Quem
nasceu primeiro? A eterna questão. Coisas extremamente complicadas de se demonstrarem,
que Salles da Fonseca aproveita para se ir distraindo, enquanto tenta desmontar
os conceitos na sua forma simplificadora e atraente, que nos deixa gratos, e
nos faz reler.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 09.10.20
Fulano- Olá, ainda bem que chega!
Eu
- Obrigado.
Beltrana – Olá! Estávamos aqui a falar sobre coisas etéreas.
Eu
– Ena! A esta hora tão matutina?
Beltrana
– E por que não? É uma hora tão boa como outra
qualquer…
Eu
– Sim, sim. Então, do que falavam?
Fulano
– Não se assuste! Estávamos a falar de
Metafísica.
Eu
– Boa! E que diziam?
Fulano
– O que é a Metafísica?
Eu
– É o que está fora da Física.
Beltrana
– Eu bem dizia que estávamos a falar de coisas
etéreas…
Fulano
– Pode dar um exemplo?
Eu
– Uma ideia, um princípio, um conceito…
Fulano
– Uma ideia? Como é isso?
Eu
– Sim, qualquer coisa imaterial.
Beltrana
– Assim, tão simplesmente? Então, o
«hardware» dos computadores é físico e o «software» é metafísico.
Eu
– AHAH! Bem visto. Quase me apanhou. Sim, o
«hardware» é físico mas o «soft» não é metafísico porque é… electricidade.
E porque nem tudo o que lá circula é doutrinário, genérico, conceito. Esses
conceitos, sim, são metafísicos mas são-no por si próprios e não por circularem
numa via «soft».
Beltrana
– Mas assim, não é nenhum bicho-de-sete-cabeças
como parece com as explicações complicadas que por aí andam…
Fulano
– E era sobre essas explicações complicadas
que estávamos a partir pedra.
Eu
– Complicar é fácil. Mas se a definição é
simples, tudo o que lá cabe pode não ser assim tão simples.
Beltrana
– Como por exemplo…?
Eu
– Desde o conceito aritmético mais simples
(2+2) até Deus.
Fulano
– Deus, uma ideia?
Eu
– Sim, uma ideia… «e no princípio era o
Verbo»…
Beltrana
– Está a dizer que Deus não é mais do que uma
ideia?
Eu
– Deus é uma ideia que se explica pelos
chamados Argumentos Ontológicos.
Beltrana
– Os argumentos quê?
Eu
– Ontológicos do grego «onthos» que
significa «ser». Os argumentos pelos quais se chega à existência de Deus.
Fulano – Isto, sim, é conversa boa para servir como aperitivo para o
almoço. E pode dar um exemplo desses argumentos?
Eu
– Sim, claro! Há muitos mas eu tenho sempre
três na ponta da língua – o de Santo Anselmo, o de Pascal
e o de Einstein.
Fulano
– Eh caramba! Assim de enxurrada?
Eu
– Bem, não propriamente de enxurrada. Posso
dizê-los calmamente.
Beltrana
– E, então, que disseram eles?
Eu
– O mais progressista foi o mais antigo
destes três, Santo Anselmo. À nossa semelhança quando hoje dizemos que «o que não está na
Internet é como se não existisse», ele disse que «as coisas só existem se
nós as imaginarmos; se não as imaginarmos, é como se não existissem». Então,
imaginemos algo que está mais acima do que qualquer outra coisa que possamos
imaginar, que seja inultrapassável. Esse «algo» é Deus.
Beltrana
– É curioso dá que pensar. Não é de repente
que se percebe. OK! Fica o registo mas para amadurecer. E o Pascal?
Eu –
Cito-o mais por curiosidade do que pela elevação do raciocínio que não passa
de um exercício de contabilidade de «Ganhos e Perdas»:
- se
acreditas em Deus e ele existe, depois da morte terás todas as recompensas;
- se
não acreditas mas ele existe, perdes tudo;
- se
acreditas e ele não existe, não ganhas nada;
-
se não acreditas e ele não existe,
não ganhas nem perdes.
- Portanto, o melhor é acreditares.
Fulano
– Fico na dúvida sobre se Pascal está a gozar
connosco ou…
Beltrana
– Não gosto desse raciocínio.
Eu – Einstein é mais interessante. Começa por uma afirmação, faz
uma pergunta e responde:
-
O Universo começou com o «big bang»;
-
Quem deu a ordem para que essa mega explosão ocorresse?;
-
A única resposta possível, Deus.
Fulano – Prefiro este.
Beltrana
– Também eu.
Eu
– Parece que estamos todos de acordo. Mas
há muitos mais argumentos ontológicos. Normalmente, agrupam-se em conjuntos
mais ou menos homogéneos.
Beltrana
– Grupos de argumentos? Que grupos são
esses?
Eu
– Religiões.
Fulano
– Então, as religiões são grupos de
argumentos?
Eu
– Sim, mas não só.
Fulano
- Mais quê?
Eu – Fé.
Beltrana
– Ah, claro! E tudo isso é Metafísica.
Eu – Exacto! Mas agora são horas de almoço, tenho que ir andando.
Fulano
– E vamos continuar esta conversa noutra
ocasião?
Eu
– Por mim, encantado. E deixo já um mote para
que, entretanto, vão vendo o que diz o Google sobre «Exegese». Até breve!
Fulano
– Até breve!
Beltrana
– Beijinhos!
Outubro de 2020 Henrique Salles da Fonseca
Tags: filosofia
COMENTÁRIO:
Anónimo 09.10.2020: Lisboa, início da década de 50 do século passado,
colégio/externato, com nome religioso, destinado ao ensino da pré-primária e
até à 4ª classe, bem como à preparação da admissão ao Liceu. Directora austera,
exigente, boa a ensinar e a castigar, utilizando o modelo conhecido, em outras
paragens, como “estátua”, mas por escasso tempo, para além de uso regular de
régua bem calibrada, em peso e dimensão, para as palmas das mãos dos alunos.
Ensinava a 3ª e 4ª classes e, numa eficiente integração vertical caseira, as
duas filhas ensinavam as outras classes, enquanto uma outra senhora igualmente
familiar, mais idosa, superintendia nos almoços e nos recreios. Nos sábados,
para além de Mocidade Portuguesa, havia aulas de religião, onde se rezava
também. Fruto de conversa entre dois alunos da 4ª classe, um deles, na aula de
religião, referindo-se ao colega, disse à professora que este não acreditava em
Deus. Silêncio profundo. Grande expectativa. O que se seguiria? Depois de
alguma hesitação, a professora/directora olhando para o aluno “queixinhas”, mas
apontando ameaçadoramente com a régua para o eventual herege, disparou: “Se
Deus não existisse ele também não existiria”. Pondo em termos de silogismo: “Se
Deus não existisse, Fulano também não existiria. / Fulano existe. / Logo, Deus
existe”. Henrique, poder-se-á classificar este silogismo como um argumento
ontológico? Forte abraço. Carlos
Traguelho
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