo
assustadoramente industrial. Gonçalo
Dorotea Cevada
PS: Mudem apenas
alguns nomes pessoais, nomes de partidos e nomes dos locais e vejam lá onde é
que excelente artigo se pode também aplicar
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